Participo, ou acompanho de perto, eleições há muito tempo. Cada uma delas é
mais cara e produz uma representação pior que a precedente. Quem não rouba, não
usa cargo público para acumular um “tesouro de guerra”, não se corrompe para
poder criar um eleitorado cativo em torno de um centro assistencial, vê, a
cada eleição, mais de perto a quadratura
do círculo. A imensa maioria dos políticos trabalha no paradigma
clientelismo/corrupção, seu número aumenta a cada pleito enquanto o voto de
opinião se retraí, na mesma proporção.
Em breve, quem não for milionário, dono de centro assistencial, de igreja, não usar seu cargo para amealhar “caixa 2” ou
fazer obras para uma clientela local, estará eleitoralmente inviabilizado.
Claro, ainda haverá lugar, numa primeira
eleição, para alguns radialistas,
lideres religiosos, jogadores de futebol ou personalidades momentaneamente bem
expostas na mídia. Mas para se reeleger já vão ter que jogar o jogo. Esse
sistema eleitoral é caldo de cultura fértil à grande corrupção e, a médio prazo, uma ameaça à democracia. A
cada eleição compram-se mais votos, mais candidatos elegem-se via centros
assistenciais. Já o voto de opinião encolhe, regularmente, pelo desgosto da
classe media com “os políticos”, todos no mesmo saco.
Porque o sistema atual, o
proporcional-jabuticaba é o pior
O sistema proporcional-jabuticaba faz da
carreira individual do político a entidade soberana à qual tudo é devido. Torna
afins todos os partidos a partir de certas dimensões porque condiciona sua
performance eleitoral à capacidade de recrutar massivamente, sem critério, o maior número possível de candidatos com
algum tipo de clientela ou audiência pré-existente. Obriga cada candidato a
correr desesperadamente atrás de seu próprio financiamento de campanha.
Engendra políticos obcecados com a própria reeleição e, consequentemente,
vorazes usuários de cargos comissionados, passagens, “espaços fisiológicos” em governos e, em muitos
casos, caixinhas. Nossos governos ficam
frágeis e necessitam barganhar com dezenas ou centenas de parlamentares,
fisiológica e individualmente, para poder governar.
Os partidos são condutos de viabilização de
carreiras pessoais, que só tenuemente se relacionam –na maioria esmagadora dos
casos- com convicções ou propostas programáticas. As
eleições proporcionais, que balizam o universo político, são disputas de
cada um por si --onde o maior adversário é o colega de partido-- e cada candidato deve correr atrás do seu
financiamento de campanha o que as torna
caríssimas e dificilmente fiscalizáveis, por mais que se criem regras
detalhistas. Isso determina a escala na qual se dá a corrupção: compra de voto,
onipresença dos “centros assistenciais”, sofreguidão por cargos comissionados,
no executivo, roubalheira para preparar para a eleição seguinte, etc...
Está no sistema eleitoral, não nas
alianças, menos ou mais flexíveis,
o foco do problema, a raiz da incoerência e da não consistência
programática da política brasileira. Enquanto esse sistema eleitoral
permanecer, o peso do poder econômico nas eleições, a fraqueza dos
partidos, a instabilidade das bases parlamentares dos governos, os mensalões e
similares, vão se agravar, a cada legislatura, conforme vem acontecendo, desde
o final dos anos 80.
O sistema de eleições proporcionais com voto
personalizado no qual cada candidato concorre contra todos demais, inclusive de seu próprio partido, produz campanhas sujas e partidos fracos, sem coesão, meras
“legendas” montadas pelo somatório aritmético de candidatos rivais entre si.
Isso depois dificulta alianças parlamentares programáticas, pulveriza o campo
de negociação, torna o fisiologismo a única moeda corrente e gera permanente instabilidade.
O voto proporcional personalizado está na raiz
da cultura política vigente no Brasil e que, por sua vez, engendra esses
hábitos e costumes que recorrentemente escandalizam a imprensa e a opinião
pública bem pensante produzindo medidas “corretivas”, essencialmente inócuas, e expondo à execração popular algum vilão de
turno. É como a dança das cadeiras. A musica para, alguém fica com as nádegas
em riste e, logo, a música recomeça...
A “emenda Sirkis” na Comissão de Reforma
Política
Defendi
na finada Comissão da Reforma Política a proposta do voto distrital misto
plurinominal. Metade das cadeiras do legislativo, nas três esferas, seria preenchido por um voto proporcional de
lista dado para o partido e o restante eleito por um voto majoritário em grandes
distritos elegendo, cada um, quatro ou
três deputados federais e um número análogo de estaduais. No Rio, por exemplo, teríamos seis distritos.
As listas partidárias seriam escolhidas em eleições primárias entre os
filiados, na ordem dos resultados respectivos. O mesmo aconteceria com os candidatos
majoritários nos distritos onde seria também permitidas candidaturas
sem-partido.
O
voto distrital misto que proponho aproxima-se do sistema vigente da Alemanha,
que parece ser um dos raros países onde há conformidade com o sistema
eleitoral. A diferença é que lá o distrito é uninominal, elege apenas um
deputado. Aqui, como temos eleições simultâneas para deputado federal e
estadual e o número de assentos em disputa é diferente teríamos que ter dois
tipos de distritos uninominais em número diferente, portanto limites
geográficos diferentes, valendo para a mesma eleição o que criaria uma confusão
praticamente insolúvel. Já no distrito plurinominal essa situação fica
acomodada com a eleição no mesmo distrito de vários deputados federais e
estaduais. Outra vantagem é atenuar o impacto do voto distrital sobre forças
minoritárias. É mais fácil ficarem mais fielmente representadas em grandes
distritos.
A divisão dos distritos, sempre delicada,
deveria ser promovida pela Justiça eleitoral com apoio técnico do IBGE, sem
interferência de políticos. Não se trata de uma panaceia mas traria algumas
importantes melhorias em relação à situação atual: mais consistência
programática aos partidos --permitindo até a introdução gradual, honesta, da “cláusula de barreira”-- e consagração de lideranças, com ou sem
partido, com autêntica envergadura eleitoral. Estabeleceria aquela relação de
proximidade do eleito com o eleitor
inerente ao voto distrital evitando aqueles seus aspectos menos desejáveis.
Os perdedores? Fundamentalmente o chamado “baixo clero”: os que se elegem na rabeira dos mais bem votados e acabam compondo o essencial da massa de manobra atrasada no parlamento, sua maioria fisiológica.
Os perdedores? Fundamentalmente o chamado “baixo clero”: os que se elegem na rabeira dos mais bem votados e acabam compondo o essencial da massa de manobra atrasada no parlamento, sua maioria fisiológica.
A
proposta em detalhe (com algumas variáveis):
1 – A eleição proporcional
1.1 – Lista partidária em ordem de
prioridade, com, no mínimo, um terço das vagas destinado às mulheres e a
ordem de candidatos correspondendo a uma eleição por filiados em eleições
primárias ou numa convenção com garantias de equidade e transparência na forma
dos estatutos dos partidos devidamente adaptados.
1.2 – As Listas teriam financiamento
público e o número de vagas para cada partido não excederia o de cadeiras em
disputa no voto proporcional.
1.3 – Não haveria coligação proporcional sendo
permitidas federações.
1.4 – Poderia haver uma cláusula de barreira de
3% incidindo unicamente sobre esse componente de eleição proporcional por
lista.
1.5 - Esta
eleição poderia corresponder a metade as cadeiras ou, eventualmente, uma
proporção, menor, tipo 40% a ser ajustado no processo de negociação
parlamentar.
2
– A eleição majoritária nos grandes distritos ou em distrito único
2.1 – Primeira hipótese: grandes distritos (pessoalmente prefiro
essa hipótese)
2.1.1 - Os estados com mais de 8 vagas para
deputado federal serão divididos em distritos plurinominais de número de
eleitores obedecendo a uma proporção equivalente, feita pelos TREs com concurso
de IBGE.
2.1.2 - Os distritos teriam de 4 a 3
vagas de deputado federal e um número de vagas de deputado estadual
aproximadamente na proporção.
2.1.3 - Cada partido apresentaria no grande
distrito em questão um número de candidatos inferior em uma vaga ao de
cadeiras em disputa.
2.1.4 - No caso dos vereadores nos municípios
onde há segundo turno poderiam ser criados distritos plurinominais de 4 a 3
vereadores, nos outros o município seria o distrito.
2.1.5 – Os candidatos também serão escolhidos
em primárias ou convenção com participação dos filiados, na forma dos estatutos
partidários.
2.1.6 – No caso do componente proporcional
ficar menor pode se ajustar o número de distritos ou o número de cadeiras de
disputa em cada um.
2.1.7 – Seriam permitidos nessa modalidade
candidaturas sem-partido respaldadas por um número representativo de
apoiamentos de eleitores abaixo assinados, previamente validados pelos TRE’s.
2.2
– Segunda hipótese: o “distritão” estadual
2.2.1. - O
próprio estado como distrito único, aplicando-se a mesma regra em
relação ao número mínimo de candidatos.
3
- Financiamento:
3.1 – No componente proporcional
financiamento exclusivamente público.
3.2 – No componente majoritário os partidos podem receber apoio de
particulares, empresas, entidades de classe e ONGs até um limite máximo e
igualitariamente distribuído para as
campanhas dos candidatos.
3.3 - Candidatos poderiam receber,
em conta separada, contribuição apenas de pessoa física (inclusive por
internet) até um limite máximo a ser estipulado pelo TSE.
Resumo
da ópera:
As
campanhas certamente ficariam bem mais baratas pela limitação das candidaturas
individuais a áreas geográficas bem mais restritas, isso independente do tipo
de financiamento. O uso do tempo de TV nas eleições proporcionais poderia se
dar em programas de debate, ao vivo, barateado mais ainda as campanhas e
equalizando melhor as oportunidades.
Não vai
eliminar magicamente as mazelas da política brasileira, no componente
proporcional, apesar da obrigatoriedade das eleições primários ou convenções
democráticas o poder dos “caciques” permanece considerável mas o partido pode
ser coletivamente punido pelo eleitor. Na eleição majoritária, o perigo é, como
atualmente a compra de votos direta ou indireta(via centro assistencial) mas o
controle e a fiscalização tornam-se bem mais fáceis pela limitação numérica e
geográfica dos candidatos e dos distritos.
Em ambos casos o impactos poder econômico
pode migrar para a fase preliminar de escolha das listas de dos candidatos
distritais dentro dos partidos. Contra isso a melhor arma é o voto do eleitor e
sua punição a tais práticas.
Mazelas continuarão a existir mas
o sistema distrital misto, plurinominal poderá decanta-las pouco a pouco
melhorando gradualmente a qualidade da representação e o maior controle do
eleitor sobre o processo. Realisticamente é o melhor caminho.
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