17/10/2019

Trump e Bolsonaro: rotas de impeachment?



Há uma espécie de destino comum entre Trump e Bolsonaro. O segundo é admirador do primeiro,  imita-o  naquele estilo boçal que acabou caindo no gosto de parcelas do eleitorado lá e cá  conflitando de forma cada vez mais intensa com as instituições democráticas que nenhum dos dois histriões preza. Ambos jogam para sua “base”, um contingente surpreendentemente alto mas ainda bastante minoritário. Ambos são uma ameaça para a democracia, as liberdades e a vida das pessoas e dos ecossistemas.

 Politicamente vivem circunstâncias um pouco diferentes. Trump, alvo de um procedimento de impeachment, na Câmara,  possui uma   maioria republicana, no Senado,  que até agora não apresentou  fissuras, suficientes para  situação como a de Richard Nixon, nos anos 70. Nas atuais condições  os democratas não conseguem atrair os 20 votos republicanos que precisariam para uma maioria de 2/3 que livre o mundo de Donald Trump.

 No entanto, a situação escalafobética envolvendo o abandono  dos curdos que perderam 11 mil homens para derrotar o Estado Islâmico, seu minueto ridículo com Erdogan,  o fiasco geopolítico favorecendo Bashar Assad e Vladimir Putin. Os EUA saindo da Síria   com o rabo entre as pernas propiciaram  uma primeira grande erosão em que diversos senadores republicanos se posicionaram contra ele. 

Trump está totalmente fora de controle. Seus esquemas de corrupção vão sendo desvendados, pouco a pouco. Virá bomba  na revelação de suas declarações de imposto de renda ocultas até hoje. 
Agora ele chega ao cúmulo de, como presidente,  favorecer o próprio bolso realizando a cúpula do G 7 numa de seus  suntuosos clubes de golf particulares! Embora pareça difícil, no atual momento, as coisas fluem e não é impossível que ele se veja, enfim, abandonado pela sua súcia de covardes republicanos e afastado num ato de salubridade pública planetária. 

 Bolsonaro tem uma situação, à partida, muito pior que  Trump na relação com o Congresso. Foi minoritário, desde o primeiro dia e agora se esmera em explodir seu próprio patético partido com requintes desastrados. É uma guerra do baixo clero de onde veio que ao qual elevou. A república dos grampos volta-se contra si própria. 

 Bolsonaro obviamente sonha em ser ditador. Gostaria de dar um autogolpe assentado na oficialidade intermediária, nas PMs e nas milícias existentes e futuras serem formadas. Esse é o caminho tradicional do fascismo, uma vitória eleitoral, que pode ser bem relativa, seguida de autogolpe.  

 O partido nazista teve apenas 26%, dos votos na eleição de 1932,  e só prosperou porque a direita tradicional do presidente Hindenburg decidiu confiar-lhe o posto de chanceler e a elite achou que conseguiria controla-lo vendo nele um bom instrumento contra a social democracia e os comunistas.

 O fascismo precisa de um certo peso eleitoral, milícias armadas e combativas e uma elite disposta a lhe abrir espaço. O núcleo duro em volta do presidente e suas redes sonham com isso: fechar o Congresso, o STF (com um cabo e um soldado) e apossar-se do poder não tendo que prestar contas de nada a ninguém. Para tanto sonham domesticar a mídia e usar o Estado, inclusive o MP e o Judiciário –devidamente deputados—para servi-los. 

 Esse é a explicação daquela ofensiva louca pelas “redes”,  no início do governo,  pelo qual o indisciplinado tenente, praticamente escorraçado do Exército, nos anos 80,   usando o filho  02 e o guru,  ofendeu, tripudiou e terminou enquadrando a alta hierarquia militar, não se sabe se momentânea ou permanentemente. 

 A sua dificuldade de ser bem sucedido num projeto ditatorial  é a  exiguidade da base social para tanto, diferente de Duterte, Erdogan ou Orban. Sua capacidade de colocar multidões na rua se erodiu,  cada vez mais deve dividir a massa mobilizável com a outra direita, a  lavajatista de Sérgio Moro. Juntos,  e alardeando  luta contra a corrupção ainda representam um contingente não desprezível  mas Bolsonaro precisa  de uma Lava Jato totalmente seletiva que deixe de fora, ao abrigo, os seus. Até onde Moro se curvará?

 Por outro lado, a situação econômica não tende a uma melhoria significativa. Depois de tantos anos de recessão é provável um modesto vôo de galinha, mas nem isso é garantido pelas políticas hiper liberais. Ninguém se surpreenda com uma tentativa de volta de políticas  assistencialista/clientelistas de gastança pública. A diferença é que Bolsonaro não tem a capilaridade do PT para fazer isso com  tanto sucesso quanto Lula. 

 O projeto ditatorial que vive no id do presidente, cujo superego é  tão pequenino  só poderá  vicejar  se conseguir como Kaczinski, na Polônia, combinar políticas sociais esquerdizantes com guerra cultural de direita.  Também depende de Trump ser reeleito e  de conseguir fabricar aqui na sociedade brasileira, de novo,  uma polarização brutal, maniqueísta.



Se esses fatores não se verificarem ele pode, de fato,  nem concluir o mandato.  Sua relação com o congresso é muito mais propensa a produzir um impeachment –já cometeu vários crimes de responsabilidade, inclusive na área ambiental--  do que a de seu ídolo Trump. Tudo irá depender da economia real, do clamor das ruas e da esquerda não praticar nenhuma besteira o que eventualmente será pedir demais.

 Se chegar ao fim ele terá que ser derrotado nas urnas pois uma reeleição será luz verde para o sonhado autogolpe. Uma nova polarização Bolsonaro x PT poderá ser uma repetição da tragédia de 2016. O Brasil clama por um centro político que não se materializa, não dispõe de líderes minimamente confiáveis. Mobilizador e com credibilidade. Procura-se...

 Ainda há tempo para construir uma alternativa de centro mas não tanto tempo assim. 2020 será um ano decisivo para o desenho do futuro. 

E a eleição norte-americana sua rosa dos ventos.



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