08/06/2011

Despedindo-me de Jorge Semprún

Perdi ontem meu escritor favorito. Aos 87 anos morreu em Paris Jorge Semprún Maura, autor da Autobiografia de Frederico Sanches, A Longa Viagem, Algaravia, A segunda morte de Ramón Mercader, Que Belo Domingo, A Escrita ou a Vida e diversos outros livros além dos roteiros de A Guerra Acabou, de Alain Resnais, Z, Estado de Sítio e A Confissão de Costa Gavras. Filho da elite intelectual espanhola do pós-Primeira Guerra Mundial neto de Antonio Maura, primeiro ministro da monarquia espanhola, Semprún deixou a Espanha com sua família durante a guerra civil e foi surpreendido aos 16 anos pela invasão nazista. Juntou-se à resistência francesa, foi capturado pela Gestapo e enviado ao campo de concentração de Buchenwald. Sobreviveu por uma série de circunstâncias e por dominar o alemão no pavilhão dos comunistas onde se vinculou ao PC espanhol de Santiago Carrillo e Dolores Ibarruri. No pós guerra virou dirigente clandestino do PC espanhol e chegou a ser o principal responsável pela estrutura comunista dentro da Espanha franquista. Foi antecessor imediato de Julián Grimau, dirigente preso e fuzilado. Naquela época Frederico Sanches era o homem mais procurado da Espanha, captura-lo uma obsessão da polícia política de Franco. Ainda na clandestinidade Semprún escreveu seu primeiro livro A Longa Viagem sobre Buchenwald, tema que visitaria sucessivos outros livros que veio a escrever no futuro, sempre sob um novo ângulo narrativo.

Como a grande maioria dos intelectuais Semprún acabou entrando em choque com a cúpula stalinista do partido e, nos anos 60, se transformou num dissidente e depois num crítico contundente do stalinismo e do comunismo em geral, mantendo, no entanto um vínculo com a esquerda socialista. Grande amigo de Costa Gavras, Yves Montand, Simone Signoret, Semprún foi na realidade mais um escritor francês do que espanhol. A parte a Autobiografia de Frederico Sanchez a grande maioria de seus livros foi escrito em francês, muito embora lhe fosse negada uma cadeira na Academia de Letras da França pelo fato de nunca ter renunciado ao passaporte espanhol. A escrita de Semprún, em qualquer dos dois idiomas é de uma mestria sem igual. Li quase todos seus livros com avidez e sem descanso. Seu estilo seria em tese difícil, a narrativa nunca é linear, é cheia de flashbacks, digressões, parenteis narrativos entre colchetes e vice versa. Ele vai e vem na máquina do tempo e nas trocas entre narrativa, crítica, tragédia e humor. Faz com tamanha mestria que a leitura é magnética, ansiosa, não quer nunca parar.

Semprún foi ministro da cultura da Espanha, no primeiro governo socialista de Felipe Gonzales durante menos de três anos de onde saiu com a fama de brilhante mas pouco diplomático, sincericida. Foi um grande adepto e símbolo vivo, a semelhança de Daniel Cohn-Bendit da grande Europa, da União feita para enterrar definitivamente os fantasmas que para sempre povoariam sua obra: os totalitarismos, nacionalismos ferozes, os atrozes morticínios do Século XX. Ao morrer Jorge Semprún deixa uma Europa em crise, pouco confiante de seu futuro com uma juventude perplexa que procura.

Para mim é quase uma orfandade literária e afetiva. Era meu modelo de escritor engajado, militante das boas causa, crítico intransigente de tudo que atenta contra a liberdade, inimigo dos tiranos de qualquer quadrante. Versátil: tão versado em francês quanto em espanhol, bom de ler em tanto em seus livrões quanto em seus livrinhos, quase sempre impecáveis (só não gostei de um único dos que li), roteirista de cinema de mão cheia –que obras primas os roteiros de A Guerra Acabou e a Confissão!— homem de ação e das letras. Nota-se sua influência literária em dois de meus livros: Roleta Chilena e Corredor Polonês, onde busquei uma narrativa à la Semprún, sem chegar, é claro, nem aos pés do grande mestre. Não vim a conhecê-lo pessoalmente, nos desencontramos um dia quando ia dar uma conferência na PUC, nos anos 80. Mas, de certa forma, me era íntimo, da forma com que soem ser os grandes escritores que lemos com sofreguidão e fascínio e cujos livros dali pra frente carregamos na alma.


Veja meu discurso na tribuna do Congresso Nacional homenageando Jorge Semprún: http://www.youtube.com/watch?v=CqD8b2A9MyU

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