Artigo que recentemente mandei para O Globo mas não foi publicado, perdeu o gancho jornalístico da morte de Fidel mas achei útil desova-lo aqui. É a comparação entre duas revoluções. Uma happy end mas desconhecida pelo seu "déficit de sangue". Criou um país feliz, a Costa Rica, mas os jornalistas e historiadores dão pouca bola para isso. A outra conhecemos melhor...
Fidel Castro |
Pepe Figures |
A recente morte de Fidel
Castro relançou recorrentes polêmicas sobre a revolução cubana. Libertação ou
opressão? Avanço social ou penúria generalizada? Dignidade ou tirania?
Para
além das fortes polarizações ideológicas e idiossincráticas que a morte do
velho comandante em chefe suscitou, existe uma realidade perceptível: depois de
quase 58 anos de revolução a grande maioria de população cubana vive uma
existência de privações e virações, com um padrão abaixo das classes médias e dos
pobres integrados ao mercado de trabalho da América Latina e Caribe. Acima,
certamente, da miséria mais extrema e do abandono daqueles seus segmentos mais
miseráveis e marginalizados.
Existe um padrão destacado de saúde e educação que
produz um fenômeno raro: uma boa parte da população trabalha em atividades
abaixo de seu nível de formação: o engenheiro garçom, o professor universitário
chofer, todos na caça frenética do peso conversível (o CUC) a moeda alinhada ao
dólar distinta do peso cubano que paga os salários (baixíssimos) e as tarjetas
de racionamento. Existe uma elite política e militar com um padrão de vida
muito superior e diversos tipos de privilégios.
A liberdade de expressão e de
manifestação é muito restrita e frequentemente reprimida com dureza, não há imprensa
ou organização política fora do partido único. A conquista incontestável é o
orgulho nacionalista e a notoriedade internacional. Fidel manteve seu desafio a
onze presidentes norte-americanos, foi quase pivot de uma guerra nuclear, em
1962. Influenciou decisivamente processos na África e nas Américas. Pesou no
ranking internacional.
Fidel e sua revolução marcaram profundamente a
narrativa jornalística e histórica do século XX e início do XIX. Já o mesmo não
aconteceu com uma outra revolução, na mesma região, com resultados sociais,
econômicos e democráticos bastante distintos: a de 1948, na Costa Rica,
liderada por José Maria “Pepe” Figueres.
Ela teve seus aspectos radicais como a nacionalização dos bancos e a
encampação (negociada) da United Fruit. Investiu obsessivamente na educação, instituiu
a separação de poderes com autonomia do judiciário e dissolveu o (seu próprio)
exército.
Numa região de tantas ditaduras, promoveu eleições livres a cada
quatro anos, desde 1949. Relativamente incruenta, com um desfecho negociado (e sem
paredón), essa revolução não figura
no nosso Panteão histórico-jornalístico onde se destacam heróis trágicos, mártires patéticos e tiranos sanguinários. Uma revolução de pouco
sangue e happy end, um líder revolucionário que abre mão do poder,
dezoito meses depois, uma vez terminada a transição, para depois ser eleito
presidente, em eleições livres, em 1953 e em 1970, um “socialista utópico” que
sabia dialogar com os EUA e influenciar sua política mereceu lugar menor na
História.
Poderia
ter sido assim também a revolução cubana, onze anos mais tarde mas a quase
imediata hostilidade norte-americana, na dinâmica implacavelmente polarizadora
da guerra fria --em 48, nos primórdios,
em 59, no apogeu— e,
sobretudo, a personalidade de Fidel Castro lhe deram outro
destino.
Há quem atribua a diferença
entre Fidel e Pepe à idade e origem social: Pepe, filho de um modesto médico
catalão, era um pequeno fazendeiro, conhecia bem os EUA e tinha 42 anos quando
liderou sua revolução. Fidel, filho de
um grande latifundiário de origem galega, era estudante quando chefiou o
assalto ao quartel de Moncada. Depois, conheceu apenas a prisão, o exílio e Sierra Maestra.
Pepe era acostumado a ouvir, comerciar,
negociar. Fidel nascera para mandar e ser obedecido. Os ticos (os costarriquenhos) nunca cultivaram o Patria o Muerte! Pacíficos, cosmopolitas e mais prósperos, são,
certamente, muito mais felizes, ainda que em terra de tantos vulcões. Mas felicidade é coisa irrelevante na cultura
política e jornalística do nosso tempo. Uma antiga revolução de raro final
feliz decididamente não merece ser notícia nem muita História. Padece de um
imperdoável déficit de sofrimento e de sangue. Pepe faleceu em 1990 num quase
anonimato internacional. Já Fidel...
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Caro Sirkis,
ResponderExcluirParabéns pelo ótimo texto comparativo.
Abraços
Claudio Janowitzer
Caro Sirkis,
ResponderExcluirParabéns efusivos por esse seu excelente artigo comparando as evoluções de Cuba e Costa Rica - o qual só li hoje (25/12/16). Aproveito então para desejar Feliz Natal. Já Feliz 2017 por enquanto para quimérico. Abraços, Claudio