Novamente um projeto de qualificação da marina da Gloria corre grande risco de dar para trás. Ao contrário da avaliação moderadamente otimista que fiz no blog precedente sobre o assunto, a nossa boa e velha tendência à entropia acrescida da indefectível Lei de Murphy mostrou sua majestade. O projeto do arquiteto Índio da Costa era de fato o melhor de tantos quantos conheci para a marina, ao longo dos anos, e fora vencedor de um concurso internacional do qual participaram dezenas de projetos inclusive de escritórios peso pesado como dos de Norman Foster, Jean Nouvel, Elisabeth de Portzamparc e Wilmotte além de alguns dos melhores brasileiros.
Depois daquele meu blog anterior em que
elogiei o projeto do ponto de vista urbanístico e discuti seu conflituoso
contexto histórico recebi diversos comentários, alguns xingamentos --normal!-- e uma crítica de alguns
leitores e dos meus amigos Axel Grael e Fernando Alencar que achei pertinente:
minha análise não levou em conta uma questão primordial que seriam as falhas e
insuficiências do projeto em relação ao uso mais importante: o náutico.
Não
tenho conhecimento suficiente para julgar esses aspectos que reconheço
fundamentais. Tendo a aceitar as
observações de alguém tão abalizado para julgar a qualidade de uma marina como
o Axel, por todo o conhecimento que tem. De qualquer maneira suponho que o
projeto pudesse ser adaptado para atender às demandas náuticas. Não haveria, me
parece, obstáculos intransponíveis para tanto. Já as demais críticas (espigão,
shopping, “ilegal não pode”, “privatização”, etc...) me parecem inconsequentes pelas
razões que já expus no blog anterior.
Mas a marina virou um abcesso de fixação
tendendo para aquele jogos de soma zero tipicamente cariocas. Esse nosso bom e velho “indignismo”
é um misto de despeito, paranoia, inveja, radicalismo tolo e raivoso. Fazer as
coisas, emplacar bons projetos, no Rio vira um exercício particularmente
difícil e trabalhoso.
Vi esse tipo de coisa acontecer “n” vezes muito embora
pessoalmente tenha sempre conseguido superar esse fenômeno: assim foi nas
ciclovias, na Prainha, no
Bosque da Freguesia, no Parque Dois Irmãos, no novo Circo Voador, no Centro de
Convenções da Cidade Nova e, mais recentemente, esse executado por outros, no Parque
de Madureira. Em todos esse casos sempre pontificou um grupo “não podista”
alegando algum dano ou ilegalidade, alguma tenebrosa conspiração ou negociata
por trás do que eram bons projetos para a cidade ou soluções razoáveis para
conflitos que vinham se arrastando, alguns há décadas.
Venho defendendo no caso da marina que se o
projeto a ser executado não interfere na paisagem nem provoca nenhum outro
impacto negativo, ele deve poder ser feito e que uma presença de lojas de
apoio à marina, dentro de uma proporção razoável –muito aquém daquela de um
shopping— é admissível para dar viabilidade econômica à concessão.
Também
defendo a concessão, em si, porque a administração direta da prefeitura foi a pior fase
da marina. Nem ela nem os governos do estado ou federal tem know how nem
agilidade para esse tipo de gestão. Simplesmente não faz sentido gastar recursos do orçamento para
tanto, podendo-se promover uma concessão.
Por isso sempre achei o discurso
“anti-privatização” neste caso específico uma tolice. Conheço bem a feira de
vaidades que se oculta por trás desta causa ruidosa e para todos efeitos,
insensata.
Claro, a figura do empresário Eike Batista foi
um grande complicador. Há muitos anos me perguntava quando esse império econômico tão obviamente baseado
em glamour, expectativas, alavancagem e proteção da “viúva” iria despencar. O
seu estilo excessivamente high profile lembrando um pouco Donald Trump,
a ambição de tornar-se o homem mais rico do Brasil --quiça do mundo !-- criou a sua volta um halo de fascínio e uma nuvem de
antipatia.
Tornou-se over em termos
de imagem e isso acabou influenciando negativamente em suas iniciativas, várias
delas válidas e positivas para a cidade, na medida em que as pessoas não têm o discernimento de separar o joio do trigo.
Agora Eike parece de fato em maus lençóis e
candidato a tornar-se um caso emblemático de debacle gênero Sacha Stavisky
(retratado num filme de Alain Resnais, com roteiro de Jorge Semprun) ou do grande Gatsby, nos anos 30, simbólicos de tempos economicamente complicados que sucedem uma fase de bonança.
A tendência é ele, depois de ter liquidado a área de sustentabilidade das suas
empresas, cair fora dessa 'filantropia urbana' que se permitiu no Rio, com o
provável abandono do Hotel semi-destruído, em obras, e da marina, inglória, onde
ninguém nunca se entendeu nem se entende.
Deve empurrar a concessão para outra empresa que se não
tiver perspectivas razoáveis de viabilização econômica vai devolver o filho
para a prefeitura e assim teremos de volta aquela situação até meados dos 90 com a
perenização daquela morfética estrutura “provisória” com suas tendas sujas
encardidas e os encargos olímpicos passando para Niterói.
Nessas alturas criar uma “comissão” de órgãos
e entidades –poderia ter sido útil, anteriormente-- me parece um contra senso se for para
conceber um novo projeto. Penso que a única solução decente seria adaptar o
projeto vencedor do concurso já realizado às demandas atinentes àquelas questões
náuticas que vem sendo levantadas, que me parecem as únicas pertinentes: a falta de espaços secos para os barcos, ampliação de capacidade, etc...
De fato, uma marina precisa prioritariamente servir à guarda e manutenção das
embarcações e se há carências nesse sentido precisam ser todas
corrigidas em diálogo com os navegadores representativos desse universo.
Não pude assistir ao debate do IAB mas soube
que o arquiteto Índio da Costa ao apresentar o seu projeto só faltou ser trucidado.
Não me parece um tratamento digno para quem venceu um concurso difícil,
disputando com grandes escritórios internacionais, precisou aturar os
cambiantes estados d’alma de Eike Batista –que em certa ocasião chegou as raias
da grosseria pública— e agora se vê moralmente fuzilado na corporação onde os aspectos de rivalidade parecem se impor em relação aos de solidariedade.
Isso também enfraquece a instituição dos
concursos, públicos e privados, tornando mais fácil "mela-los", como já estamos
vendo com o excelente projeto que venceu o da vila dos árbitros na Francisco
Bicalho e que agora está virando um condomínio tipo Barra(!!!), mas isso é para outro blog que virá.
Já me avisaram que eu não deveria me meter
mais nesse vespeiro da marina inglória pois só posso me prejudicar politicamente com essa minha notória
tendência ao sincericídio. “Daqui a pouco vão dizer que você tá com o Eike” me garante um dos sábios conselheiros da omissão, para esse caso. O diabo é que não posso deixar de opinar. Conheço o caso bastante bem, acompanho há anos e ele me parece particularmente emblemático
da entropia carioca.
É exemplo de como não conseguimos dar soluções minimamente racionais
para nossas questões e adoramos ruidosos jogos “soma zero” bola recuada. Me perdoem mas acho que o Rio merece
coisa melhor.
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