09/09/2013

De Blasio: Nova York volta à esquerda?



  A caminho de Washington onde hoje dei uma palestra no Global Leaders Forum da  Johns Hopkins University sobre as perspectivas brasileiras em elação às  mudanças climáticas, passei por Nova York onde encontrei o ex-correspondente do New York Times, Larry Rother –grande amigo do Lula...--  falei com a secretaria de transporte da cidade Janet Sadik-Khan, nossa convidada para o seminário Cidades Verdes/mobilidade,  e esbarrei inopinadamente com o provável futuro prefeito Bill de Blasio.
Coisa de jornalista sortudo (ou azarado) já me aconteceu várias vezes na vida esbarrar com a notícia por coincidência ou destino. Golpe no Chile(73), morte de Juan Perón, na Argentina(74). Eleição do Papa João Paulo II, na Polônia(78), por aí vai. Dessa vez foi menos dramático. Tinha conversado sobre Bill de Blasio tanto com Larry quanto com Janet. Ambos avaliam que ele deve ganhar as primárias democratas de amanhã e que será o sucessor de Michael Bloomberg.  Gostaria de conhecer esse cara, pensei. Eis que no dia seguinte, sábado, ao sair da estação do  metro na 72nd Street W dei de cara com um micro comício dele numa pracinha. Assisti o ato e conversamos rapidamente depois. Um “little talk” como dizem aqui.

 De Blasio se apresenta como o anti-Bloomberg e representa a volta da esquerda democrata depois de muitos e muitos anos. Precisamente desde 1993, quando terminou o governo –desastroso--  de David Dinkins, com Nova York praticamente falida, dominada pelos interesses corporativos de vários sindicatos de servidores públicos e ainda sob efeito da onda de criminalidade dos anos 80. Essa situação fez com que essa cidade, fortemente democrata, elegesse e reelegesse, sucessivamente, dois prefeitos que nada tinham a ver com sua forma de votar no âmbito nacional. O primeiro foi o promotor Rudolph Giuliani que centrou sua gestão nas questões de segurança.

 A criminalidade em NYC caiu de forma bastante dramática a partir de seu governo mas esse foi um fenômeno nacional, ocorreu em muitas outras cidades com prefeitos democratas e o governo do então presidente Bill Clinton assumiu boa parte do crédito. Giuliani foi sucedido por Michael Bloomberg, um magnata, eleito pelos partido Republicano mas que governou como um independente a na última eleição apoiou a Barack Obama. Bloomberg,  no âmbito nacional tem fortes divergências com os republicanos em relação a mudanças climáticas e controle de armas.

 No plano local, Bloomberg governou de fato como um democrata de centro-direita e fez um governo durante muito tempo aprovado pela maioria. Reformou a educação pública municipalizando-a e investindo na qualidade, combateu implacavelmente o tabagismo, construiu ciclovias e desenvolveu diversas políticas normalmente conotadas com gestões progressistas. No seu terceiro mandato Bloomberg passou a dar mostras claras de fadiga e desgaste político e as críticas a ele provem sobretudo de duas direções. A tática policial do stop and frisk que vem a ser simplesmente parar  gente na rua e apalpar em busca de armas –naturalmente circunscrita aos bairros mais pobres--  e a noção de que sua gestão contribuiu para elitizar a cidade, que Bloomberg governa para os bem-de-vida.

 A assertiva é uma meia-verdade numa situação bem mais complexa que o discurso simplista sobre “duas cidades” mas pode se dizer que colou, sobretudo quando os preços dos imóveis se tornaram proibitivos. Não fica claro de que forma um prefeito poderia evitar um processo econômico desse tipo. Mas certamente agora paga por ele.

 O discurso de De Blasio que assisti no pequeno comício e o tom dos seus spots de TV centram-se nessa crítica: e preciso por fim  às “duas cidades”, às revistas policiais nos bairros mais e aumentar os impostos para os ricos para pagar melhores serviços.  Outra promessa de De Blasio é conter a construção de condomínios de luxo em benefício de habitação popular. Não fica claro como pretende fazer isso e críticos ressaltam ele como qualquer outro político de certa expressão na cidade ele também mantem relações boas com os incorporadores.

 Os adversários dele na primária democrática, que ele ataca pela esquerda, criticam-no como um oportunista. Já Bloomberg perdeu a esportiva e acusou-o de promover uma campanha “racista” pelo avesso, ao utilizar como elemento de promoção o fato de ser casado com uma negra (ainda por cima bissexual!) e ter filhos negros. A crítica do prefeito pegou muito mal e só fortaleceu De Blasio junto aos negros, às mulheres e aos segmentos mais modernos do eleitorado.

 Seus adversários na primária democrata são o antigo chefe da controladoria William Thompson, apoiado pelo poderoso (mas não muito popular) sindicato dos professores,  e a líder da maioria  na Câmara Municipal, Cristine Quinn, essa bem próxima de Bloomberg. A primária republicana não desperta tanta atenção e deve atrair muito menos eleitores. Na TV aparecem spots do ex-prefeito Guliani apoiando Joe Lhota, um ilustre desconhecido.

 De Blasio lidera as pesquisas, tem chance de evitar o segundo turno democrata se passar dos 40% (estaria com 39%). Pouco gente duvida que na eleição geral em novembro, o candidato democrata seja vitorioso.  Como soe acontecer nos EUA na “eleição geral” a tendência de De Blasio  será certamente infletir mais para o centro. Nas primárias o discurso é mais para a base partidário, mais radical.

 Seu favoritismo representa certamente uma mudança de tendência do eleitorado nova-iorquino. Vinte anos depois do desastre que foi a gestão de Dinkins --da qual De Blasio participou—Nova York prepara-se para eleger de novo um democrata que segundo a velha imagem popular “toma o violino do poder com a mão esquerda” . Como qual mão tocará, é a questão que fica no ar, sobretudo porque na precária recuperação econômica dos EUA não parece haver tanta margem assim para políticas sociais transformadoras que dependem mais da esfera federal e até do contexto internacional do que de uma prefeitura, mesmo tão poderosa como a de Nova York.  Mas, nesse momento,  De Blasio é um legítimo expoente de um tipo de esquerda que havia se tornado rara nos EUA, e até em Nova York,  essa cidade tão “de esquerda” governada vinte anos por algo bem diferente: primeiro um promotor linha dura e, depois,  um milionário excêntrico. Não deixa de ser mais uma prova de que a política local tem amiúde uma dinâmica totalmente diferente da nacional.




Bill de Blasio, futuro prefeito de Nova York?





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