06/12/2012

Marapendi: lutas passadas, lutas presentes



 A luta pela criação da Área de Proteção Ambiental (APA) de Marapendi foi uma das mais difíceis que tivemos nos anos 90. Como vereador, eleito em 1988, e na sequência das vitórias da Prainha e do Bosque da Freguesia apresentei um projeto de Lei criando a APA Marapendi com objetivo principal de preservar a restinga, junto à praia,  e algumas áreas de vegetação de restinga, remanescentes, do outro lado da lagoa. Comparada com as lagoas da Tijuca, Camorim e de Jacarepaguá, a de Marapendi era a menos poluída. Já tinha uma proteção incipiente do lado do Recreio dos Bandeirantes com a criação do Parque Zoobotânico de Marapendi e da chamada Reserva, área contígua ao Parque, na parte mais delicada da restinga e protegida por um muro.

 A defesa da restinga já havia rendido dois conflitos nos quais eu me envolvera.  O primeiro quando da implantação do Projeto Rio Orla, em 1991. Naquele trecho estava prevista a duplicação da Av Sernambetiba com um impacto grande sobre a restinga. Nossa mobilização, junto com o MP,  fez com que a prefeitura desistisse da duplicação das pistas aterrando a restinga. 

 Outro conflito, esse anterior, envolveu o chamado lote 27 do PAL 31418, na época de posse da ESTA(o famoso “chinês da Barra”) que havia ampliado consideravelmente o mesmo sobre o espelho d’água mediante um aterro hidráulico. Esse lote acabou sendo utilizado como canteiro de obras da Carioca Engenharia para os obras do Rio Orla. Era evidente que o entorno da lagoa de Marapendi, e muito particularmente a restinga junto ao mar,  precisavam de maior proteção.

  Daquela vez, no entanto, um grupo de vereadores liderado por Jorge Pereira e com o apoio do então presidente, Sami Jorge, decidiu me “dar o troco” em relação a Prainha. Pegaram “carona” no meu projeto de Lei apresentando um substitutivo que criava o “Polo Turístico da Barra”, prevendo prédios de 30 e, depois, de 15 andares na restinga de Marapendi. Foi um embate duríssimo e mais uma vez, como no episódio da Prainha, tive o valioso apoio do então prefeito Marcello Alencar que concordou em transformar o essencial daquele PL que eu não estava conseguindo aprovar, em decreto. Assinamos na restinga o Decreto 10368/91 criado a APA/Marapendi que acabou sendo transformado em Lei quando da elaboração do Plano Diretor Decenal, de 1992, que “recepcionou” as APAs até então  instituídas por decreto.

 No ano seguinte, já como secretario municipal de meio ambiente,  iniciei a regulamentação da APA/Marapendi. Na época discutimos muito se proibir todo tipo de construção ou se permitir um tipo de ocupação light que fosse compatível com a preservação. Os terrenos da restinga eram quase todos de propriedade particular e priva-los completamente de qualquer possibilidade de utilização econômica obrigaria a prefeitura a desapropria-los. Durante toda a fase necessariamente conflituosa que isso engendraria haveria o forte risco de um processo de ocupação ilegal induzido pelos próprios proprietários para ampliar suas indenizações na Justiça. Já havia casos de ocupação, protegidos por liminares de juízes como a do restaurante Lokau e de alguns estacionamentos. Optamos por permitir nas áreas menos nobres definidas como ZOC(Zonas de Ocupação Controlada) ao longo da restinga, uma ocupação de 5% do lote com uma altura máxima de dois pavimentos. A ideia era viabilizar pousadas de tipo ecológico e outros tipos de atividades que pudessem ajudar na preservação da área.

Do outro lado da lagoa (Av das Américas) as ZOC admitiam um tipo de ocupação bem mais intenso. De ambos lados havia as ZPVS(zonas de proteção da vida silvestre) protegendo as partes mais valiosas de vegetação de restinga e impedindo qualquer tipo de ocupação.
 
 O conflito em torno do lote 27 não se resolveu naquele momento. Havia amplo consenso que aquele lote era edificável,  o último da Av Sernambetiba antes da entrada da APA e da restinga. Suas condições eram similares aos dos lotes vizinhos todos abrigando condomínios dentro do zoneamento previsto no plano Lucio Costa. Porém eu acreditava que a Cidade deveria ser da alguma forma compensada pelo fato daquele lote ter “crescido” sobre o espelho d’água. Queria que os proprietários assumissem despesas relativas à implantação da infraestrutura da APA. Não houve acordo e acabei dando dois chutes na canela do então proprietário. Uma parte do lote foi incorporado a APA como uma espécie de “zona de amortecimento” e a outra  mantida como edificável mas sem parâmetros definidos. Ficou de se resolver essa questão mais adiante.

  Um novo conflito em torno da APA de Marapendi iniciou-se em 2005 quando a Câmara de Vereadores, induzida por alguns proprietários inconformados de terrenos na restinga,  resolveu mexer nos parâmetros da mesma e também do famoso lote 27. Este na época servia novamente de canteiro de obras, desta vez para o emissário submarino da Barra, cujo píer ficava exatamente na praia a sua frente. Ele já havia mudado de proprietário pelo menos duas vezes. 

 A nova lei aprovada pelos vereadores provocou uma forte mobilização nossa --nessa época eu era secretário de urbanismo--  de diversos parlamentares e grupos ambientalistas em função de dois problemas distintos: 1) ampliava de forma desmedida a ocupação horizontal na restinga 2) concedia índices urbanísticos “graciosos” para o lote 27 e retirava da APA a parte que havíamos incluído na mesma. Escrevi esse texto explicativo na época.

  Tínhamos de um lado o problema ambiental: uma ocupação em partes delicadas da restinga que ia além do razoável --ainda que longe do pretendido por eles nos anos 90--  colocando em risco aquele ecossistema. No caso do lote 27 era um problema de criação valor imobiliário sem contrapartida para o interesse público num valor que, na época, calculamos entre R$ 40 e 50 milhões. Eu queria que, pelo menos, 60% disso fosse usado para pagar uma estação para a conexão hidroviária Centro-Barra aproveitando o píer do emissário submarino. O prefeito César Maia decidiu que isso deveria ir para o túnel da Grota Funda. Mas, de fato, nem uma nem outra coisa aconteceu. Não houve acordo, os vereadores aprovaram a Lei, o prefeito vetou, eles derrubaram o veto e a prefeitura entrou na justiça.

  Passaram-se sete anos e eu não vinha acompanhando os desdobramentos do episódio até que me chamou a atenção o noticiário da imprensa e a discussão nas redes sociais a respeito de um “resort na Reserva”. Também o anúncio da prefeitura de que iria transformar em não-edificáveis as áreas da restinga definidas em 93 como ZOC.  Estive viajando, tive um problema de saúde na Colômbia, e não estou a par de detalhes o que pode eventualmente me induzir a algum erro, mas, a primeira vista,  me parece que: 1) há um avanço ambiental ao se suprimir totalmente a ocupação privada nas áreas de ZOC permitindo apenas a criação de uma infraestrutura  para um eventual parque ampliado, que incorpore a chamada “Reserva” e todas as ZOCs da restinga, desde que --isso é o fundamental!--  a prefeitura tenha condições reais de resolver a questão fundiária e implantar o Parque em toda a restinga.

 Hoje ela dispõe de um instrumento valioso que nas época não tínhamos: a possibilidade de desapropriar utilizando a “transferência de potencial construtivo” e a transformação do valor dos terrenos em potencial adicional a ser transferido  --fiz isso para resolver o conflito do Morro Dois Irmãos, mas demorou mais de 10 anos. Com os novos instrumentos do Estatuto das Cidades e do atual Plano Diretor é muito mais fácil fazê-lo desde que não se saia por aí concedendo índices graciosamente noutras partes da Barra. É preciso manter as faixas de potencial construtivo adicional justamente para essas situações.

 E tem que haver um bom projeto de Parque! Na verdade há vários prontos para aquela área mas é preciso dar transparência e colocar em discussão o que se pretende implantar.

 Quanto ao lote 27 fico um pouco surpreso em vê-lo transformado num grande conflito ambiental. Vamos falar sério.  A rigor o lote não tem nada a se preservar ali não ser a faixa marginal de proteção que evidentemente precisa ser respeitada. O resto é um areal que já foi duas vezes utilizado como canteiro de obras. Sua situação urbanística é idêntica ao do lote ao lado que tem prédios multifamiliares. Não é prejudicial à APA, em si,  existir um empreendimento naquele local dependendo de como for. 

  Entendo que os moradores do condomínio vizinho, numa atitude similar ao que acontece com quaisquer moradores de prédios que não querem ter uma obra ao lado, procurem dar a esse conflito de vizinhança uma outra conotação. Mas, de forma objetiva,  não o vejo como um conflito ambiental e já tive ocasião de lhes expor essa opinião quando das manifestação que fizemos juntos em 2005. Alguns não gostaram. Paciência. Como minha experiência e conhecimento da cidade não posso mais confundir as coisas. É humanamente compreensível e legitima a antipatia que temos contra qualquer obra no lote ao lado de onde moramos, sobretudo se pode eventualmente privar de vista lateral os moradores dos andares mais baixos. Mas não podemos fazer disso uma política pública.

 O problema no lote 27 continua a ser o mesmo: uma criação graciosa de um plus imobiliário muito significativo --a preços de hoje eu chutaria que já passa dos R$ 100 milhões--  sem contrapartida de interesse público. Resumindo uma história de quase 30 anos: um lote em boa parte artificial, criado sobre o espelho d’água por um aterro hidráulico. Um conflito que leva a prefeitura a colocar na APA uma parte do terreno e não definir parâmetros para dar margem a uma futura negociação. Uma resolução do conflito pela via parlamentar e depois judicial que termina por contemplar apenas o interesse privado em detrimento do público.

 É disso que se trata e não de alguma agressão ambiental terrível que a imprensa erradamente situa na “Reserva” (a qual fica numa ZPVS no outro lado da restinga!). Para que uma luta seja consequente e possa ser vitoriosa é necessário precisão, rigor e pontualidade. É legitimo se mobilizar para exigir: 1) que haja uma contrapartida financeira para a cidade, no caso para o Parque ou a velha ideia de uma conexão hidroviária Centro-Barra 2) que haja transparência nesse processo e em todas as ações para a implantação do novo Parque Marapendi, ampliado. Se existe projeto para o Parque pouca gente conhece. Os melhores projetos resultam de processos participativos.

  Quanto ao “timing” da luta, é problemático inicia-la com as máquinas já no terreno e também não ajuda muito --notadamente na mídia--  confundir as coisas. Aparenta falta de rigor e seriedade. Ali, ao contrário de outras partes da restinga, não existe um problema ambiental significativo  se a orla da lagoa for preservada e o esgoto for canalizado para o emissário que passa ali embaixo. 

 Há, como disse,  um claro conflito de vizinhança, mas, também e fundamentalmente, uma situação de favorecimento injustificado e unilateral de interesse particular ainda que se entenda ser útil para a cidade dispor de um ressort  naquele local para um turismo de alto nível. A história peculiar daquele lote nos leva a exigir que ele seja visto de forma integrada em relação a APA e não apenas como mais um empreendimento imobiliário qualquer na Barra da Tijuca.


Assinatura do decreto criando a APA, em 1991

A APA Marapendi. ZPVS em verde. ZOC em laranja e o lote 27 à direita.

A área da chamada Reserva, do outro lado da lagoa, perto do Recreio

Áreas mais fágeis que a lei de 2005 ameaçava
O lote 27 na época da construção do emissário
O lote 27 sob outro ângulo
Lote 27 e prédios vizinhos
O pier de emissário. Perdeu-se a oportunidade de utiliza–lo para uma estação hidroviária...

Com Minc e outros ambientalistas, manifestando em 2005, contra aquela  lei e a concessão graciosa de índices



Prainha: a questão do Curupira

O Curupira no estado atual e, embaixo, no  Parque esboçado pelo Chacel e com um reflorestamento. Fica fora da APA da Prainha mas, futuramente, poderia ser incorporado a ela. É preciso, no entanto, resolver a questão fundiária


 Na mesma linha de informação pouco rigorosa li alusões à reversão da APA da Prainha, que logo foram desmentidas. Apurei que não há nada em relação a isso. A APA da Prainha é intocável.

 O que penso pode constituir-se numa questão para o futuro é a área vizinha do chamado Curupira que fica  sobre a margem direita do canal de Sernambetiba e fora da APA da Prainha. É uma área edificável sob os parâmetros de zoneamento do Recreio. Penso que o melhor interesse da Cidade ali seria criar um parque. Curiosamente tem uma situação visual que lembra o Parque Dois Irmãos. 

 Em 2005 cheguei a estudar essa questão que seria viável mediante uma operação de transferência de potencial construtivo. Na época o saudoso paisagista Fernando Chacel  esboçou para mim uma idéia que reproduzo acima. Uma boa idéia.

04/12/2012

Netanyahu: escolhendo o apartheid


Bibi Netanyahu está prestes a completar sua obra: a inviabilização da solução de dois estados e a consolidação do “Grande Israel”: um território do Mediterrâneo ao rio Jordão dominado por Israel com alguns bantustões ao redor de centros urbanos da Cisjordânia perfazendo menos de 40% do território daquilo que juntamente com Gaza compõem 22% da Palestina histórica que, em 1948,  a Assembléia Gera da ONU, presidida por Oswaldo Aranha, decidiu dividir entre um estado de maioria judaica e um estado árabe-palestino. Na época palestinos e árabes não aceitaram a partilha e atacaram Israel. A Jordânia e o Egito ocuparam a maior parte do território destinado ao estado palestino. Em 1967 Israel ocupou esse território. Agora pouco a pouco vai anexando a Cisjordânia e Jerusalém Leste base indispensável para um estado palestino minimamente viável.

 Ao anunciar a intensificação da colonização numa área estratégica que suprimiria qualquer contiguidade territorial entre a Cisjordânia e Jerusalém Leste, em represália ao voto da ONU que reconheceu a Palestina como estado-observador, Netanyahu revelou sua total afinidade com os colonos e seu processo de ocupação cada vez mais extensa  e intensa da parcela de território que serviria eventualmente para um futuro estado palestino. É com essa postura política arrogante e desafiadora que Bibi prepara-se para enfrentar as eleições de janeiro de 2013. Não só formou uma coligação com a extrema-direita representada por Avigdor Lieberman, como a lista de candidatos de seu próprio partido, o Likud, expurgou os últimos expoentes da sua direita liberal, como Beny Beguin ou Dan Meridor. A nova lista do Likud será tão ou mais direitista e pró-assentamentos que a de Lieberman.

 Esse processo consagra a transformação da democracia israelense em um regime de apartheid religioso. No Grande Israel de Netanyahu quase metade dos habitantes, os palestinos de Jerusalém e da Cisjordânia, estarão privados de quaisquer direitos políticos. Os colonos controlarão as melhores terras, a água, as rodovias e estradas deixando enclaves isolados cercados de postos de controle para os palestinos. A luta palestina por um estado nacional, ao lado de Israel,  se converterá –como desejava Edward Said e outros expoentes da esquerda palestina--  numa luta por direitos civis e políticos contra um regime de apartheid.

 Pessoalmente sempre preferi um estado binacional laico. Não sou sionista  (o que não é mesmo que ser antisionista)  e, de fato,  não faço questão alguma de um “estado judeu” em Israel/Palestina. Quero um estado onde os judeus vivam em absoluta segurança, democracia e livres de quaisquer perseguições. Defendi todos esses anos a solução de dois estados porque penso ser difícil, pelo trauma de tantas guerras e ódios, o advento, a curto ou médio prazo,  de um estado democrático binacional.  Aí estão o Hamas e a direita sionista para mostrar o quão difícil é essa convivência. Penso que um estado binacional poderia resultar  de uma paz estável, a longo prazo, entre dois estados e uma integração gradual integração econômica de tipo europeu.

 Mas a política expansionista/anexionista de Bibi Netanyahu deixará a luta contra o apartheid por liberdades democráticas e direitos civis como o único e o último jogo a ser jogado.  A médio prazo é o fim ou do sionismo ou o da democracia israelense. Ou teremos um estado judeu fascista e de apartheid, sem democracia,  ou um estado democrático que não será mais judeu. Terá uma maioria demográfica árabe-palestina. Claro que Bibi e os seus trabalham pela primeira opção. A pergunta que não quer calar é durante quanto tempo essa política que leva diretamente ao apartheid continuará a ter o apoio quase irrestrito de Barack Obama e dos herdeiros da luta pelos direitos civis de Martin Luther King?  

***

Acabo de assistir a entrevista do ex-primeiro ministro Ehud Olmert ao Charlie Rose da Bloomberg --excelente jornalista-- e havia assistido sua entrevista mais curta com Christiane Amanpour da CNN. 

 Olmert esteve a um passo de chegar a um acordo de paz com Mahmoud Abbas em torno do que todos sabemos seria a solução possível de dois estados baseados nas fronteiras de 1967 com trocas territoriais mutuamente acordadas, um acordo sobre Jerusalém e uma solução realista da questão dos refugiados de 1948. 

 Ele foi obrigado a renunciar por um escândalo de corrupção não muito convincente com forte cheiro de caça às bruxas. 

 Olmert é atualmente o mais bem preparado dos políticos israelenses de primeira linha e o mais sinceramente comprometido com uma paz justa com a Autoridade Palestina de Abbas e Salam Fayad. Pena que esteja fora do jogo por essa Lei de Murphy que é o drama israelo-palestino.