05/10/2013

O plano C de Marina


 Foi um uma reviravolta histórica digna de um roteiro de um thriller dos bons com final totalmente inesperado. Um ato político insólito e inédito pela sua ousadia e desprendimento, algo completamente fora dos cânones da política brasileira marcada pelo extremo individualismo e egocentrismo recorrente. No plano internacional também não consigo encontrar similares. 

 Aparentemente incompreensível: como uma candidata que chegou a 26% tendo alternativas para viabilizar sua postulação, ainda que complicadas, difíceis,  opta por apoiar outro com um patamar de 7%?

 Marina teve a coragem de fazê-lo e seu ato foi de estadista: analisou o que o Brasil precisava, fez uma lúcida e desassombrada análise das circunstâncias e desdobramentos e deu uma volta por cima desconcertante que ninguém seria capaz de prever. 

 Ela poderia ter facilmente encontrado um partido para lhe “dar legenda” e se candidatar a presidente. Teria um partido tradicional, sério,  como o PPS. Passaria a campanha tendo que explicar porque dez dos seus doze deputados haviam votado com os ruralistas na votação decisiva do Código Florestal, inclusive um, ruralista,  particularmente truculento, de Rondônia. Se optasse como alguns sugeriam por um partido da “sopa de letrinhas” invariavelmente se veria assombrada  pelos  esqueletos e mais esqueletos pulando dos armários de cada um deles.

 Eu, pessoalmente, estava disposto a conviver com a primeira hipótese(PPS) mas me preocupava não só a sua performance ambiental como o tom político mais geral: Marina e todos nós, em geral, podemos ser altamente críticos dos rumos atuais do governo mas incorporamos boa parte do saldo de 2002 para cá. Somos críticos mas não oposição sistemática, como vem sendo o PPS. Internamente à Rede haveria muito ranger de dentes.

 Nada disso seria fatal, a priori,  mas, certamente, um fardo. E a opção por algum nanico lato senso, por sua vez, seria extremamente perigosa.

  Outra alternativa era simplesmente ficar de fora com Marina jogando um papel de abandeirada da sociedade civil podendo fazer uma anticampanha programática com em algumas eleições dos anos 80 e 90 fizemos com as “listas verdes”. Isso, no entanto,  nos remeteria a uma era mais antiga do movimento ambientalista.  Foi o que Marina chamou de opção  “Maria Teresa de Calcutá”.

 Nenhuma dessas possibilidades era atraente. Mas elas pareciam as únicas que restavam à Rede. Pessoalmente eu me dispunha, já há bastante tempo, apoiar Eduardo Campos caso Marina não fosse candidata. Era notoriamente meu plano B. Mas sempre encarei isso como uma opção individual minha e de Sérgio Xavier, algo absolutamente inviável de ser emplacado na Rede.

 Fazer essa proposta para o coletivo, na noite fatídica da decisão do TSE  pareceria uma insensatez passível de linchamento político --simbólico, entenda-se—além de representar uma insensibilidade sem tamanho com nossa candidata. Ninguém teria coragem de propor um despautério  desses, a não ser... a própria Marina!

 Ela já vinha cozinhando a coisa com seus botões quando começou a falar em “plano C”,  pouco antes de cairmos numa discussão perfeitamente dispensável que começou com uma reclamação dela, de efeito retardado,  sobre uma afirmação que eu fizera, uma hora antes e que lhe soara injusta sobre a Rede. 

 Fora uma discrição da nossa heterogeneidade com uma alusão aos evangélicos que lhe  pareceu ofensiva quando essa não  havia sido absolutamente minha intenção --alias,  sou dos quadros de esquerda laica um dos que tem  melhor diálogo com esse segmento, por diversos motivos, inclusive familiares. 

A reclamação dela acendeu meu pavio --notoriamente curto-- numa hora de stress e cansaço acentuados. Não vou aqui falar mais sobre esse pequeno incidente. O fato é que minha impaciência e irritação me levou a privar-me da continuidade daquela discussão e, sobretudo, do final do novelo de lã que Marina começava naquele momento a tecer, pacientemente,  sem que ninguém o percebesse.

No final do novelo havia um Deus-ex-machina: uma reviravolta no processo eleitoral brasileiro de 2014.

 Os “spin doctors” do Planalto jamais o preveriam!  Ao, nas suas próprias palavras,  “derrubar o aviãozinho de Marina na pista de decolagem” buliram com a lei das consequências inesperadas: potencializaram a candidatura de Eduardo Campos que tem um potencial bastante evidente: uma estrutura política nacional, uma articulação com prefeitos. Um histórico de esquerda inatacável.

E um legado de gestão: trata-se  do governador mais popular do país, reeleito com uma votação consagradora e aberto a novas ideias, particularmente às de sustentabilidade.

 Marina identificou aí alguém que se comportara fraternamente com a Rede –para além daquela cordialidade política interessada--  alguém com quem pode se tentar um caminho de aliança programática para aprumar os rumos de um país cuja governança entra em pane. Uma aliança eventualmente plausível de ganhar e de governar.

 Solitariamente ela encontrou e depois conseguiu  fazer valer ante quase todos sonháticos de uma alternativa arriscada certamente mas menos problemática que as anteriores. Quem sabe uma decisão que  entrará para a história como um gesto ousado, humilde e desprendido que surpreendeu e depois mudou o Brasil.

4 comentários:

  1. Sirkis, isto pulverizou as formingas, mas esperamos pelo batalhão de socorro para sanar o formigueiro

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  2. Que bom quando as pessoas são fortes o suficiente para assumir suas posições por mais desastradas que sejam. A tua clareza, bom senso, honestidade e ética, só encontram precedentes na história da própria Marina. Faço votos para que estas qualidades contaminem toda a rede, seus apoiadores e transformem este país faz de conta, num país verdadeiro. Com certeza,após uma vida inteira de decepção política, vou afinal sair da apatia e fazer o meu impossível para que este país não leve outros quinhentos anos para sair do lamaçal.
    Marina saiu na frente e já deu seu brado de Independência ou Morte,... agora cabe a cada um de nós dar o seu.
    Bernardo Blum

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  3. Ela acertou. A REDE já é uma realidade. Como o próprio Lula teria dito a interlocutores: "foi uma direta no fígado" E eles, acusaram o golpe.

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  4. Diante desse intenso histórico, ó Sirkis, vejo que tenho que rever o frustrante sentimento que me restou das "Casas de Marina" e a ausência de ações objetivas para multiplicar a força dos 20% de Marina em 2010. Ainda estou meio destemperado para esse novo quadro, mas já me animo em procurar entender os que melhor entendem esse processo. Afinal, não há como negar que o Brasil precisa muito de subverter o modo de se fazer política!

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