06/10/2015

Área Portuária: o grande desafio é promover a moradia

(Entrevista de Alfredo Sirkis à Marcelo Cajueiro para  o jornal do sindicato dos economistas)

"A revitalização da Zona Portuária está a meio caminho e não dá para saber nesse momento se será um grande sucesso. O desafio é promover a moradia de classe média, atrair pessoas solteiras, jovens casais e estudantes para morar na região."

Idealizador do projeto de revitalização da Zona Portuária do Rio, Alfredo Sirkis relata nesta entrevista como a ideia foi concebida, começou a ser implantada no governo Cesar Maia, ganhou força na administração de Eduardo Paes e beneficiou-se da escolha do Rio para sede da Olimpíada de 2016. Estudioso das experiências mundiais similares, Sirkis aponta os méritos da reforma no Rio, mas pondera que ainda é cedo para decretar o sucesso da revitalização da região.

P: Como foi concebido o projeto de revitalização da Zona Portuária?

R: Eu anunciei em dezembro de 2000, quando tinha acabado de ser indicado secretário de Urbanismo, que iria priorizar a revitalização da área portuária. Isso foi em uma reunião com o segmento empresarial da construção civil, e eles ficaram olhando para mim como se eu estivesse completamente louco. Eu tinha tomado contato com a revitalização de áreas portuárias nos idos de 1992, quando era vereador, e o então prefeito Marcello Alencar me mandou para uma reunião em Veneza sobre waterfronts. Eu tomei contato com o que estava acontecendo no mundo: Roterdã, Canary Wharf, Cidade do Cabo e Hong Kong. Com a mudança de tecnologia de operação portuária, os cais em linha com grandes armazéns tinham caído em desuso. O transporte marítimo de carga estava usando basicamente contêineres, que precisavam de áreas em profundidade com ligação com ferrovias e rodovias para serem tirados, e isso tinha provocado um abandono muito grande de uma série de instalações do porto tradicional e levado bairros portuários a um processo de decadência. Começou a se pensar em dar outros usos para essas instalações e revitalizá-las, transformando-as em um ingrediente de atratividade para o turismo.

Iniciando o projeto, em 2001

Eu fui candidato a prefeito em 2000, no primeiro turno, e no segundo turno apoiei o Cesar Maia em troca de um acordo programático que conteve uma revitalização da área portuária. Acumulei a secretaria de Urbanismo e a presidência do IPP, e o IPP, como órgão de planejamento, me permitiu formar uma equipe excelente totalmente dedicada ao planejamento para a revitalização da área portuária. Foi a primeira vez que a prefeitura da cidade se envolvia com a ideia da revitalização da área portuária; antes houve projetos desconexos, ou projetos sobre coisas específicas. Eu fiz um trabalho incessante de mobilização em torno da ideia, a gente desenvolveu esses projetos dialogando e montando estruturas participativas. De 15 em 15 dias fazia uma reunião com todos os atores sociais da área portuária para discutir projetos, receber críticas e tudo. Aquela era uma região em profunda decadência naquele momento, tanto nas suas atividades econômicas quanto de moradia. A população tinha caído em aproximadamente 40%.

A minha ideia tinha certos princípios: equilíbrio entre o novo e a recuperação do antigo; atrair moradia de classe média e dosar muito bem o uso residencial com os usos de escritório e comercial; e dar uma injeção na economia local.

O prefeito Cesar Maia não tinha uma grande afinidade com a ideia da revitalização da área portuária em si, mas queria o projeto do museu Guggerheim. Então houve uma espécie de casamento de interesses, mas desde o início houve problemas. Um vereador conseguiu uma liminar na justiça contra o projeto do museu. Num determinado momento o Cesar perdeu a paciência, me chamou e disse: Sirkis, não vamos mais fazer porra nenhuma na área portuária, vamos suspender todas as licitações. A única coisa que o Cesar topou continuar fazendo foram a Vila Olímpica da Gamboa e a Cidade do Samba.
Na campanha de 2008 do Gabeira, a revitalização da área portuária era o carro-chefe. Ele perdeu a eleição por pouco e quatro dias depois da eleição o Eduardo Paes me ligou, dizendo: Sirkis, a gente trocou umas cotoveladas na época da campanha, mas vamos esquecer isso, eu me interesso muito pelo seu projeto da área portuária.

P: Antes da escolha do Rio como sede das Olimpíadas, então...

R: Sim, bem antes. Eu fui à FGV e passei umas quatro horas apresentando o projeto para o Eduardo, depois para o Felipe Góes, que presidiu o IPP. Eles gostaram e aí de fato começaram a executá-lo, em condições infinitamente mais favoráveis. O Cesar tinha uma relação muito hostil tanto com o governo do estado quando com o governo federal, enquanto o Eduardo tem uma relação boa com os dois.

Apresentando os primeiros estudos
Na verdade, o convênio com o governo federal foi assinado na época do Cesar, foi um trabalho de articulação de mais de dois anos que eu fiz, tentando trazer o governo federal para o projeto, porque era fundamental; os terrenos eram federais, sem o governo federal, nada feito.
Eduardo Paes comprou a ideia. Eu dei dava sugestões, conselhos. Era vereador na época, e ajudei a aprovar projetos de lei para a área portuária, mas gradualmente fui perdendo contato e influência sobre o processo.

A escala do projeto ficou muito maior do que a escala com a qual eu trabalhava na época que era secretário de Urbanismo e presidente do IPP. Nós trabalhávamos com investimentos apenas da prefeitura, então na nossa melhor hipótese estávamos falando de R$500 milhões. Hoje o projeto envolve quantias maiores que R$3 bilhões.

P: Esse aumento foi em função da Olimpíada?

R: Eu acho que a Olimpíada influenciou nesse aumento. O projeto pegou carona na Olimpíada.

P: Seu projeto incluía a derrubada da Perimetral?

R: Não. Hoje eu reconheço que foi bom tirar o Elevado. Na época, com todas as circunstâncias políticas que a gente já tinha, essa era uma sarna que eu não queria coçar, mas nas circunstâncias do Eduardo, foi provavelmente a medida correta. Eu discordo de transformar em via expressa a parte da Rodrigues Alves entre o Armazém 7 e o 18, porque acho que no futuro aqueles armazéns serão ocupados pela revitalização e uma via expressa ali, dificultando o acesso das pessoas aos cais naquele ponto, não me parece a melhor solução. Eu teria mantido o viaduto naquela parte, do 7 ao 18, e retirado a parte anterior. Nós fizemos um projeto de recuperação paisagística da base da Perimetral, era um projeto superbacana, sobretudo de noite. Eu acho que nessa parte entre o Armazém 7 e o 18 poderia ter havido um trabalho paisagístico no viaduto. Teria feito uma certa economia sem criar essa coisa de que, quando aquilo funcionar, você vai ter uma via expressa segmentando o cais naquele trecho do bairro.

A Cidade do Samba, a primeira obra


P: Essa forma de financiamento por meio das CEPACs já estava prevista no seu projeto?

R: Na minha época trabalhávamos com uma ideia baseada um pouco na Corporación Puerto Madero, uma empresa em parceria federal-municipal, que juntasse os terrenos em uma mesma cesta e começasse, inclusive, a vendê-los, usando o produto da venda para implantar infraestrutura. Mas antes disso o governo federal precisava exonerar todos os terrenos dos problemas que tinham, processos trabalhistas, titularidades.
Eu era um defensor da ideia de transferência de índices construtivos e de CEPACs, mas não acreditava que a CEPAC fosse um instrumento muito interessante para a área portuária, porque eu tinha dúvidas se isso poderia funcionar economicamente. Eu pensava que a CEPAC era uma ideia para áreas mais valorizadas, como a Barra da Tijuca. A parte de parceria público-privada foi toda elaborada a posteriori.

P: Você está satisfeito com os resultados?

R: Eu acho que a área portuária é um grande work in progress e há um grande ponto de interrogação. Acho que em 2015 não é possível dizermos se é um sucesso ou não. É um sucesso na medida em que as obras de infraestrutura estão sendo encaminhadas. Trata-se de uma área da cidade que vai ter toda uma infraestrutura renovada. Os grandes pontos de interrogação que eu tinha na época são os mesmo que tenho agora: em primeiro lugar, necessidade fundamental de atrair o uso residencial de classe média para a área e também de baixa renda. Tem que se equacionar a possibilidade de oferecer uma moradia de qualidade atraente para uma classe média que se disponha. Como uma das coisas que aconteceu no bojo das Olimpíadas foi um aumento brutal no preço dos imóveis no Rio de Janeiro, tem que haver, de fato, um tratamento especial na área portuária que estimule pessoas solteiras, jovens casais, estudantes, sobretudo a galera mais jovem a morar na área portuária, e para isso você tem que criar uma série de atratividades. 

Mobilizando contra o abandono do palacete D.João VI
Além de todas as intervenções no espaço público, um esforço de atrair certo tipo de comércio vinculado ao uso residencial para aquela área: padarias, delicatessens, bares. Não está claro para mim, neste momento, o sucesso do uso residencial na área portuária e eu acho que ele não é uma coisa muito espontânea de mercado. Você tem que pressionar o mercado, encontrar as cenouras e porretes necessários a induzir o mercado a fazer esse tipo de investimento na área portuária, porque é mais fácil fazer investimento para baixa renda, tipo Minha Casa Minha Vida, do que levar uma empresa de construção, que constrói basicamente para a classe média, a querer investir na área portuária. Não é uma coisa trivial.

Se não houver o uso residencial da classe média na área portuária, ela vai virar uma extensão do centro da cidade, com as deformações que o centro da cidade tem, dos quais a principal é a segregação de uso, que faz o Centro ter muito pouco uso residencial. Então para mim esse é o grande desafio; não sabemos se vai acontecer ou não.

A segunda coisa é você conseguir injetar recursos na economia local e realmente ajudar as pessoas da área portuária a crescerem junto com o projeto. Discute-se muito a questão da gentrificação, e eu acho que tem que se ter uma visão realista; em primeiro lugar, é uma região degradada, nos vinte anos anteriores quase metade da população tinha dado o pinote, e, claro, com esse investimento todo vai valorizar muito todo tipo de imóvel da região, o que favorece os donos dos imóveis, mas não necessariamente quem mora nos imóveis. Tinha que haver toda uma ação social bem pensada para de fato ver essas situações. Claro que uma parte das pessoas vai querer vender, pois a propriedade aumentou de preço; isso não é necessariamente ruim. Mas tem que haver um cuidado em relação a esse tipo de processo para que ele não se torne deletério para alguns segmentos da população da área.

Outro problema que eu vejo é a qualidade arquitetônica e urbanística dos empreendimentos, que eu acho pouco cuidada e ruim. A área portuária, se você revitaliza e faz um investimento dessa qualidade, tem que tem uma arquitetura de ponta, inovadora, e não colocar essas caixas envidraçadas que eles estão colocando ali.

P: Como o quê?

Entre os armazéns 7 e 18, o tratamento paisagístico
 seria melhor que a via expressa
R: Aquele projeto da Odebrecht no Santo Cristo, por exemplo. Já não tem uso residencial, quando ali é fundamental, é um lugar extremamente apropriado para uso residencial, porque fica próximo ao Centro. Alguns empreendedores diziam na época que aquilo era ‘a nova Laranjeiras’. Mas esse empreendimento da Odebrecht só tem hotel e prédio de escritórios. Eu vejo com certa preocupação a superoferta de prédios de escritório, porque qual foi a racional que eles tiveram ao conceder essa proporção de prédios de escritório? Era um negócio muito para a indústria do petróleo, muito na visão do pré-sal, do boom econômico, e eu acho que existe um risco muito grande de haver superoferta, de eles não conseguirem vender esses espaços todos. Daqui a mais ou menos um ano a infraestrutura estará toda implantada: VLT, ciclovias, a estrutura da Praça Mauá. Vai ficar uma área com atratividade. Agora, se ela vai atrair uso residencial suficiente para realmente virar um sucesso, se a oferta vai corresponder a uma demanda de escritório não sabemos.

E tem a questão dos equipamentos culturais, que é um caminho de sucesso garantido. Teve o MAR, tem o projeto do Calatrava, acho que vai ser uma coisa boa. Não sei como vai ficar o aquário com a crise da Petrobras, mas é um projeto interessante também. Já há um reviver cultural da área portuária há um tempo, sobretudo na Sacadura Cabral e Livramento. Tem que se encontrar um esquema bem eficiente para realizar todos os restauros. Ao mesmo tempo em que se investe nas estruturas novas, tem que se investir no retrofit da parte antiga preservada. O charme da área portuária será justamente a convivência do velho com o novo. Eu acho que o novo não está sendo de boa qualidade arquitetônica, mas o velho vai ter um charme grande, se conseguir fazer esse retrofit.

Uma solução para o prédio da PF: trazer uma universidade
Um problema que precisa se resolvido é o prédio da Imprensa Nacional, que hoje é ocupado pela Polícia Federal. Na minha época, fiz grandes esforços para tirar eles de lá. Inclusive encontrei um prédio muito melhor para a PF, que é aquele que fica do lado da Central do Brasil e da Secretaria de Segurança. Teria sido muito melhor para a Polícia Federal ir para lá, fica do lado da Polícia Civil, do quartel-general da região leste, tem um perímetro de segurança interessante ali. E esse prédio não pode ficar fechado, porque bloqueia um quarteirão inteiro; tem que haver a possibilidade de atravessá-lo por dentro. O ideal seria uma universidade ali, para trazer a juventude para a área portuária. Isso é um problema que ainda precisa ser resolvido.


Para finalizar, acho que a revitalização da Zona Portuária está a meio caminho, muita coisa ainda vai acontecer, não dá para saber nesse momento se será um grande sucesso. Existem projetos de revitalização de áreas portuárias que inicialmente têm muita dificuldade e só acontecem depois, foi o caso de Canary Wharf. Tem casos que são sucesso imediato, como Roterdã. Então eu acho que está em aberto, no momento.

Um comentário:

  1. Sirkis,você que conseguiu transformar em lindas florestas áreas imensas de lixão junto com gente muito pobre poderia revitalisar a área portuária,não só com a classe média mas com aqueles que estão mais pauperizadosCriar escolas autosustentáveis ,parcerias com empresas patrocinadoras,enfim...

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