Acabo de regressar de uma viagem relâmpago à Paris onde assisti a reunião sobre novos instrumentos financeiros para a descarbonização do One Planet com o Fundo Verde do Clima, no ministério das finanças da França e fiz uma visita à Agencia Francesa de Desenvolvimento para tentar apoio para uma projeto de destilação de biodiesel com caroço de açaí, no Amapá.
Na reunião do One
Planet o tema era blended finance que, trocado em miúdos, vem a ser a participação
de recursos públicos (governos, bancos centrais, bancos de desenvolvimento)
para alavancar para projetos de descarbonização uns 60 trilhões de dólares de
investidores de longo prazo, tipo fundos de pensão, que estão praticamente
perdendo dinheiro com os juros baixos e até negativos mas que para irem para o
investimento produtivo descarbonizante (energias limpas, reflorestamentos
gigantes, agricultura de baixo carbono, biocombustíveis, eletrificação de
transportes, etc...) querem garantias que reduzam seu risco. Na verdade é a
discussão dos “fundos garantidores” e o sujeito oculto da mesma é sempre a
questão do valor econômico do menos-carbono.
De Paris, segui à Roma para a
reunião dos governadores da região amazônica, no Vaticano, um dia depois do final
do Sínodo Papal, na Pontifícia Academia de Ciência do
Vaticano,. Participaram governadores da região amazônica, tanto do Brasil quanto
de países limítrofes.
Veja o video
Veja o video
Presentes
os governadores do Amapá (presidente do consórcio dos estados amazônicos) Valdes
Gois, do Amazonas, Wilson Lima, do Piauí, Wellington Dias, do Pará, Elder
Barbalho e do Maranhão, Flávio Dino. Presente também o ministro de meio
ambiente da Colômbia Ricardo Lozano e os governadores do Peru: de Huanuco, Juan Cornelio, San Martin, Pedro Vargas, e
Ucayali,Francisco Torres.
Os trabalhos foram coordenados pelo Monsenhor Roberto Sorondo Chanceler da Pontifícia Academia de Ciências.
Os trabalhos foram coordenados pelo Monsenhor Roberto Sorondo Chanceler da Pontifícia Academia de Ciências.
Monsenhor Sorondo e seu carro elétrico |
Da
sociedade civil participamos o Virgilio
Viana, da FAS, um dos organizadores do evento, André Guimarães do IPAM,
Mauricio Bianco, da Conservation International e Rosa Lemos, do Funbio e eu,
pelo CBC.
O
ministro do meio ambiente brasileiro Ricardo Salles, cuja presença fora
anunciada dias antes, não deu as caras.
"Uma ausência que preencheu uma lacuna", ironizou um dos
presentes.
O governo federal foi representado pelo Secretário de Soberania
e Cidadania do Itamaraty, Fábio Marzano, que exerceu uma difícil missão
de contorcionismo diplomático ao concordar com a maioria das conclusões
do Sínodo, elogiar o papel histórico e as realizações climáticas do Brasil
--nos governos anteriores, portanto-- e garantir que o governo Bolsonaro
zelava rigorosamente pelo meio ambiente. Ele forneceu uma minuciosa relação de
operações de fiscalização que teriam sido realizadas nas últimas semana contra grileiros e
garimpeiros e anunciou a redução de queimadas, em setembro.
Lembrei-lhe que o desmatamento de setembro 2018 a setembro 2019 aumentara de
222% segundo estimativas preliminares do DETER mas considerei as operações
listadas por Marzano "uma boa noticia, se de fato se revelar
exata".
O
tom geral dos governadores foi de levar em conta com seriedade a questão
climática, defender a floresta em pé e afirmar a necessidade de mecanismos
sustentáveis de desenvolvimento. Barbalho afirmou que “a floresta em pé é um
ativo”, defendeu a necessidade da regularização fundiária e garantiu que não
havia nenhuma necessidade de mais desmatamento para aumentar significativamente
a produção agrícola e pecuária”. Wellington Dias levantou a questão do pagamento de serviços
ambientais.
Flavio
Dino criticou o discurso de “soberania” quando usado como álibi para variadas agressões
ambientais. Valdes Gois levantou a questão de remuneração do estoque de carbono
nas florestas e todos defenderam a (inviável, penso) continuidade do Fundo Amazonia sem
detrimento de fundos estaduais que poderão ser criados.
A
Igreja Católica esteve presente através do Monsenhor Roberto Sorondo e dos
careais Claudio Humes e Pedro Barreto que reafirmaram o posicionamento do
Papa Francisco e a declaração do Sínodo.
Reafirmei o papel central dos estados nesse
momento em que o governo federal vem promovendo retrocessos e o desmonte de
décadas de construção ambiental e climática: “os estados precisam assumir a
liderança do processo. A comunidade internacional precisa criar mecanismos
financeiros de pagamento por serviços ambientais, precificação positiva do
carbono e garantias para investimentos na descarbonização”.
O
documento aprovado pelos governadores brasileiros --Valdez e Flavio Dino alavam
também em nome dos consórcios do norte e nordeste-- e peruanos ficou bem
alinhado com as conclusões dia sínodo. A declaração final foi bastante
afirmativa (ver abaixo) e os governadores, brasileiros e peruanos empunhar
juntos nossa faixa de “Governadores pelo Clima”.
Foi dado um passo na estratégia
que buscamos de fazer avançar as coisas pela esfera subnacional já que no âmbito
federal não conseguimos sair desse circo de horrores do qual a mais recente
ilustração é o mega derramamento de petróleo que o governo não consegue
enfrentar com um mínimo de competência e sequer identificar a origem.
Vejam: a análise
química dos restos permite saber o tempo de permanência no mar, a análise das
correntes determinar a zona aproximada do derramamento e o monitoramento de fotos
de satélites os navios que estavam na zona naquele período. Um trabalho de inteligência
banal. Não são capazes...
O colapsólogos
As notícias crescentemente preocupantes da ciência
com os relatórios do IPCC e outros apontam para uma evolução deveras dramática
e assustadora da questão climática. Vamos numa trajetória que leva a 4.5 graus ao
final do século, no tempo de vida dos nossos netos, que é literalmente o
inferno na terra.
As NDC anunciadas no Acordo de Paris, religiosamente cumpridas
levam a mais de 3 graus, também inferno, mas a tendência atual é ficarmos além. A janela
de oportunidade para 2 graus está se fechando rapidamente e para 1.5 mais ainda.
A situação política global piorou muito desde 2015. Há, por outro lado, uma
revolta que vai se espalhando mas que não consegue, até agora, articular nem
alavancar caminhos de transformação. Um protesto sem consequência para além de
desopilar o fígado.
Nesse contexto surge a corrente dita dos “colapsólogos”
que antecipam nada menos que o apocalipse dentro de uma ou duas gerações. Meu
amigo Yves Cochet, ex-ministro do meio ambiente da França no seu livro "Devand le effondrement, Essa de callapsologie" prevê a morte metade da humanidade até 2035. Várias outra obras nesse sentido estão sendo publicadas. Misturam a crise climática, com a ascensão do
fascismo, dos conflitos étnicos, futuras guerras nucleares, colapso da agricultura e
mais umas tantas desgraças.
A esse pensamento corresponde induz à ação de movimentos
como o Extinction Rebellion, esse jovens ingleses que tentam “paralisar”
a economia colando a bunda no asfalto. Me recordo da manifestação climática no
final de 2018, em Paris, com uma cacofonia de grupelhos e palavras de ordem e uma
presença considerável de gilets jaunes ativistas de uma revolta fascistóide
contra a taxa de carbono. Misturados com os ecologistas radicais todos irmanados “contra
o sistema”.
Um gilet jaune contra taxar o carbono... numa manifestação pelo clima |
Isso é uma realidade objetiva, não adianta xingar os governos nem infernizar a vida dos outros cidadãos indo ao trabalho. Precisam entender seu ativismo sob uma ótica global. Façam algo de útil! Criem uma criptomoeda baseada no valor do menos-carbono! Popstars e hackers de todo planeta mobilizem-se para capitalizar o menos carbono!!! Enquanto o valor econômico do menos-carbono não estiver no centro da criação de valor na economia sera difícil alavancar uma descarbonização drástica. Acabar com o carvão e o desmatamento, reflorestar numa escala nunca dentes vista e deixar boa parte do petróleo debaixo da terra ou do mar como stranded asset (com valor econômico enquanto tal).
Filósofos do apocalipse, masoquistas e narcisos, que protestam para os seus próprios selfies, querendo apenas “se colocar”
sem se interrogar sobre a eficácia prática de suas ações, não são os resistentes ao
apocalipse. São simplesmente seus arautos
trombeteiros. Sinceramente, não tenho saco para essas babaquices.
É possível mesmo que estejamos rumando para tempos ecológica, política, cultural e socialmente apocalípticos. Vamos então resistir, reverter o caldo ou morrer tentando mas com políticas de descarbonização bem focadas e plausíveis, sabendo trabalhar as instituições, influenciar o mundo produtivo, promover uma revolução cultural financeira e defendendo a democracia, buscando fazer a cabeça das pessoas e juntar maiorias.
PS - O anúncio do cancelamento da COP 25 em Santiago por causa dos distúrbios é um ato de covardia do presidente Piñera que espero seja revertido. Esses distúrbios tornaram-se muito frequentes na era das redes sociais mas -- excetuada Hong Kong-- não tendem a se prolongar muito e haveria tempo para acalmar as coisas até dezembro. Realizar a COP na Costa Rica, que postulava, ou em Bonn, onde é a sede da UNFCCC, vai tomar meses e tempo é o que não temos, muito embora as negociações da ONU produzam apenas um efeito limitado: pequenos avanços incrementais dentro do mínimo denominador comum possível no consenso de 196 governos.
PS - O anúncio do cancelamento da COP 25 em Santiago por causa dos distúrbios é um ato de covardia do presidente Piñera que espero seja revertido. Esses distúrbios tornaram-se muito frequentes na era das redes sociais mas -- excetuada Hong Kong-- não tendem a se prolongar muito e haveria tempo para acalmar as coisas até dezembro. Realizar a COP na Costa Rica, que postulava, ou em Bonn, onde é a sede da UNFCCC, vai tomar meses e tempo é o que não temos, muito embora as negociações da ONU produzam apenas um efeito limitado: pequenos avanços incrementais dentro do mínimo denominador comum possível no consenso de 196 governos.
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