A
luta pela criação da Área de Proteção Ambiental (APA) de Marapendi foi uma das
mais difíceis que tivemos nos anos 90. Como vereador, eleito em 1988, e na
sequência das vitórias da Prainha e do Bosque da Freguesia apresentei um
projeto de Lei criando a APA Marapendi com objetivo principal de preservar a
restinga, junto à praia, e algumas áreas
de vegetação de restinga, remanescentes, do outro lado da lagoa. Comparada com
as lagoas da Tijuca, Camorim e de Jacarepaguá, a de Marapendi era a menos
poluída. Já tinha uma proteção incipiente do lado do Recreio dos Bandeirantes
com a criação do Parque Zoobotânico de Marapendi e da chamada Reserva, área
contígua ao Parque, na parte mais delicada da restinga e protegida por um muro.
A defesa da restinga já havia rendido dois
conflitos nos quais eu me envolvera. O
primeiro quando da implantação do Projeto Rio Orla, em 1991. Naquele trecho
estava prevista a duplicação da Av Sernambetiba com um impacto grande sobre a
restinga. Nossa mobilização, junto com o MP, fez com que a prefeitura desistisse da
duplicação das pistas aterrando a restinga.
Outro conflito, esse anterior,
envolveu o chamado lote 27 do PAL 31418, na época de posse da ESTA(o famoso “chinês
da Barra”) que havia ampliado consideravelmente o mesmo sobre o espelho d’água
mediante um aterro hidráulico. Esse lote acabou sendo utilizado como canteiro
de obras da Carioca Engenharia para os obras do Rio Orla. Era evidente que o
entorno da lagoa de Marapendi, e muito particularmente a restinga junto ao mar, precisavam de maior proteção.
Daquela vez, no entanto, um grupo de vereadores
liderado por Jorge Pereira e com o apoio do então presidente, Sami Jorge,
decidiu me “dar o troco” em relação a Prainha. Pegaram “carona” no meu projeto
de Lei apresentando um substitutivo que criava o “Polo Turístico da Barra”,
prevendo prédios de 30 e, depois, de 15 andares na restinga de Marapendi. Foi um embate
duríssimo e mais uma vez, como no episódio da Prainha, tive o valioso apoio do
então prefeito Marcello Alencar que concordou em transformar o essencial
daquele PL que eu não estava conseguindo aprovar, em decreto. Assinamos na
restinga o Decreto 10368/91 criado a APA/Marapendi que acabou sendo
transformado em Lei quando da elaboração do Plano Diretor Decenal, de 1992, que
“recepcionou” as APAs até então instituídas
por decreto.
No ano seguinte, já como secretario municipal
de meio ambiente, iniciei a regulamentação da APA/Marapendi. Na época discutimos
muito se proibir todo tipo de construção ou se permitir um tipo de ocupação light que fosse compatível com a
preservação. Os terrenos da restinga eram quase todos de propriedade particular
e priva-los completamente de qualquer possibilidade de utilização econômica obrigaria
a prefeitura a desapropria-los. Durante toda a fase necessariamente conflituosa
que isso engendraria haveria o forte risco de um processo de ocupação ilegal
induzido pelos próprios proprietários para ampliar suas indenizações na Justiça. Já havia
casos de ocupação, protegidos por liminares de juízes como a do restaurante
Lokau e de alguns estacionamentos. Optamos por permitir nas áreas menos nobres
definidas como ZOC(Zonas de Ocupação Controlada) ao longo da restinga, uma
ocupação de 5% do lote com uma altura máxima de dois pavimentos. A ideia era viabilizar
pousadas de tipo ecológico e outros tipos de atividades que pudessem ajudar na
preservação da área.
Do outro lado da lagoa (Av das Américas) as ZOC admitiam um tipo de ocupação bem mais
intenso. De ambos lados havia as ZPVS(zonas de proteção da vida silvestre)
protegendo as partes mais valiosas de vegetação de restinga e impedindo
qualquer tipo de ocupação.
O conflito em torno do lote 27 não se resolveu
naquele momento. Havia amplo consenso que aquele lote era edificável, o último da Av Sernambetiba antes da entrada da APA e da restinga. Suas
condições eram similares aos dos lotes vizinhos todos abrigando condomínios
dentro do zoneamento previsto no plano Lucio Costa. Porém eu acreditava que a
Cidade deveria ser da alguma forma compensada pelo fato daquele lote ter
“crescido” sobre o espelho d’água. Queria que os proprietários assumissem
despesas relativas à implantação da infraestrutura da APA. Não houve acordo e
acabei dando dois chutes na canela do então proprietário. Uma parte do lote
foi incorporado a APA como uma espécie de “zona de amortecimento” e a outra mantida como edificável mas sem parâmetros definidos. Ficou de se resolver essa
questão mais adiante.
Um novo conflito em torno da APA de Marapendi
iniciou-se em 2005 quando a Câmara de Vereadores, induzida por alguns
proprietários inconformados de terrenos na restinga, resolveu mexer nos parâmetros da mesma e
também do famoso lote 27. Este na época servia novamente de canteiro de obras,
desta vez para o emissário submarino da Barra, cujo píer ficava exatamente na
praia a sua frente. Ele já havia mudado de proprietário pelo menos duas vezes.
A nova lei aprovada pelos vereadores provocou uma forte mobilização nossa
--nessa época eu era secretário de urbanismo-- de diversos parlamentares e
grupos ambientalistas em função de dois problemas distintos: 1) ampliava de
forma desmedida a ocupação horizontal na restinga 2) concedia índices urbanísticos
“graciosos” para o lote 27 e retirava da APA a parte que havíamos incluído na
mesma. Escrevi esse texto explicativo na época.
Tínhamos de um lado o problema ambiental: uma
ocupação em partes delicadas da restinga que ia além do razoável --ainda que
longe do pretendido por eles nos anos 90--
colocando em risco aquele ecossistema. No caso do lote 27 era um
problema de criação valor imobiliário sem contrapartida para o interesse
público num valor que, na época, calculamos entre R$ 40 e 50 milhões. Eu queria
que, pelo menos, 60% disso fosse usado para pagar uma estação para a conexão
hidroviária Centro-Barra aproveitando o píer do emissário submarino. O prefeito
César Maia decidiu que isso deveria ir para o túnel da Grota Funda. Mas, de
fato, nem uma nem outra coisa aconteceu. Não houve acordo, os vereadores
aprovaram a Lei, o prefeito vetou, eles derrubaram o veto e a prefeitura entrou
na justiça.
Passaram-se sete anos e eu não vinha
acompanhando os desdobramentos do episódio até que me chamou a atenção o
noticiário da imprensa e a discussão nas redes sociais a respeito de um “resort na Reserva”. Também o anúncio da
prefeitura de que iria transformar em não-edificáveis as áreas da restinga
definidas em 93 como ZOC. Estive
viajando, tive um problema de saúde na Colômbia, e não estou a par de detalhes o
que pode eventualmente me induzir a algum erro, mas, a primeira vista, me parece que: 1) há um avanço ambiental ao se
suprimir totalmente a ocupação privada nas áreas de ZOC permitindo apenas a
criação de uma infraestrutura para um
eventual parque ampliado, que incorpore a chamada “Reserva” e todas as ZOCs da
restinga, desde que --isso é o fundamental!--
a prefeitura tenha condições reais de resolver a questão fundiária e
implantar o Parque em toda a restinga.
Hoje ela dispõe de um instrumento valioso que
nas época não tínhamos: a possibilidade de desapropriar utilizando a “transferência
de potencial construtivo” e a transformação do valor dos terrenos em potencial
adicional a ser transferido --fiz isso
para resolver o conflito do Morro Dois Irmãos, mas demorou mais de 10 anos. Com os novos instrumentos do Estatuto das Cidades e do atual Plano Diretor é muito mais
fácil fazê-lo desde que não se saia por aí concedendo índices graciosamente
noutras partes da Barra. É preciso manter as faixas de potencial construtivo
adicional justamente para essas situações.
E tem que haver um bom projeto de
Parque! Na verdade há vários prontos para aquela área mas é preciso dar
transparência e colocar em discussão o que se pretende implantar.
Quanto ao lote 27 fico um pouco surpreso em
vê-lo transformado num grande conflito ambiental. Vamos falar sério. A rigor o lote não tem nada a se preservar ali
não ser a faixa marginal de proteção que evidentemente precisa ser respeitada.
O resto é um areal que já foi duas vezes utilizado como canteiro de obras. Sua
situação urbanística é idêntica ao do lote ao lado que tem prédios multifamiliares. Não é
prejudicial à APA, em si, existir um
empreendimento naquele local dependendo de como for.
Entendo que os moradores do condomínio vizinho,
numa atitude similar ao que acontece com quaisquer moradores de prédios que não
querem ter uma obra ao lado, procurem dar a esse conflito de vizinhança uma
outra conotação. Mas, de forma objetiva, não o vejo como um conflito ambiental e
já tive ocasião de lhes expor essa opinião quando das manifestação que fizemos juntos em 2005. Alguns não gostaram. Paciência. Como minha experiência e conhecimento
da cidade não posso mais confundir as coisas. É humanamente compreensível e
legitima a antipatia que temos contra qualquer obra no lote ao lado de onde
moramos, sobretudo se pode eventualmente privar de vista lateral os moradores
dos andares mais baixos. Mas não podemos fazer disso uma política pública.
O problema no lote 27 continua a ser o mesmo: uma
criação graciosa de um plus
imobiliário muito significativo --a preços de hoje eu chutaria que já passa dos
R$ 100 milhões-- sem contrapartida de
interesse público. Resumindo uma história de quase 30 anos: um lote em boa
parte artificial, criado sobre o espelho d’água por um aterro hidráulico. Um
conflito que leva a prefeitura a colocar na APA uma parte do terreno e não
definir parâmetros para dar margem a uma futura negociação. Uma resolução do
conflito pela via parlamentar e depois judicial que termina por contemplar apenas o
interesse privado em detrimento do público.
É disso que se trata e não de alguma agressão
ambiental terrível que a imprensa erradamente situa na “Reserva” (a qual fica numa
ZPVS no outro lado da restinga!). Para que uma luta seja consequente e possa ser
vitoriosa é necessário precisão, rigor e pontualidade. É legitimo se mobilizar
para exigir: 1) que haja uma contrapartida financeira para a cidade, no caso
para o Parque ou a velha ideia de uma conexão hidroviária Centro-Barra 2) que
haja transparência nesse processo e em todas as ações para a implantação do novo Parque Marapendi, ampliado. Se existe projeto para o Parque pouca gente conhece.
Os melhores projetos resultam de processos participativos.
Quanto ao “timing” da luta, é problemático
inicia-la com as máquinas já no terreno e também não ajuda muito --notadamente
na mídia-- confundir as coisas. Aparenta
falta de rigor e seriedade. Ali, ao contrário de outras partes da restinga, não existe um problema
ambiental significativo se a orla da lagoa for preservada e o esgoto for canalizado para o
emissário que passa ali embaixo.
Há, como disse, um claro conflito de vizinhança, mas, também e fundamentalmente,
uma situação de favorecimento injustificado e unilateral de interesse
particular ainda que se entenda ser útil para a cidade dispor de um ressort naquele local para um turismo de alto nível. A
história peculiar daquele lote nos leva a exigir que ele seja visto de forma
integrada em relação a APA e não apenas como mais um empreendimento imobiliário
qualquer na Barra da Tijuca.
Assinatura do decreto criando a APA, em 1991 |
A APA Marapendi. ZPVS em verde. ZOC em laranja e o lote 27 à direita. |
A área da chamada Reserva, do outro lado da lagoa, perto do Recreio |
Áreas mais fágeis que a lei de 2005 ameaçava |
O lote 27 na época da construção do emissário |
O lote 27 sob outro ângulo |
Lote 27 e prédios vizinhos |
O pier de emissário. Perdeu-se a oportunidade de utiliza–lo para uma estação hidroviária... |
Com Minc e outros ambientalistas, manifestando em 2005, contra aquela lei e a concessão graciosa de índices |
Prainha: a questão do Curupira
Na mesma linha de informação pouco rigorosa li
alusões à reversão da APA da Prainha, que logo foram desmentidas. Apurei que
não há nada em relação a isso. A APA da Prainha é intocável.
O que penso pode constituir-se numa questão
para o futuro é a área vizinha do chamado Curupira que fica sobre a margem direita do canal de
Sernambetiba e fora da APA da Prainha. É uma área edificável sob os parâmetros de zoneamento do Recreio.
Penso que o melhor interesse da Cidade ali seria criar um parque. Curiosamente tem uma situação visual que lembra o Parque Dois
Irmãos.
Em 2005 cheguei a estudar essa questão que seria viável mediante uma operação de transferência de potencial construtivo. Na época o saudoso paisagista Fernando Chacel esboçou para mim uma idéia que reproduzo acima. Uma boa idéia.
Em 2005 cheguei a estudar essa questão que seria viável mediante uma operação de transferência de potencial construtivo. Na época o saudoso paisagista Fernando Chacel esboçou para mim uma idéia que reproduzo acima. Uma boa idéia.