27/10/2010

Volta do tango fatal

Foto que tirei do velório de Perón, em 1974

A morte é um personagem forte na política argentina. A súbita de Nestor Kirchner, ex-presidente, marido da atual presidente, Cristina, eminência parda do governo, me lembra
dessa verdade histórica recorrente.

Não creio que Kirchner vá ser chorado na intensidade de Eva Perón, no início dos anos 50, ou mesmo de Juan Perón, cujo velório de multidões presenciei em Buenos Aires, em 1974. Entrei na fila e depois de duas horas e tanto passei pelo caixão. Lá estava o velho caudilho com dois algodõezinhos nas narinas, sendo chorado por quase dois milhões de argentinos que por lá desfilaram numa fila que serpenteava o centro de Buenos Aires.

Perón e Evita eram ícones, de fato amados pelo povo. Eram mitos. Evita, passional e de partida prematura --um câncer fulminante-- foi embalsamada e seu corpo mantido em exposição permanente na sede da CGT, a central sindical peronista. Quando do golpe militar de 1954, a múmia foi seqüestrada, submetida à sessões de necrofilia e depois secretamente enterrada na Itália. Juan Domingo Perón recuperou-a nos anos 70 e manteve-a no porão de sua casa de Puerta de Hierro, perto de Madrid, onde era objeto de rituais esotéricos, praticados por José Lopes Rega, o policial-astrólogo, que era seu secretário particular e faz-tudo, a partir da estranha relação que mantinha com sua terceira esposa –Eva fora a segunda-- Maria Estela Martinez de Perón, a “Isabelita”, que veio a sucedê-lo, em 1974.

Nos anos 80, o esquife de Perón foi desenterrado e seqüestrado, Depois devolveram-no, sem as mãos... Houve um episódio, nos anos 70, em que os Montoneros, organização guerrilheira peronista, chegaram a seqüestrar o caixão do general Eugenio Aramburu, um dos líderes do golpe de 1954 --que eles próprios haviam sequestrado e executado-- para trocá-lo pela então desaparecida múmia de Evita.

É duvidoso que a morte de Kirchner provoque as mesmas paixões, ainda que o luto e a comoção ocorram como em qualquer país diante do falecimento de um personagem político tão relevante e poderoso. O grande mistério é a influência disso no futuro de Cristina. Embora com carreira política própria e anterior à dele, ela tornou-se seu apêndice político, e há relatos de que chegou a apanhar dele, na Casa Rosada, durante um discussão política. Sua morte irá fortalecê-la politicamente a ponto garantir sua reeleição ou irá desestabilizá-la definitivamente?

Vamos aguardar os próximos capítulos da novela com fundo musical tango.

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