19/10/2012

Vetos e tiros no pé

 Os nove vetos da presidente Dilma à versão da MP do Código Florestal oriunda da comissão mista atingiram os aspectos mais caricatos e destrutivos das mudanças impostas pelos ruralistas na Câmara de Deputados. Evidentemente não se trata de uma nova Lei do Código Florestal boa. É ruim. Consagra retrocessos em relação ao texto de 1965 e não o moderniza lá onde deveria. Não incorpora elementos que direcionam para uma economia verde. 

 Dá aos ruralistas um campo de manobra grande para ganhar tempo, chicanear e eludir as obrigações apostando na impunidade, no "jeitinho brasileiro" e em suas posições de força em governos estaduais e prefeituras para irem se anistiando de seus desmatamentos passados. Valoriza suas propriedades ao eximi-los da obrigação de reconstruir boa parte das APPs e reservas legais previstas no Código Florestal anterior. 

 Nesse sentido a vitória da especulação fundiária é patente e se o percebe no júbilo da senadora Kátia Abreu. O segmento ruralista na política não representa propriamente o agrobusiness mais moderno, está à direita deste e sua preocupação é mais especulativa e menos produtiva. Já o grupo dos comandado pelo deputado Ronaldo Caiado e pelos mais radicais da Câmara ficou aparentemente insatisfeito, mas está chorando de barriga cheia. É  o que os franceses chamam de surenchère (tradução literal: sobre-leilão). Na briga política pela liderança do movimento é uma tentativa dos ruralistas alinhados com os partidos de oposição de causar embaraços aos que fazem parte da "base" do governo.

 Entre os ambientalistas evidentemente  não há ninguém feliz.  Mas há posturas diferenciados. Jogar pedras na presidente Dilma ou na ministra Isabela é um erro, na minha opinião. Podemos ter diferenças, entre nós há quem imagine que faria melhor, mas, de fato,  penso que a ministra conseguiu chegar ao limite do que a correlação de forças lhe permitiu.  A presidente Dilma foi mais longe do que eu previa nas críticas que fiz ao governo na tribuna. Sabemos que a visão de Dilma em relação às questões ambientais é limitada e vai avançando pouco a pouco.  Não temos uma presidente ecologista mas temos uma presidente que resistiu à investida os ruralistas a partir de um certo ponto crítico. 

 Numa luta política como a que travamos é preciso combater com valentia mas manter sempre uma lucidez em relação à correlação de forças. A verdade é que no parlamento ela é muito ruim. Os 19% que Marina Silva obteve nas eleições presidenciais não se refletiram no parlamento. Entre 513 deputados há menos de dez ambientalistas de carteirinha. Metade da bancada do PT, uns 40, são nosso aliados na hora da briga junto com um punhado do PSB e alguns desgarrados dos outros partidos. 

 Na votação mais emblemática, quando o Código foi votado pela segunda vez,  foram 270 votos para os ruralistas e 180 para os ambientalistas + PT e aliados esparsos de outros partidos. Essa é a vida real do parlamento...

 Não é que haja 270 ruralistas na Câmara de deputados. Desses votos aí mais de metade cabe ao segmento fisiológico/clientelista  operado pelo PMDB, os tucanos, o DEM e outros partidos "médios". Chama particular atenção a postura dos tucanos, totalmente alinhados com os ruralistas, com exceção honrada dos deputados Otávio Leite(RJ) e Ricardo Tripoli(SP). A ironia dessa história é que o líder dos tucanos pró-ruralistas, que conduziu seu partido com grande coesão nessa direção, o deputado Duarte Nogueira, é candidato à prefeitura de Ribeirão Preto com um vice do PV. Pode uma coisa dessas??? 

 Numa correlação de forças assim é evidente que não teríamos nunca o Código Florestal dos nossos sonhos mas o dos nossos pesadelos. O governo Dilma, com o poder que tem, teria como despojar os ruralistas do apoio desses outros parlamentares que os apoiam e que é capitaneados pelo líder do PMDB e provável futuro presidente da Câmara, deputado Henrique Alves? Em tese, teria. Mas comprando um nível  temerário de conflito  com  essa "base" de governo ou concedendo-lhe, em troca, um grau de ocupação do aparelho de estado que a presidente não quer bancar já para ela o Código Florestal é importante mas não uma questão vital. 

 Ela foi pressionada pelo nosso lado --muito mais por forças de fora do parlamento do que de dentro-- e pela repercussão internacional negativa e encontrou um ponto de equilíbrio com os nove vetos. Impôs alguns limites aos ruralistas mas sem desagregar sua base parlamentar de governo.  

 Tudo isso é ruim mas decorre, em última análise de nossa própria fragilidade: se tivéssemos cem ambientalistas e não menos de dez a situação evidentemente seria diferente. E o instrumento melhor para tanto, o PV, suicidou-se, no ano passado, ao sacrificar todo o imenso potencial que tinha após as eleições de 2010. Vamos olhar a verdade de frente: na atual correlação de forças foi um feito impedir que os ruralistas acabassem completamente com as APP  e reservas conforme tentaram pelo expediente de passar todas essas atribuições aos estados. 

 Nesse contexto é simplesmente idiota a atitude de alguns ambientalistas que, numa ação convergente com a do líder ruralistas Ronaldo Caiado,  ameaçam entrar com uma ação de inconstitucionalidade contra os decretos presidenciais e outros atos normativos que vão suprir os vazios deixado pelo vetos.  

 É um tiro de canhão no pé desempoderar o Executivo que mal ou bem vem ainda salvando o que dá para salvar e que logrou nos últimos anos reduzir de forma regular a continuada o desmatamento, para empoderar mais ainda um parlamento onde o ruralismo, aliado ao fisiologismo/clientelismo,  reina soberano! Se depender dos meus colegas deputados o Brasil tem excesso de florestas e existe um mundo a ser desmatado para "produzir"--não se sabe bem o quê--  e para valorizar propriedades rurais. Espero que os desmiolados que tiveram essa idéia de jerico --com todo respeito ao animal--  reflitam melhor sobre o que vai acontecer com o próprio pé alvejado por um obus de artilharia pesada desse calibre. 



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