A frustração é um estado de espírito quase
permanente de quem pretende algum tipo de discussão séria no plenário da
Câmara. Ontem senti-a intensamente no debate sobre a nova lei de drogas
proposta pelo deputado Osmar Serra, do (PMDB-RS). Maior ainda pela minha
situação de pária dentro do PV que me impediu de ter acesso a maior parte dos espaços
de debate no plenário: encaminhamentos de votação, tempo de liderança, etc...
Limitei-me
a uma intervenção de 3 minutos no debate e, depois, a ser interrompido, no
microfone da apartes, pelo presidente da
sessão deputado André Vargas (PT-RS), em menos de um minuto, com aquela sua
prática já habitual de coibir a expressão de quem não lhe agrada.
Tendo estudado, refletido e desenvolvido uma
visão sobre o tema não consegui participar de forma satisfatória do debate que
foi pobre, demagógico, francamente deprimente e na contramão de tudo que se
discute na sociedade e a nível internacional. À maioria parlamentar que se
criou em torno do assunto não importam as reflexões do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, do presidente uruguaio José Mujica ou do colombiano Manuel
Santos que, cada um a sua maneira, questiona o paradigma da “war on drugs”
desencadeada pelo presidente Ronald Reagan, nos anos 80, que quase meio século mais tarde ainda é a
base das políticas proibicionistas.
Demagogos religiosos, demagogos policialescos,
politiqueiros se sucediam para saudar a colcha de retalhos nada imaginativa,
reacionária e essencialmente repressiva que votamos como uma solução
maravilhosa que iria “derrotar as drogas”, “salvar nossa juventude” etc... Uma
torrente de bobagens onde se destacava o histriônico relator, deputado Carimbão.
Penso que o aspecto mais perigoso é
agravamento de pena que atingirá os pequenos traficantes sem violência. Quem
acompanha meu trabalho sobre segurança pública saber que sou “linha dura” em
relação a criminalidade violenta/armada e conhece minha indignação em relação a
leniência com que ela é tratada no Brasil (progressão de pena, visão do bandido
como “vítima da sociedade”, etc...).
Não sou contrário, por exemplo, a um aspecto da lei que é a internação compulsória que deve ser direcionada para usuários de crack com envolvimento em atos violentos.
Sou certamente favorável a um agravamento de penas,
sim, para o banditismo armado e violento. Mas o que está nessa lei é algo
diferente. É um forte agravamento de pena incidindo sobre uma fronteira
nebulosa entre consumo e pequeno tráfico que, na prática, vai lançar legiões de
jovens drogados e pequenos “aviões”, que
hoje não são violentos nem estão armados para longas temporadas nessas
universidades do crime que são nossas prisões. Lá entrarão traficantezinhos
pés-de-chinelo e sairão assaltantes violentos, formados naquele inferno de
violência, morte e estupro.
O deputado Osmar Terra é bem articulado em
comparação aos energúmenos que com entusiasmo saudaram seu texto
--originariamente ainda mais repressivo-- e faz uma demagogia de um nível mais alto.
Argumenta sobre o suposto “fracasso” das experiência liberalizantes tipo
Holanda, Portugal e alguns estados norte-americanos. Uma tremenda falácia!
É evidente que num contexto internacional
ainda amplamente proibicionista nenhuma delas tem o condão de produzir soluções
drásticas para o multifacetado “problema das drogas”. Mas entram na linha daquele
famoso dito baiano de grande sapiência: “governar é trocar problemas maiores
por problemas menores”.
O que estamos comparando? A falsa alegação de “fracasso” baseia-se pura
e exclusivamente num cálculo de quantidades de usuários de drogas. Só que a
descriminalização e a legalização nunca prometeram, ao menos a curto prazo,
diminuir o número estatístico de usuários (que no proibicionismo permanece em
parte oculto, por motivos óbvios!). O que as várias estratégias de “redução de
sofrimento” oferecem --muito particularmente a mais radical delas, a
legalização controlada, que defendo-- é
outra coisa: é a redução drástica das mortes a bala, a faca e a bomba que são a
causa de 95% das vítimas “das drogas”. A guerra econômica das drogas mata cem
vezes mais que as overdoses!
A legalização controlada oferece também a redução drástica na destruição
das instituições minadas pela imenso poder corruptor dos impérios de riqueza
construídos sobre o hiper lucrativo comércio da droga ilegal.
Sei que essa posição que defendo é incompreendida, hoje, por 80% da população. A maioria das pessoas temem que com a legalização
controlada ou a descriminalização do consumo --para mim um paliativo meio
incoerente-- as drogas tornar-se-iam mais acessíveis aos seus filhos. Não têm
ideia do quanto é fácil conseguir drogas em qualquer cidade pequena, média ou
grande do Brasil e do mundo.
A eles sempre faço a mesma pergunta: “se por
desgraça um jovem de sua família viesse a se tornar usuário de drogas, enquanto
você não se consegue que largue o vício (ou o mau hábito) o que você prefere:
1) que compre–a de um farmacêutico que
lhe orientará, admoestará, disponibilizará contatos para um tratamento e, no
final das contas, venderá uma substância controlada ou 2) que compre droga “malhada”
na mão do bandido armado sustentando o narcovarejo militarizado e os carteis
das drogas, arriscando-se a ser preso, achacado e/ou vítima da violência para
além dos malefícios da droga em si?
É a pergunta que não quer nem vai calar.
Boa forma de pensar, caso um dia tenha filhos e por ventura tornem-ce viciados, prefiro que comprem na mão de um farmacêutico credenciado e fiscalizado do que na mão de um traficante sem escrúpulos.
ResponderExcluirPenso da mesma forma. Enquanto houver demanda haverá o "produto". Então, que seja de forma controlada. A proibição só gera 2 coisas: violência para a sociedade e enriquecimento para alguns. Cite no plenário o exemplo da Lei Seca nos EUA, anos 20; o que os nossos parlamentares tem a dizer desta experiência?
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