24/11/2013

Uma moeda do clima?

 (publicado em O Globo, em 23/11) Tudo nessas conferências de clima  da ONU tem um certo ar de “dejà vu”. O Brasil, liderando o grupo G 77 + China,  confrontou os países desenvolvidos ao sugerir que o IPCC estabelecesse um critério de medição científica das “responsabilidades históricas”:  o quando de GEE(gases de efeito estufa) cada país lançou na atmosfera desde o início da era industrial. Pode cobrar-se responsabilidades por gerações anteriores que desconheciam as consequências daquele  progresso que ofereceram às suas nações ao passar a queimar combustíveis fósseis, incialmente o carvão e, logo,  os derivados de petróleo, sem imaginar suas consequências sobre o clima? 

 As implicações dessa questão relacionam-se com o princípio das “obrigações comuns mas diferenciadas” do acordo Kioto, de 1997,  quando os países desenvolvidos eram os grandes emissores.  Isso isentava aqueles em desenvolvimento de reduzirem suas emissões. Hoje a China é a principal geradora de GEE e os países desenvolvidos tendem a responder por uma fração decrescente. Há um consenso que todos devem cortar emissões, obrigatoriamente. Então a qual seria o efeito prático de oficializar a identificação científica das “emissões históricas” de cada país? Entendem-se as reticências dos EUA e da Europa em trilhar esse caminho por receio de que ele permita a grandes emissores, no agregado, como a China e a Índia,  empurrar-lhes a batata quente enquanto limitam sua mitigação apenas à “intensidade de carbono”  por ponto percentual do PIB. Em números absolutos elas continuam crescendo. 

  No entanto,  há uma lógica para que obrigações “diferenciadas” continuem a existir embora não mais à maneira de Kioto. No enfrentamento da crise climática além da obrigação de cortar emissões  existe uma outra: a da transferir tecnologia e de financiar tanto a redução de emissões--pela adoção de fontes “limpas” de energia, por exemplo--  quanto à adaptação dos conglomerados humanos às consequências das mudanças climáticas. Nesse entendimento a participação “histórica” pode ganhar um novo significado. No entanto, em um foro que funciona necessariamente por consenso seria preciso evitar qualquer conotação estigmatizante adotando-se simplesmente um conceito de “emissões cumulativas” calculadas objetivamente tanto por país como por segmento da economia e sinalizar claramente que isso não seria critério para estabelecer as respectivas metas de redução de emissões.  


 Uma outra proposta brasileira parece ter futuro mais promissor. Diz respeito à criação de mecanismos de recompensa a quem, de forma voluntária,  reduzir suas emissões, antes de 2020, quando entraria em vigor o novo a acordo a ser anunciado em tese,  na COP 21, em Paris, em 2015. Isso se articula bem com uma ideia lançada pela inciativa Rio Clima, em outubro: a criação de uma “moeda” do clima, lastreada na redução de emissões,  feita para adquirir exclusivamente tecnologias, produtos e serviços capazes de propiciarem subsequentes reduções de CO2 --além de naturalmente, dinamizar a economia e gerar empregos.  Essa unidade de valor, parte de uma nova “Bretton Woods do baixo carbono” seria mais eficaz que o sistema atual dos “certificados de emissão” o qual, trocado em miúdos,  dá direito a continuar emitindo acima da meta  a quem comprar redução de emissões de outrem.

  Essa nova “moeda do clima” poderia gerar um mercado financeiro, conexo,  capaz de atrair recursos para alavancar ainda mais a economia de baixo carbono. Para tanto teria que receber garantias para atrair recursos dos mais de cento e vinte trilhões de dólares do capital financeiro internacional que hoje gravitam em torno  do planeta na busca diária da sua auto multiplicação. Para compor o painel dos “garantidores” financeiros desse processo o conceito de responsabilidade sobre “emissões cumulativas” talvez possa, afinal, ser útil.

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