11/07/2013

Um judeu palestino

Acaba de falecer na Franças, aos 70 anos, Ilan Halevi, uma figura singular no conflito entre Israel e os palestinos. Judeu, ele foi  membro da OLP, assessor próximo de Yasser Arafat, seu representante na Internacional Socialista e vice-ministro de relações exteriores da Autoridade Palestina.  Nascido em Lyon, em 1943, em plena II Guerra, filho de judeus iemenitas, resistentes comunistas no "maquis" contra a ocupação nazista, musico de jazz, jornalista, ele foi morar em Israel, nos anos 60,  depois de uma passagem pela Argélia. 


 Foi um dos fundadores do Matzpen um grupo de extrema-esquerda, formado por judeus anti-sionistas. Halevi regressou à França, nos anos 70,  e vinculou-se formalmente a OLP tornando-se um auxiliar de Yasser Arafat que, na época,  vivia o auge de seu poder no Líbano. Em 83, sucedeu a  Issam Sartaoui, assassinado durante uma reunião da Internacional Socialista, em Portugal, por um comando do grupo de Abu Nidal, um grupo palestino pró-Sadam Hussein. Foi  também representante dos palestinos na Comissão de Direitos Humanos da ONU. Depois, fez parte da delegação palestina à Conferência da Madrid, em 91, a primeira negociação entre israelenses e palestinos. 



 Halevi foi  co-fundador da "Revue d'Études Palestiniens" e autor de diversos livros.  Ele gostava de se definir como um "judeu palestino com passaporte francês" aos que lhe perguntavam se era meio-judeu e meio-árabe ele respondia: "sou 100% judeu e 100% árabe". 

 Halevi desaparece como membro de uma espécie em extinção: os judeus, comunistas, anti-sionistas cujos últimos remanescentes estão no partido Hadash, que abriga  judeus e palestinos embora a maioria de seus eleitores seja árabe. Na imprensa israelense existe uma figura que, embora apartidária, reflete essa sensibilidade política: a jornalista Amira Hass,  do Haaretz, uma repórter e escritora de primeiríssima qualidade.


  A maioria esmagadora dos israelenses  naturalmente via Helevi sob uma ótica negativa. Muitos o consideravam um traidor. Mas o papel desse punhado de "judeus palestinos" que defendem uma pátria laica bi-nacional como o intelectual  palestino, cristão,  Eduoard Said --esse visceralmente crítico de Yasser Arafat--  é respeitável pois constituem um ponto de contato humano entre as duas comunidades separadas pela tragédia primordial do oriente-médio.  Embora eu possa discordar deles --sou um judeu não-sionista,  algo diferente de "anti-sionista"--  penso que o papel deles é indispensável e situa-se numa longa tradição judaica de contestação da opressão de quem quer que seja e de busca incessante de justiça. (Justiça, justiça buscaréis! Disse o Eterno ao povo judeu). 

A paz ou o apartheid no Grande Israel

 É verdade que se paz houver algum dia ela terá que se negociada não por esse tipo de judeus ou por palestinos como Eduoard Said mas pela linha dura de ambos os lados. Ninguém estaria mais apto a faze-lo, do lado israelense que Bibi Netanyahu e, do lado palestino,  para que seja de fato sustentável um acordo de paz terá que englobar não apenas Mahmud Abbas e a autoridade palestina mas ter algum grau de anuência do Hamas também.  

  O secretário de estado norte-americano John Kerry está mediando intensamente a retomada das negociações. Na imprensa israelense e norte-americana há pequenos indícios de que esse processo poderia ser retomado. 


 O grande problema para faze-lo é a continuidade da expansão dos assentamentos na Cisjordania. Os maiores obstáculos para um acordo que precisariam ser superados e suas soluções já estão mapeados há muito tempo no Protocolo de Genebra. É uma questão de vontade política. 

 O contexto regional apresenta uma janela de oportunidade, com o conflito da Síria e o enfraquecimento do Hamas pela queda de seus aliados Irmãos Muçulmanos no Egito. 


 Continuo cético até a medula em relação a sinceridade de Netanyahu mas o precedente de Sharon e, sobretudo, Ehud Olmert, indica ainda que seja uma pequena possibilidade de mudança por pressão das circunstâncias e da questão demográfica inevitável  que envolve o "Grande Israel". 

 Ele está sendo criado no terreno de forma galopante. Em breve, por força da demografia  haverá uma maioria palestina, no espaço entre o mar de o rio Jordão, colocando Israel diante do dilema de deixar de ser um "estado judeu" e conceder direitos políticos ao palestinos, ou deixar de ser um estado democrático e virar,  definitivamente,  um regime de apartheid que nega direitos políticos aos palestinos no espaço do Grande Israel.

 Pessoalmente nada tenho contra um estado binacional, desde que laico e democrático onde judeus possam viver pacificamente na Cisjordância mas onde os palestinos também possam regressar ao que hoje é Israel. Penso no entanto que conquanto justa essa não seria uma solução realista. 



 Nem tudo que é justo é possível. Se até os belgas valões e flamengos têm dificuldades de conviver num estado binacional quanto mais israelenses e palestinos, com tanto ódio e ressentimento acumulado. 

 Parece-me mais factível a solução de dois estados, um judeu --como querem os sionistas-- e um palestino, mas para tanto é preciso aproveitar as derradeiras janelas de oportunidade. Em breve,  o estado binancional será fato consumado no terreno pela expansão incessante dos assentamentos na Cisjordânia que já privam os palestinos de qualquer continuidade territorial. 

  Não será o estado binacional sonhado por judeus como Helevi ou palestinos como Said.  Será o Grande Israel, um território bi-nacional com cidadãos de primeira classe, direitos políticos e controle da terra  e bantustões isolados, ilhados, constituídos pelos centros urbanos palestinos. A médio prazo será isso uma tragédia total para os judeus, inclusive  esses fanáticos religiosos que o propugnam, seus filhos e netos. O tempo urge para salvar a solução de dois estados. 

 Voltando à figura de Ilan Halevi. Na minha longa trajetória na cultura  de esquerda fiz umas tantas quantas revisões e críticas sobretudo aos seus aspectos autoritários e opressivos. Há, porém,  um valor do qual me orgulho e que permanece intacto e irrepreensível: o internacionalismo, a  fraternidade que permite aos homens de nações diferentes, etnias diferentes, religiões diferentes, estarem irmanados sob um mesmo ideal laico e democrático. 

 Esse sentimento comum aos cristãos que durante a II Guerra repeliram o anti-semitismo e salvaram judeus, aos franceses e  norte-americanos que se opuseram à guerra da Argélia e do Vietnam, aos judeus que resistem à opressão dos palestinos. Halevi incarnou esse valor de uma boa e velha esquerda. 


Um comentário:

  1. Meu pai me explicou o lindo trabalho dos "maquis" Pelo que eu entendi,na II Guerra Mundial,se um militante dissesse,esteja na esquina x com um cigarro aceso,responda à Maria a palavra Y,com hora e dia....se o cigarro estivesse apagado,a alteração da informação poderia impedir o salvamento de vidasAmo a resistência francesa A escolha da PAZ,muitas vezes não é mais que um testemunho,mas vale a pena

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