11/02/2016

O arrepio americano

É inverno nos EUA e as más noticias se sucedem. A pior dos últimos dias foi a decisão liminar da Suprema Corte, por 5 votos a 4, suspendendo a aplicação, nos 27 estados governados por republicanos, das diretivas da agencia federal de proteção ambiental, a EPA, determinado a redução das emissões de CO2 das usinas a carvão. A EPA deixa aos estados a aplicação dos mecanismos precisos de redução das emissões. Só  impõe as suas aos que se recusam, o que aconteceu com todos os 27 governados por republicanos. A Suprema Corte agora suspendeu essa decisão a espera de um julgamento no mérito. Isso cria um problema para os resultados da COP 21 pois a aplicação do INDC dos EUA depende muito dessa capacidade da EPA de impor cortes de gases-estufa pela via administrativa já que a legislativa está bloqueada pelos republicanos.  A indústria do carvão nos EUA e na maior parte do mundo está em crise, suas emissões caem mas essa decisão atrasa o processo e pode ter uma péssima influência sobre os dois maiores emissores, a China e a Índia.

 A dupla vitória de Donald Trump e Bernie Sanders, na primária de New Hempshire,  também é preocupante. A de Trump porque revela que o fascismo nos EUA vai bem obrigado. Trump é uma figura grotesca, quase hitleresca. É duro conceber que mais de 30% dos republicanos, ou seja uns 15% da população se identifiquem com aquilo. Ele gosta de, carinhosamente,  “condenar” os “excessos” de sua galera repetindo-os risonhamente. Fez isso com aquelas recorrentes acusações de que Obama “não é americano” mas “muçulmano”. Sua mais recente envolveu uma disputa com o hiperdireitista,  religioso,  senador Ted Cruz de quem seria mais a favor daquela tortura por afogamento chamada waterboarding  (aqui o DOI CODI denominava-a “submarino”). Cruz manifestara  alguma restrição o que fez com que uma eleitora de Trump o taxasse de “pussy” (genitália feminina, a tradução literal seria “babaca” mas é mais utilizada como “frouxo” ou covarde). Ele deleitou-se em repetir o “pussy” da eleitora atribuído ao seu rival,  menos entusiasta daquela forma de tortura mas, em compensação,  apologista do “carpet bombing” o bombardeio indiscriminado, não seletivo, de cidades dominadas pelo estado islâmico ou outros inimigos. Se imaginarmos que Trump e Cruz somados parecem sensibilizar  mais da metade dos eleitores republicanos. Isso pode representar quase 25 % do eleitorado geral o dá um certo arrepio sobretudo quando se vê que são os extremados os que mais se mobilizam para ir votar nas primárias. Será assim  também nas eleições gerais?

 Não menos mobilizada está a esquerda dos democratas que encontrou seu paladino: o senador Bernie Sanders. Apresenta um discurso de princípios justo em relação à desigualdade extrema no capitalismo contemporâneo mas seu leque de propostas é totalmente irrealista para a atual correlação de forças norte-americana. 

 Seria errado defender coisas justas mas inexequíveis como  uma reforma tributária drástica e um seguro de saúde estatizado impossível de ser aprovada mesmo num Congresso melhor que o atual? Em tese, não.  Marcar uma posição justa mas historicamente inexequível, num momento dado,  seria algo perfeitamente  louvável não fosse o pelo fato da postura radical que a acompanha desqualificar violentamente Hillary Clinton. A costumeira verborreia acusatória da esquerda radical pode induzir uma boa parte dos partidários de Sanders a não ir votarem nela se ele não for o candidato democrata, o ainda parece ser o mais provável, no final das contas.

 Já vi esse filme antes. Era o ano 2000, os candidatos eram  Al Gore e George W Bush. Meus amigos verdes americanos (bem esquerdófilos)  lançaram a candidatura de um outro velho radical, o defensor do consumidor Ralph Nader. Me lembro de horas argumentando com eles  que deveriam retirar essa candidatura nos últimos dias nos estados mais disputados  (battleground states) tipo Flórida e Ohio. Mas o papo deles era: “Gore e Bush representam a mesma coisa!” Eles chegaram a lançar candidatos contra Obama nas duas últimas eleições mas sem infligir dano maior pela  inexpressividade dos mesmos.


  A Hillary Clinton não é uma boa candidata, sobretudo depois de Obama. Não empolga, não tem  “borogodó”. Mas olho para Trump e Cruz  e os outros republicanos: são todos  horrorosos: negacionistas climáticos, beligerantes, partidários de deixar milhões de pobres sem plano de saúde, a favor de baixar impostos para os mais ricos, contra os imigrantes. 

Há risco do drama de 2000 se repetir novamente agora numa conjuntura global muito pior.

 Dá um certo arrepio...

PS:   O Debate

Esse blog já estava postado quando vi o debate dos dois na quinta-feira, dia 11/2. Foi um bom debate, substantivo. Comparado com o freak show dos republicanos algo de alto nível. Hillary é boa de debate e estava muito afiada. O Bernie leva pelo emocional e sua pontuação das mazelas é consistente embora suas soluções e sua capacidade de enfrenta-las na vida real muitas vezes não. O importante é não fazer nada que possa prejudicar as chances dos democratas na eleição geral contra o imenso perigo de uma reação fascistóide.



2 comentários:

  1. Lançar impostos sobre as grandes fortunas e redistribuir riqueza não são propostas reacionárias

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  2. Caro Sirkis,
    Gostei dessa sua análise ponderada da corrida eleitoral nos EEUU. Sua propensão pela Hilary é bem fundamentada.

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