29/06/2013

Marina inglória soma zero



Novamente um projeto de qualificação da marina da Gloria corre grande risco de dar para trás. Ao contrário da avaliação moderadamente otimista que fiz no blog precedente  sobre o assunto, a nossa boa e velha tendência à entropia acrescida da indefectível Lei de Murphy mostrou sua majestade. O projeto do arquiteto Índio da Costa era de fato o melhor de tantos quantos conheci para a marina, ao longo dos anos, e fora vencedor de um concurso internacional do qual participaram dezenas de projetos inclusive de escritórios peso pesado como dos de Norman Foster, Jean Nouvel, Elisabeth de Portzamparc e Wilmotte  além de alguns dos melhores brasileiros.

 Depois daquele meu blog anterior em que elogiei o projeto do ponto de vista urbanístico e discuti seu conflituoso contexto histórico recebi diversos comentários, alguns xingamentos --normal!--  e uma crítica de alguns leitores e dos meus amigos Axel Grael e Fernando Alencar que achei pertinente: minha análise não levou em conta uma questão primordial que seriam as falhas e insuficiências do projeto em relação ao uso mais importante: o náutico.

 Não tenho conhecimento suficiente para julgar esses aspectos que reconheço fundamentais. Tendo a aceitar  as observações de alguém tão abalizado para julgar a qualidade de uma marina como o Axel, por todo o conhecimento que tem. De qualquer maneira suponho que o projeto pudesse ser adaptado para atender às demandas náuticas. Não haveria, me parece, obstáculos intransponíveis para tanto. Já as demais críticas (espigão, shopping, “ilegal não pode”, “privatização”, etc...) me parecem inconsequentes pelas razões que já expus no blog anterior.

 Mas a marina virou um abcesso de fixação tendendo para aquele jogos de soma zero tipicamente cariocas. Esse nosso bom e velho “indignismo” é um misto de despeito, paranoia, inveja, radicalismo tolo e raivoso. Fazer as coisas, emplacar bons projetos, no Rio vira um exercício particularmente difícil e trabalhoso. 

 Vi esse tipo de coisa acontecer “n” vezes muito embora pessoalmente tenha sempre conseguido superar esse fenômeno: assim foi nas ciclovias,  na Prainha, no Bosque da Freguesia, no Parque Dois Irmãos, no novo Circo Voador, no Centro de Convenções da Cidade Nova e, mais recentemente, esse executado por outros, no Parque de Madureira. Em todos esse casos sempre pontificou um grupo “não podista” alegando algum dano ou ilegalidade, alguma tenebrosa conspiração ou negociata por trás do que eram bons projetos para a cidade ou soluções razoáveis para conflitos que vinham se arrastando, alguns há décadas.

 Venho defendendo no caso da marina que se o projeto a ser executado não interfere na paisagem nem provoca nenhum outro impacto negativo, ele deve poder ser feito e que uma presença de lojas de apoio à marina, dentro de uma proporção razoável –muito aquém daquela de um shopping— é admissível para dar viabilidade econômica à concessão. 

 Também defendo a concessão, em si,  porque a administração direta da prefeitura foi a pior fase da marina. Nem ela nem os governos do estado ou federal tem know how nem agilidade para esse tipo de gestão. Simplesmente não  faz sentido gastar recursos do orçamento para tanto, podendo-se promover uma concessão. 

 Por isso sempre achei o discurso “anti-privatização” neste caso específico uma tolice. Conheço bem a feira de vaidades que se oculta por trás desta causa ruidosa e para todos efeitos, insensata.

 Claro, a figura do empresário Eike Batista foi um grande complicador. Há muitos anos me perguntava quando  esse império econômico tão obviamente baseado em glamour, expectativas, alavancagem e proteção da “viúva” iria despencar. O seu estilo excessivamente high profile lembrando um pouco Donald Trump, a ambição de tornar-se o homem mais rico do Brasil --quiça do mundo !--  criou a sua volta um halo de fascínio e uma nuvem de antipatia.

 Tornou-se over em termos de imagem e isso acabou influenciando negativamente em suas iniciativas, várias delas válidas e positivas para a cidade, na medida em que as pessoas não têm o discernimento de separar o joio do trigo. 

 Agora Eike parece de fato em maus lençóis e candidato a tornar-se um caso emblemático de debacle gênero Sacha Stavisky (retratado num filme de Alain Resnais, com roteiro de Jorge Semprun) ou  do grande Gatsby, nos anos 30,  simbólicos de tempos economicamente complicados que sucedem uma fase de bonança. A tendência é ele, depois de ter liquidado a área de sustentabilidade das suas empresas, cair fora dessa 'filantropia urbana' que se permitiu no Rio, com o provável abandono do Hotel semi-destruído, em obras, e da marina, inglória, onde ninguém nunca se entendeu nem se entende. 

 Deve empurrar a concessão para outra empresa que se não tiver perspectivas razoáveis de viabilização econômica vai devolver o filho para a prefeitura e assim teremos de volta aquela situação até meados dos 90 com a perenização daquela morfética estrutura “provisória” com suas tendas sujas encardidas e os encargos olímpicos passando para Niterói.

 Nessas alturas criar uma “comissão” de órgãos e entidades –poderia ter sido útil, anteriormente--  me parece um contra senso se for para conceber um novo projeto. Penso que a única solução decente seria adaptar o projeto vencedor do concurso já realizado às  demandas atinentes àquelas questões náuticas que vem sendo levantadas, que me parecem as únicas pertinentes: a falta de espaços secos para os barcos, ampliação de capacidade, etc... 

De fato, uma marina precisa prioritariamente servir à guarda e manutenção das embarcações e se há  carências nesse sentido precisam ser todas corrigidas em diálogo com os navegadores representativos desse universo.

 Não pude assistir ao debate do IAB mas soube que o arquiteto Índio da Costa ao apresentar o seu projeto só faltou ser trucidado. Não me parece um tratamento digno para quem venceu um concurso difícil, disputando com grandes escritórios internacionais, precisou aturar os cambiantes estados d’alma de Eike Batista –que em certa ocasião chegou as raias da grosseria pública— e agora se vê moralmente fuzilado na corporação onde os aspectos de rivalidade parecem se impor em relação aos de solidariedade. 

 Isso também enfraquece a instituição dos concursos, públicos e privados, tornando mais fácil "mela-los", como já estamos vendo com o excelente projeto que venceu o da vila dos árbitros na Francisco Bicalho e que agora está virando um condomínio tipo Barra(!!!),  mas isso é para outro blog que virá. 

 Já me avisaram que eu não deveria me meter mais nesse vespeiro da marina inglória pois só posso me prejudicar politicamente com essa minha notória tendência ao sincericídio. “Daqui a pouco vão dizer que você tá com o Eike” me garante um dos sábios conselheiros da omissão, para esse caso. O diabo é que não posso deixar de opinar. Conheço o caso bastante bem, acompanho há anos e ele me parece  particularmente emblemático da entropia carioca. 

É exemplo de  como não conseguimos dar soluções minimamente racionais para nossas questões e adoramos  ruidosos jogos “soma zero” bola recuada.  Me perdoem mas acho que o Rio merece coisa melhor.


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