A caminho de Washington onde hoje dei uma
palestra no Global Leaders Forum da
Johns Hopkins University sobre as perspectivas brasileiras em elação
às mudanças climáticas, passei por Nova
York onde encontrei o ex-correspondente do New York Times, Larry Rother –grande
amigo do Lula...-- falei com a
secretaria de transporte da cidade Janet Sadik-Khan, nossa convidada para o
seminário Cidades Verdes/mobilidade, e
esbarrei inopinadamente com o provável futuro prefeito Bill de Blasio.
Coisa de jornalista sortudo (ou azarado) já me
aconteceu várias vezes na vida esbarrar com a notícia por coincidência ou
destino. Golpe no Chile(73), morte de Juan Perón, na Argentina(74). Eleição do
Papa João Paulo II, na Polônia(78), por aí vai. Dessa vez foi menos dramático.
Tinha conversado sobre Bill de Blasio tanto com Larry quanto com Janet. Ambos
avaliam que ele deve ganhar as primárias democratas de amanhã e que será o
sucessor de Michael Bloomberg. Gostaria
de conhecer esse cara, pensei. Eis que no dia seguinte, sábado, ao sair da
estação do metro na 72nd Street W dei de
cara com um micro comício dele numa pracinha. Assisti o ato e conversamos
rapidamente depois. Um “little talk” como dizem aqui.
De Blasio se apresenta como o anti-Bloomberg e
representa a volta da esquerda democrata depois de muitos e muitos anos. Precisamente
desde 1993, quando terminou o governo –desastroso-- de David Dinkins, com Nova York praticamente
falida, dominada pelos interesses corporativos de vários sindicatos de
servidores públicos e ainda sob efeito da onda de criminalidade dos anos 80.
Essa situação fez com que essa cidade, fortemente democrata, elegesse e
reelegesse, sucessivamente, dois prefeitos que nada tinham a ver com sua forma
de votar no âmbito nacional. O primeiro foi o promotor Rudolph Giuliani que
centrou sua gestão nas questões de segurança.
A criminalidade em NYC caiu de forma bastante
dramática a partir de seu governo mas esse foi um fenômeno nacional, ocorreu em
muitas outras cidades com prefeitos democratas e o governo do então presidente
Bill Clinton assumiu boa parte do crédito. Giuliani foi sucedido por Michael
Bloomberg, um magnata, eleito pelos partido Republicano mas que governou como
um independente a na última eleição apoiou a Barack Obama. Bloomberg, no âmbito nacional tem fortes divergências com
os republicanos em relação a mudanças climáticas e controle de armas.
No plano local, Bloomberg governou de fato
como um democrata de centro-direita e fez um governo durante muito tempo
aprovado pela maioria. Reformou a educação pública municipalizando-a e
investindo na qualidade, combateu implacavelmente o tabagismo, construiu
ciclovias e desenvolveu diversas políticas normalmente conotadas com gestões
progressistas. No seu terceiro mandato Bloomberg passou a dar mostras claras de
fadiga e desgaste político e as críticas a ele provem sobretudo de duas
direções. A tática policial do stop and
frisk que vem a ser simplesmente parar gente na rua e apalpar em busca de armas –naturalmente
circunscrita aos bairros mais pobres-- e
a noção de que sua gestão contribuiu para elitizar a cidade, que Bloomberg
governa para os bem-de-vida.
A assertiva é uma meia-verdade numa situação
bem mais complexa que o discurso simplista sobre “duas cidades” mas pode se
dizer que colou, sobretudo quando os preços dos imóveis se tornaram
proibitivos. Não fica claro de que forma um prefeito poderia evitar um processo
econômico desse tipo. Mas certamente agora paga por ele.
O discurso de De Blasio que assisti no pequeno
comício e o tom dos seus spots de TV centram-se nessa crítica: e preciso por
fim às “duas cidades”, às revistas
policiais nos bairros mais e aumentar os impostos para os ricos para pagar
melhores serviços. Outra promessa de De
Blasio é conter a construção de condomínios de luxo em benefício de habitação
popular. Não fica claro como pretende fazer isso e críticos ressaltam ele como
qualquer outro político de certa expressão na cidade ele também mantem relações
boas com os incorporadores.
Os adversários dele na primária democrática, que
ele ataca pela esquerda, criticam-no como um oportunista. Já Bloomberg perdeu a
esportiva e acusou-o de promover uma campanha “racista” pelo avesso, ao
utilizar como elemento de promoção o fato de ser casado com uma negra (ainda
por cima bissexual!) e ter filhos negros. A crítica do prefeito pegou muito mal
e só fortaleceu De Blasio junto aos negros, às mulheres e aos segmentos mais
modernos do eleitorado.
Seus adversários na primária democrata são o
antigo chefe da controladoria William Thompson, apoiado pelo poderoso (mas não
muito popular) sindicato dos professores, e a líder da maioria na Câmara Municipal, Cristine Quinn, essa bem
próxima de Bloomberg. A primária republicana não desperta tanta atenção e deve
atrair muito menos eleitores. Na TV aparecem spots do ex-prefeito Guliani
apoiando Joe Lhota, um ilustre desconhecido.
De Blasio lidera as pesquisas, tem chance de
evitar o segundo turno democrata se passar dos 40% (estaria com 39%). Pouco
gente duvida que na eleição geral em novembro, o candidato democrata seja
vitorioso. Como soe acontecer nos EUA na
“eleição geral” a tendência de De Blasio
será certamente infletir mais para o centro. Nas primárias o discurso é
mais para a base partidário, mais radical.
Seu favoritismo representa certamente uma
mudança de tendência do eleitorado nova-iorquino. Vinte anos depois do desastre
que foi a gestão de Dinkins --da qual De Blasio participou—Nova York prepara-se
para eleger de novo um democrata que segundo a velha imagem popular “toma o
violino do poder com a mão esquerda” . Como qual mão tocará, é a questão que
fica no ar, sobretudo porque na precária recuperação econômica dos EUA não
parece haver tanta margem assim para políticas sociais transformadoras que
dependem mais da esfera federal e até do contexto internacional do que de uma
prefeitura, mesmo tão poderosa como a de Nova York. Mas, nesse momento, De Blasio é um legítimo expoente de um tipo de
esquerda que havia se tornado rara nos EUA, e até em Nova York, essa cidade tão “de esquerda” governada vinte
anos por algo bem diferente: primeiro um promotor linha dura e, depois, um milionário excêntrico. Não deixa de ser
mais uma prova de que a política local tem amiúde uma dinâmica totalmente
diferente da nacional.
Bill de Blasio, futuro prefeito de Nova York? |
Nenhum comentário:
Postar um comentário