(publicado em O Globo, em 23/11) Tudo nessas conferências de clima da ONU tem um certo ar de
“dejà vu”. O Brasil, liderando o grupo G 77 + China, confrontou os países
desenvolvidos ao sugerir que o IPCC estabelecesse um critério de medição
científica das “responsabilidades históricas”: o quando de GEE(gases de
efeito estufa) cada país lançou na atmosfera desde o início da era industrial.
Pode cobrar-se responsabilidades por gerações anteriores que desconheciam as
consequências daquele progresso que ofereceram às suas nações ao passar a
queimar combustíveis fósseis, incialmente o carvão e, logo, os derivados
de petróleo, sem imaginar suas consequências sobre o clima?
As implicações
dessa questão relacionam-se com o princípio das “obrigações comuns mas diferenciadas”
do acordo Kioto, de 1997, quando os países desenvolvidos eram os grandes
emissores. Isso isentava aqueles em desenvolvimento de reduzirem suas
emissões. Hoje a China é a principal geradora de GEE e os países desenvolvidos
tendem a responder por uma fração decrescente. Há um consenso que todos devem
cortar emissões, obrigatoriamente. Então a qual seria o efeito prático de
oficializar a identificação científica das “emissões históricas” de cada país?
Entendem-se as reticências dos EUA e da Europa em trilhar esse caminho por
receio de que ele permita a grandes emissores, no agregado, como a China e a
Índia, empurrar-lhes a batata quente enquanto limitam sua mitigação
apenas à “intensidade de carbono” por ponto percentual do PIB. Em números
absolutos elas continuam crescendo.
No entanto, há uma lógica para que obrigações
“diferenciadas” continuem a existir embora não mais à maneira de Kioto. No
enfrentamento da crise climática além da obrigação de cortar emissões
existe uma outra: a da transferir tecnologia e de financiar tanto a
redução de emissões--pela adoção de fontes “limpas” de energia, por exemplo--
quanto à adaptação dos conglomerados humanos às consequências das
mudanças climáticas. Nesse entendimento a participação “histórica” pode ganhar
um novo significado. No entanto, em um foro que funciona necessariamente por
consenso seria preciso evitar qualquer conotação estigmatizante adotando-se
simplesmente um conceito de “emissões cumulativas” calculadas objetivamente
tanto por país como por segmento da economia e sinalizar claramente que isso
não seria critério para estabelecer as respectivas metas de redução de
emissões.
Uma outra proposta brasileira parece ter futuro mais promissor.
Diz respeito à criação de mecanismos de recompensa a quem, de forma voluntária,
reduzir suas emissões, antes de 2020, quando entraria em vigor o novo a
acordo a ser anunciado em tese, na COP 21, em Paris, em 2015. Isso se
articula bem com uma ideia lançada pela inciativa Rio Clima, em outubro: a
criação de uma “moeda” do clima, lastreada na redução de emissões, feita
para adquirir exclusivamente tecnologias, produtos e serviços capazes de
propiciarem subsequentes reduções de CO2 --além de naturalmente, dinamizar a
economia e gerar empregos. Essa unidade de valor, parte de uma nova
“Bretton Woods do baixo carbono” seria mais eficaz que o sistema atual dos
“certificados de emissão” o qual, trocado em miúdos, dá direito a
continuar emitindo acima da meta a quem comprar redução de emissões de
outrem.
Essa nova “moeda do clima” poderia gerar um mercado financeiro, conexo,
capaz de atrair recursos para alavancar ainda mais a economia de baixo
carbono. Para tanto teria que receber garantias para atrair recursos dos mais
de cento e vinte trilhões de dólares do capital financeiro internacional que
hoje gravitam em torno do planeta na busca diária da sua auto
multiplicação. Para compor o painel dos “garantidores” financeiros desse
processo o conceito de responsabilidade sobre “emissões cumulativas” talvez possa,
afinal, ser útil.
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