(Entrevista de Alfredo Sirkis à Marcelo Cajueiro para o jornal do sindicato dos economistas)
"A revitalização da Zona
Portuária está a meio caminho e não dá para saber nesse momento se será um
grande sucesso. O desafio é promover a moradia de classe média, atrair pessoas
solteiras, jovens casais e estudantes para morar na região."
Idealizador do projeto de
revitalização da Zona Portuária do Rio, Alfredo Sirkis relata nesta entrevista
como a ideia foi concebida, começou a ser implantada no governo Cesar Maia,
ganhou força na administração de Eduardo Paes e beneficiou-se da escolha do Rio
para sede da Olimpíada de 2016. Estudioso das experiências mundiais similares,
Sirkis aponta os méritos da reforma no Rio, mas pondera que ainda é cedo para
decretar o sucesso da revitalização da região.
P: Como foi concebido o projeto
de revitalização da Zona Portuária?
R: Eu anunciei em dezembro de
2000, quando tinha acabado de ser indicado secretário de Urbanismo, que iria
priorizar a revitalização da área portuária. Isso foi em uma reunião com o
segmento empresarial da construção civil, e eles ficaram olhando para mim como
se eu estivesse completamente louco. Eu tinha tomado contato com a
revitalização de áreas portuárias nos idos de 1992, quando era vereador, e o
então prefeito Marcello Alencar me mandou para uma reunião em Veneza sobre waterfronts. Eu tomei contato com o que
estava acontecendo no mundo: Roterdã, Canary Wharf, Cidade do Cabo e Hong Kong.
Com a mudança de tecnologia de operação portuária, os cais em linha com grandes
armazéns tinham caído em desuso. O transporte marítimo de carga estava
usando basicamente contêineres, que precisavam de áreas em profundidade com
ligação com ferrovias e rodovias para serem tirados, e isso tinha provocado um
abandono muito grande de uma série de instalações do porto tradicional e levado
bairros portuários a um processo de decadência. Começou a se pensar em dar
outros usos para essas instalações e revitalizá-las, transformando-as em um
ingrediente de atratividade para o turismo.
Iniciando o projeto, em 2001 |
Eu fui candidato a prefeito em
2000, no primeiro turno, e no segundo turno apoiei o Cesar Maia em troca de um
acordo programático que conteve uma revitalização da área portuária. Acumulei a
secretaria de Urbanismo e a presidência do IPP, e o IPP, como órgão de
planejamento, me permitiu formar uma equipe excelente totalmente dedicada ao
planejamento para a revitalização da área portuária. Foi a primeira vez que a
prefeitura da cidade se envolvia com a ideia da revitalização da área
portuária; antes houve projetos desconexos, ou projetos sobre coisas
específicas. Eu fiz um trabalho incessante de mobilização em torno da ideia, a
gente desenvolveu esses projetos dialogando e montando estruturas
participativas. De 15 em 15 dias fazia uma reunião com todos os atores sociais
da área portuária para discutir projetos, receber críticas e tudo. Aquela era
uma região em profunda decadência naquele momento, tanto nas suas atividades
econômicas quanto de moradia. A população tinha caído em aproximadamente 40%.
A minha ideia tinha certos
princípios: equilíbrio entre o novo e a recuperação do antigo; atrair moradia
de classe média e dosar muito bem o uso residencial com os usos de escritório e
comercial; e dar uma injeção na economia local.
O prefeito Cesar Maia não tinha
uma grande afinidade com a ideia da revitalização da área portuária em si, mas
queria o projeto do museu Guggerheim. Então houve uma espécie de casamento de
interesses, mas desde o início houve problemas. Um vereador conseguiu uma
liminar na justiça contra o projeto do museu. Num determinado momento o Cesar
perdeu a paciência, me chamou e disse: Sirkis, não vamos mais fazer porra
nenhuma na área portuária, vamos suspender todas as licitações. A única coisa
que o Cesar topou continuar fazendo foram a Vila Olímpica da Gamboa e a Cidade
do Samba.
Na campanha de 2008 do Gabeira,
a revitalização da área portuária era o carro-chefe. Ele perdeu a eleição por
pouco e quatro dias depois da eleição o Eduardo Paes me ligou, dizendo: Sirkis,
a gente trocou umas cotoveladas na época da campanha, mas vamos esquecer isso,
eu me interesso muito pelo seu projeto da área portuária.
P: Antes da escolha do Rio como
sede das Olimpíadas, então...
R: Sim, bem antes. Eu fui à FGV
e passei umas quatro horas apresentando o projeto para o Eduardo, depois para o
Felipe Góes, que presidiu o IPP. Eles gostaram e aí de fato começaram a
executá-lo, em condições infinitamente mais favoráveis. O Cesar tinha uma
relação muito hostil tanto com o governo do estado quando com o governo
federal, enquanto o Eduardo tem uma relação boa com os dois.
Apresentando os primeiros estudos |
Na verdade, o convênio com o
governo federal foi assinado na época do Cesar, foi um trabalho de articulação
de mais de dois anos que eu fiz, tentando trazer o governo federal para o
projeto, porque era fundamental; os terrenos eram federais, sem o governo
federal, nada feito.
Eduardo Paes comprou a ideia.
Eu dei dava sugestões, conselhos. Era vereador na época, e ajudei a aprovar
projetos de lei para a área portuária, mas gradualmente fui perdendo contato e
influência sobre o processo.
A escala do projeto ficou muito
maior do que a escala com a qual eu trabalhava na época que era secretário de
Urbanismo e presidente do IPP. Nós trabalhávamos com investimentos apenas da
prefeitura, então na nossa melhor hipótese estávamos falando de R$500 milhões.
Hoje o projeto envolve quantias maiores que R$3 bilhões.
P: Esse aumento foi em função
da Olimpíada?
R: Eu acho que a Olimpíada
influenciou nesse aumento. O projeto pegou carona na Olimpíada.
P: Seu projeto incluía a
derrubada da Perimetral?
R: Não. Hoje eu reconheço que
foi bom tirar o Elevado. Na época, com todas as circunstâncias políticas que a
gente já tinha, essa era uma sarna que eu não queria coçar, mas nas
circunstâncias do Eduardo, foi provavelmente a medida correta. Eu discordo de
transformar em via expressa a parte da Rodrigues Alves entre o Armazém 7 e o
18, porque acho que no futuro aqueles armazéns serão ocupados pela
revitalização e uma via expressa ali, dificultando o acesso das pessoas aos
cais naquele ponto, não me parece a melhor solução. Eu teria mantido o viaduto
naquela parte, do 7 ao 18, e retirado a parte anterior. Nós fizemos um projeto
de recuperação paisagística da base da Perimetral, era um projeto superbacana,
sobretudo de noite. Eu acho que nessa parte entre o Armazém 7 e o 18 poderia
ter havido um trabalho paisagístico no viaduto. Teria feito uma certa economia
sem criar essa coisa de que, quando aquilo funcionar, você vai ter uma via
expressa segmentando o cais naquele trecho do bairro.
A Cidade do Samba, a primeira obra |
P: Essa forma de financiamento
por meio das CEPACs já estava prevista no seu projeto?
R: Na minha época trabalhávamos
com uma ideia baseada um pouco na Corporación Puerto Madero, uma empresa em
parceria federal-municipal, que juntasse os terrenos em uma mesma cesta e
começasse, inclusive, a vendê-los, usando o produto da venda para implantar
infraestrutura. Mas antes disso o governo federal precisava exonerar todos os
terrenos dos problemas que tinham, processos trabalhistas, titularidades.
Eu era um defensor da ideia de
transferência de índices construtivos e de CEPACs, mas não acreditava que a
CEPAC fosse um instrumento muito interessante para a área portuária, porque eu
tinha dúvidas se isso poderia funcionar economicamente. Eu pensava que a CEPAC
era uma ideia para áreas mais valorizadas, como a Barra da Tijuca. A parte de
parceria público-privada foi toda elaborada a posteriori.
P: Você está satisfeito com os
resultados?
R: Eu acho que a área
portuária é um grande work in progress
e há um grande ponto de interrogação. Acho que em 2015 não é possível dizermos
se é um sucesso ou não. É um sucesso na medida em que as obras de
infraestrutura estão sendo encaminhadas. Trata-se de uma área da cidade que vai
ter toda uma infraestrutura renovada. Os grandes pontos de interrogação que eu
tinha na época são os mesmo que tenho agora: em primeiro lugar, necessidade
fundamental de atrair o uso residencial de classe média para a área e também de
baixa renda. Tem que se equacionar a possibilidade de oferecer uma moradia
de qualidade atraente para uma classe média que se disponha. Como uma das
coisas que aconteceu no bojo das Olimpíadas foi um aumento brutal no preço dos
imóveis no Rio de Janeiro, tem que haver, de fato, um tratamento especial na
área portuária que estimule pessoas solteiras, jovens casais, estudantes,
sobretudo a galera mais jovem a morar na área portuária, e para isso você tem
que criar uma série de atratividades.
Mobilizando contra o abandono do palacete D.João VI |
Além de todas as intervenções no espaço
público, um esforço de atrair certo tipo de comércio vinculado ao uso
residencial para aquela área: padarias, delicatessens,
bares. Não está claro para mim, neste momento, o sucesso do uso residencial na
área portuária e eu acho que ele não é uma coisa muito espontânea de mercado.
Você tem que pressionar o mercado, encontrar as cenouras e porretes necessários
a induzir o mercado a fazer esse tipo de investimento na área portuária, porque
é mais fácil fazer investimento para baixa renda, tipo Minha Casa Minha Vida,
do que levar uma empresa de construção, que constrói basicamente para a classe
média, a querer investir na área portuária. Não é uma coisa trivial.
Se não houver o uso residencial
da classe média na área portuária, ela vai virar uma extensão do centro da
cidade, com as deformações que o centro da cidade tem, dos quais a principal é
a segregação de uso, que faz o Centro ter muito pouco uso residencial. Então
para mim esse é o grande desafio; não sabemos se vai acontecer ou não.
A segunda coisa é você
conseguir injetar recursos na economia local e realmente ajudar as pessoas da
área portuária a crescerem junto com o projeto. Discute-se muito a questão da
gentrificação, e eu acho que tem que se ter uma visão realista; em primeiro
lugar, é uma região degradada, nos vinte anos anteriores quase metade da
população tinha dado o pinote, e, claro, com esse investimento todo vai
valorizar muito todo tipo de imóvel da região, o que favorece os donos dos
imóveis, mas não necessariamente quem mora nos imóveis. Tinha que haver toda
uma ação social bem pensada para de fato ver essas situações. Claro que uma
parte das pessoas vai querer vender, pois a propriedade aumentou de preço; isso
não é necessariamente ruim. Mas tem que haver um cuidado em relação a esse tipo
de processo para que ele não se torne deletério para alguns segmentos da
população da área.
Outro problema que eu vejo é a
qualidade arquitetônica e urbanística dos empreendimentos, que eu acho pouco
cuidada e ruim. A área portuária, se você revitaliza e faz um investimento
dessa qualidade, tem que tem uma arquitetura de ponta, inovadora, e não colocar
essas caixas envidraçadas que eles estão colocando ali.
P: Como o quê?
Entre os armazéns 7 e 18, o tratamento paisagístico seria melhor que a via expressa |
R: Aquele projeto da Odebrecht
no Santo Cristo, por exemplo. Já não tem uso residencial, quando ali é
fundamental, é um lugar extremamente apropriado para uso residencial, porque
fica próximo ao Centro. Alguns empreendedores diziam na época que aquilo era ‘a
nova Laranjeiras’. Mas esse empreendimento da Odebrecht só tem hotel e prédio
de escritórios. Eu vejo com certa preocupação a superoferta de prédios de
escritório, porque qual foi a racional que eles tiveram ao conceder essa
proporção de prédios de escritório? Era um negócio muito para a indústria do
petróleo, muito na visão do pré-sal, do boom
econômico, e eu acho que existe um risco muito grande de haver superoferta, de
eles não conseguirem vender esses espaços todos. Daqui a mais ou menos um ano a
infraestrutura estará toda implantada: VLT, ciclovias, a estrutura da Praça
Mauá. Vai ficar uma área com atratividade. Agora, se ela vai atrair uso
residencial suficiente para realmente virar um sucesso, se a oferta vai
corresponder a uma demanda de escritório não sabemos.
E tem a questão dos
equipamentos culturais, que é um caminho de sucesso garantido. Teve o MAR, tem
o projeto do Calatrava, acho que vai ser uma coisa boa. Não sei como vai ficar
o aquário com a crise da Petrobras, mas é um projeto interessante também. Já há
um reviver cultural da área portuária há um tempo, sobretudo na Sacadura Cabral
e Livramento. Tem que se encontrar um esquema bem eficiente para realizar todos
os restauros. Ao mesmo tempo em que se investe nas estruturas novas, tem que se
investir no retrofit da parte antiga
preservada. O charme da área portuária será justamente a convivência do velho
com o novo. Eu acho que o novo não está sendo de boa qualidade arquitetônica,
mas o velho vai ter um charme grande, se conseguir fazer esse retrofit.
Uma solução para o prédio da PF: trazer uma universidade |
Um problema que precisa se
resolvido é o prédio da Imprensa Nacional, que hoje é ocupado pela Polícia
Federal. Na minha época, fiz grandes esforços para tirar eles de lá. Inclusive
encontrei um prédio muito melhor para a PF, que é aquele que fica do lado da
Central do Brasil e da Secretaria de Segurança. Teria sido muito melhor para a
Polícia Federal ir para lá, fica do lado da Polícia Civil, do quartel-general
da região leste, tem um perímetro de segurança interessante ali. E esse prédio
não pode ficar fechado, porque bloqueia um quarteirão inteiro; tem que haver a
possibilidade de atravessá-lo por dentro. O ideal seria uma universidade ali,
para trazer a juventude para a área portuária. Isso é um problema que ainda
precisa ser resolvido.
Para finalizar, acho que a
revitalização da Zona Portuária está a meio caminho, muita coisa ainda vai
acontecer, não dá para saber nesse momento se será um grande sucesso. Existem
projetos de revitalização de áreas portuárias que inicialmente têm muita
dificuldade e só acontecem depois, foi o caso de Canary Wharf. Tem casos que
são sucesso imediato, como Roterdã. Então eu acho que está em aberto, no
momento.
Sirkis,você que conseguiu transformar em lindas florestas áreas imensas de lixão junto com gente muito pobre poderia revitalisar a área portuária,não só com a classe média mas com aqueles que estão mais pauperizadosCriar escolas autosustentáveis ,parcerias com empresas patrocinadoras,enfim...
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