Estarei ficando velho? Isso apesar do meu skate novinho...Estarei virando “político convencional? Isso apesar de ser um pária para eles, os políticos convencionais...Estarei virando anacrônico, apartado das “redes sociais”, confinado à limitada audiência do meu blog? Há algo que eu não esteja percebendo, “sacando”?
É a pergunta que me faço, incessantemente, ao olhar na TV aquele grupo de uns 50 jovens, fazendo fogueira no meio da rua Ataúlfo de Paiva, quebrando os vidros do caixa-eletrônico ou saqueando uma loja de roupas chiques. Isso sem achar a menor graça, sem sentir a menor sensação onírica de estar presenciando uma “revolução”. Enfim o “despertar do gigante”!
Também confesso que não me excitou tanto assim a manifestação de algumas centenas de jovens na porta da casa do Sérgio Cabral. Não gosto do Cabral. Antigamente tínhamos uma relação simpática e cordial muito em função da grande estima que sempre tive pelo pai dele. Depois que ele assumiu o governo do estado passei muitos meses e tomei diversos “chás de cadeira” tentando lhe apresentar o projeto de revitalização da área portuária, que eu havia desenvolvido com minha equipe do IPP e que, anos depois, Eduardo Paes se interessou, adotou e desenvolveu. Marcava e dava cano. Soube por um amigo comum que ele ficara agastado porque não aceitei trair nossa fraca candidata ao segundo turno, em 2006. Mas não foi apenas esse tratamento descortês que me fez passar a não gostar dele, foi a empáfia tão escancarada da qual Cabral foi possuído ao encarnar a persona de governador. Chegou a mudar sua expressão facial!
Politicamente, vejo-o como expressão do establishment: esperto, sem escrúpulo algum, cínico ao extremo e mais chegado aos aspectos, digamos, lúdicos do exercício do poder do que ao batente propriamente dito. Penso, no entanto, que teve um grande acerto: Beltrame como secretário de segurança e as UPP que devem ser creditados por ter reduzido consideravelmente o que era o maior problema do Rio: o controle territorial armado do narcovarejo sobre diversas favelas. Penso também que Cabral tem alguns bons secretários que não merecem o desgaste, por tabela, ao qual ele os expõe.
Não consigo, no entanto, odiá-lo – aliás, esse é um sentimento auto-destrutivo-- nem vejo que nesse momento estejam reunidas razões suficientemente fundamentadas para um impeachment. Pode vir a acontecer e não terei pena alguma dele se for o caso. Influenciarei, no que puder, os deputados estaduais que possa. Mas não estamos lá e isso depende do que os anglos chamam de “due process” o devido processo legal que a democracia garante a todos. Não se derruba um governante “no grito” por delito de impopularidade, por maior que seja sua empáfia.
Disse isso a um amigo, promotor, que encontrei na academia onde me exercito e ele ficou indignado comigo por não compartilhar de seu absoluto entusiasmo com esse “processo histórico” onde as “redes sociais” mobilizam a rua e o Black Block e o Anonymous “fazem tremer os políticos”.
Pois é... em Brasília não vejo ninguém tremendo. São muito mais espertalhões que isso. Sobem na tribuna para saudar “a voz das ruas”, promovem aqueles recuos táticos que lhes convêm e continuam a fazer o que fazem. Simplesmente não dependem, em nada, de opinião pública. Tem lá seus votos contadinhos, compradinhos, via centros assistenciais, cabos eleitorais, cargos comissionados e acesso ao orçamento.
Não constituem um muro de Berlim que possamos derrubar com um buldozer impelido por multidões. Estão mais para um bunker de geleca com alta capacidade de absorção: você soca, chuta e atola. Afogado na geleca...
Mas então está sendo ruim o movimento? Penso que foi positivo na sua fase massiva por estar tão prenhe de possibilidades. Algumas vitórias iniciais e pontuais ele logrou. Alguns focos de luz já pôde projetar. Colocou na berlinda certas questões como a crise da mobilidade urbana, a má qualidade dos serviços públicos e naquele tom que a grande imprensa adota: “a corrupção dos políticos”.
Desde muito tenho problemas com esse tipo de abordagem no estilo todos-no-mesmo-saco. Minha questão resumo numa pergunta: esses políticos, que amamos odiar, eles caíram do céu, vieram de Marte, são ETs, são uma aberração qualquer da natureza? Ou são produtos diretos da sociedade brasileira tal que ela é, foram elegidos pelo voto de milhões que os sufragaram e que, na sua grande maioria, não o fizeram “enganados”?
A verdade é que votaram sabendo bem em quem votavam: no benfeitor que vai lhes aportar alguma benesse, alguma vantagem real ou imaginada. Votam como quem investe. Isso porque há um sistema eleitoral que tem essa lógica. Dele emana essa cultura, ele reproduz a cada dois anos essa dinâmica clientelista, assistencialista e fisiológica na mesma medida em que se retrai, a cada eleicão, o chamado “voto de opinião”.
A verdade é que votaram sabendo bem em quem votavam: no benfeitor que vai lhes aportar alguma benesse, alguma vantagem real ou imaginada. Votam como quem investe. Isso porque há um sistema eleitoral que tem essa lógica. Dele emana essa cultura, ele reproduz a cada dois anos essa dinâmica clientelista, assistencialista e fisiológica na mesma medida em que se retrai, a cada eleicão, o chamado “voto de opinião”.
“O que aconteceu com o carbonário?” me perguntou, com ponta de irritação, meu amigo, recriminando esse meu pouco entusiasmo pela noite anterior, no qubra-quebra e fogueirinhas do Leblon. Não lhe dei a resposta tecnicamente a mais correta: “Felipe”, o carbonário, ficara na década de 70. Mais exatamente nos meados dela. Que significaria ser carbonário, hoje? Propugnar a guerrilha urbana contra o governo da companheira Dilma? Ou, pós-modernamente, a teatralização da violência incendiando uma lata de lixo em frente à Pizzaria Guanabara?
O que de bom pode advir desse movimento difuso (e confuso) ? O melhor que pode acontecer é a consolidação de uma nova geração militante/participante. O gesto de se manifestar em contraste com várias gerações precedentes que não o fizeram é, em si, valioso. Consolidação, no caso, significaria o surgimento de coletivos temáticos capazes de tratar seriamente das questões levantadas, não apenas para protestar contra elas –é o primeiro passo-- mas, de fato, contribuir para resolvê-las. Para resolver não basta se manifestar, há todo um trabalho e um aprendizado que se desdobra no tempo.
Haveria muito que fazer, por exemplo, na crise da mobilidade urbana: um sistema que desse transparências aos custos reais do transporte urbano, aos lucros, às despesas, aos investimentos. Não um “passe livre” para todos, (inclusive os ricos) mas um cartão de mobilidade intermodal com duração de pelo menos três horas, acessível e subsidiado para os mais pobres. A contestação da soberania absoluta do rei-automóvel no espaço urbano. A taxa de congestionamento e seus pedágios eletrônicos financiando o transporte coletivo e as ciclovias. A infraestrutura cicloviária e de outros modais não motorizados. E por aí vai.
O mesmo critério se aplica para outros grandes “temas” evocados. O fato do movimento não ter uma reivindicação ou bandeira unificadora nem um objetivo estratégico totalizante como, no passado, a “revolução socialista” é uma grande vantagem na sua complicada relação com a vida real.
Mas qual o pior que pode acontecer com o movimento? É tornar-se um abcesso de fixação de energias negativas onde é mais importante desopilar o fígado odiando a algum vilão de circunstância ou enveredar por uma interminável senda de rivalidades ou hostilidades tribais. É deixar se seduzir pela violência e por um estado de ânimo destrutivo. É se deixar possuir pela estética do “burn baby burn” do quebra-quebra ou do banho de sangue purificador --esse menos provável, felizmente-- que acabe isolando-o da maioria da população que simpatiza com o protesto inicial mas não irá aceitar uma desordem continuada que enxote os investimentos e, no caso do Rio, reverta a atual tendência economicamente positiva que os aspectos negativos não logram escamotear.
Seria enfraquecer o que temos de estado de direito em prol não de uma nova ditadura –hipótese altamente improvável—mas das síndromes reais do nosso tempo: a dos “estados falidos” , a das sociedades entrópicas ou a do novo medievalismo com seus baronatos pós-modernos (como o narcovarejo dos “comandos” no Rio, antes das UPPs).
Como em todas as crises históricas anteriores, no nosso e em outros países, essas situações se colocam sempre como uma bifurcação onde nem o final feliz nem o infeliz são programados pelo destino ou pelas estrelas, dependem de um livre arbítrio coletivo e testam a integridade de uma sociedade mais do que a de um governo.
É o Brasil que vai ter que decidir para onde quer ir.
É isso que o Cabral tem que explicar, meu senhor:
ResponderExcluirhttp://www.diariodorio.com/o-que-sergio-cabral-precisa-explicar/