O fenômeno foi bem identificado por FH quando disse certa feita: “disputamos
com o PT para ver quem comandará o atraso”. Com efeito, no regime de
presidencialismo de coalizão, o PSDB sob feroz oposição do PT, antes e depois do Plano Real, aliou-se para governar com o o PFL, hoje
Democratas e, ocasionalmente, com o PMDB. Quando lhe coube governar, o PT
colocou no balaio o PP malufista, o PTB, de Roberto Jéferson e uma profusão
de nanicos, além dos mais tradicionais de esquerda. O PT definira como
estratégia para chegar ao poder um combate sem tréguas com a constante satanização de “FHC” e sua caracterização como "direita". Durante oito anos não
houve viagem ou visita que ele fizesse que não encontrasse aquele grupinho de
petistas vaiando, xingando e hostilizando-o.
No âmbito pessoal Lula o atacava violentamente passando
por cima da resistência conjunta de ambos à ditadura, nos anos 70 e início dos
80 e da amizade entre eles de então. Lula gostava de frequentar sítios, já na época,
e FH costumava emprestar-lhe o seu e de
Ruth. Os tucanos vieram a compor uma socialdemocracia de corte mais social
liberal, o PT uma mais clássica, de base
sindicalista e com uma pletora de tendências mais radicais.
O espírito de
corpo petista acabou impregnado por uma pulsão leninista. Somos o partido do
proletariado, temos um direito natural, histórico, ao poder. É um tipo de atitude que foi expressa, depois, na
sua plenitude pelo chavismo. Lula nunca quis sair do quadro constitucional mas
dentro dele faria “o diabo” (dixit Dilma)
para impedir uma alternância. Isso porque o direito do PT a governar era como
aquele dos reis, só que concedido não por Deus mas pela história, pela meta final gloriosa
do socialismo.
Foi daí que veio o caldo de cultivo do tipo de corrupção que primeiro tornou-se enorme. Ela transcendeu a finança “logística” do partido, aquela destinada a faze-lo se perpetuar no poder,
ganhando eleições com um volume acachapante de recursos e instrumentos, para para cair também naquela mais esfera tradicional do enriquecimento pessoal de certos integrantes da “companheirada”,
mal influenciados pelos novos parceiros da política tradicional, clientelista, assistencialista, compradora de
votos.
Realinhamento?
Em diversas ocasiões propugnamos –sem muito
acreditar na sua viabilidade-- um “realinhamento histórico”, entre petistas,
tucanos e verdes. Ser tivesse acaso existido teria talvez evitado toda essa
tragédia da deriva do PT, a partir do segundo governo de Lula. Talvez tivesse viabilizado
uma reforma política, uma política de sustentabilidade
e evitado uma promiscuidade maior com a oligarquia mais tradicional da política
brasileira com sua enorme capacidade de emular todos seus truques de mau
caminho. Ou talvez não. Certamente teria evitado alguns erros catastróficos na
economia.
O
primeiro governo Lula expressou, sem dizer, algumas políticas possíveis dessa aliança sem
ela. Aquele governo, como então notava meu amigo Gilberto Gil, foi, em muitos aspectos, uma continuação tonificada do de FH, salvo na questão das privatizações as quais ele não chegou a tentar rever.
Um “realinhamento histórico”, daquela
forma, das vertentes inimigas da social democracia teria facilitado a
emergência de uma direita liberal, civilizada, que faz falta ao Brasil. Com
todas essas alianças fisiológicas e o grande poder de cooptação do governo, a direita liberal se pulverizou. Agora periga ser suplantada pelo
renascimento de uma direita popular hidrófoba que é uma anti-esquerda exaltada. Como num jogo de espelhos.
Petismo e o
anti-petismo raivoso nas redes sociais, tribalização
da sociedade, escalada do discurso odiento
–petistas encrespando visitantes no hospital Sírio libanês e anti-petistas
comemorando a tragédia de dona Marisa no Watts App-- tudo isso agoura mal nosso futuro junto com esse clima
inquisitorial que corre o risco de comprometer a grande contribuição positiva
da Lava Jato na desmontagem dos mega esquemas de corrupção das entranhas do Estado.
Não
saberemos ao certo qual foi a influência no AVC de dona Marisa dos
procedimentos investigatórios contra ela, notadamente, no caso do apartamento em
Guarujá que, desde o início, me pareceu uma
senhora “forçação de barra”. Uma coisa seria se o MP conseguisse comprovar que Lula comandava e operava o “petrolão”.
Até onde sei não conseguiram fazer essa demonstração (e contra a Dilma também
não). Já o apartamento
em Guarujá e o sítio foram simplesmente a continuidade de um tipo de relação que
Lula sempre teve, ao longo de sua carreira, com
pessoas ricas que gostavam dele, o admiravam. Embora criticável é um tipo de relação bastante corriqueiro entre grandes personalidades políticas pelo mundo afora,
posso citar diversos exemplos de consagrados estadistas, entre eles Winston Churchill..
Podem dizer que essa relação de Lula com os “burgueses”
era eticamente inaceitável. Que o líder dos explorados, dos humildes não podia se
beneficiar de “mordomias” como a um pequeno sítio com laguinho e pedalinhos. Que
haveria conflito de interesses em receber favores de donos de empreiteiras,
pagamentos polpudos por palestras, contribuições para transladar arquivos
ou tocar seu Instituto ou prêmios por intermediar negócios em Cuba ou Angola.
Pode haver motivos para criticar, questionar, cobrar politicamente, à luz do
discurso moralista, lava-mais-branco, do PT antes de chegar ao governo. Mas não
parece claramente constituir crime nem justificar o tipo de assédio jurídico policial e midiático
do qual o ex-presidente foi alvo e que se estendeu a sua
esposa.
A impressão
política que tenho é que esse assédio vai contribuir para uma vitimização de Lula que
poderá assim eludir confortavelmente suas responsabilidades políticas pelos graves erros do
PT. Era bom os heróis
do Lava Jato e seus apologistas incondicionais na mídia refletirem sobre a lei
das consequências inesperadas.
Há quem veja neles a nova força política
emergente que irá passar o Brasil a limpo. Já ouvi isso mais de uma vez. Numa
democracia se quiserem ser força política e "passar o país politicamente a limpo" terão que entrar na dita cuja. Nela mesmo, na política. Hoje eles são funcionários de um poder da República
e precisam ser isentos, zelar pelas leis
e proteger as garantias individuais e o devido processo, inclusive no que diz
respeito à presunção de inocência que tomou chá de sumiço. Também seria bom se
mostrassem um mínimo de humanidade. Quanto à política brasileira, continuará apanágio dos eleitos por piores que sejam. Não
chegaram de Marte, foram eleitos. Também o será a próxima leva.
Desculpem a previsão pessimista, se
houvesse eleições amanhã, a composição
das casas legislativas não seria muito diferente. A renovação, possivelmente
mais à direita, se daria naqueles 20% escolhidos pelos votos politizados da
classe média urbana. Os 80%, eleitos nas várias modalidades de clientelismo e
compra direta ou indireta de votos, continuaria com os mesmos personagens ou
outros, análogos.
Nem o PT nem o PSDB irão desaparecer do quadro politico
brasileiro e é fundamental que ambos se renovem. O mesmo valeria para o PV também
fagocitado pela pior política tradicional e outros partidos que tem ou tiveram alguma
referência ideológico-programática, ainda que oca. Um bom passo para essa renovação seria o de se parar de
satanizar o adversário e se imaginar possuídos de um “direito histórico” ao governo e dispostos a ferro e fogo a alternância.
O abraço dois ex-presidentes pode ter sido um instante
de trégua em meio a uma tragédia pessoal mas deveria ser o inicio de uma convivência
política menos crispada, de braço estendido,
ajudando o país a transitar por esses tempos difíceis por todo o mundo. Negociando um pacto de transição política e econômica. Mas seria pedir demais, não é? Foi um gesto
positivo, possivelmente sem grandes desdobramentos. Infelizmente.
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