Há países que avançaram na legislação mas onde ainda há fortes
bolsões culturais e discriminação e intolerância. Recentemente vimos
mobilizações anti-gays em Jerusalém, Moscou e Varsóvia. O ex-presidente
polonês, o antigo líder operário Lech Walesa chocou a parte moderna da opinião
pública local pretendendo que "os deputados gays do parlamento polonês deveriam ocupar só as últimas fileiras” do mesmo.
Ao mesmo tempo há avanços notáveis: nas
eleições de 2004 nos EUA o marqueteiro republicano Karl Rove usara a carta
anti-casamento gay como tática de mobilização eleitoral para a reeleição de
George W Bush contra John Kerry. Foi uma estratégia atípica: Rove desprezou a
disputa de votos ao centro e privilegiou a mobilização da base republicana
sensível as bandeiras do chamado nos EUA: “conservadorismo social”. Funcionou.
Oito anos depois, na sua campanha de reeleição Obama usou a mesma bandeira,
numa estratégia análoga de mobilização de sua base, mas em sentido contrário.
Desprezando conselhos de moderação decidiu apoiar abertamente o casamento de
pessoas do mesmo sexo, ainda que não estivesse muito claro, nas pesquisas se
isso o iria beneficia-lo nos estados indecisos. Acabou dando certo e evidenciando
uma significativa mudança de espírito na opinião norte-americana por força dos
jovens eleitores.
No Brasil a polêmica é acirrada. Não tanto em virtude
de um iminente avanço legal do casamento gay frente o qual se ergue uma forte
barreira conservadora, mas em função, por um lado, de ações de governo na área
da educação e, por outro, de confrontos político-culturais aos quais a mídia
atribui grande espaço.
É a polêmica do suposto "kit-gay" na educação. E, mais
recentemente, a eleição do pastor deputado Marcos Feliciano para a presidência
da comissão de direitos humanos da Câmara. Olhando objetivamente para essa “guerra” cultural notamos que seus protagonistas em ambos bandos têm razões para cantar vitória e
contabilizar ganhos políticos.
As lideranças parlamentares e os movimentos que
lideram uma luta cuja ênfase, hoje, é mais a anti-homofobia do que o avanço dos direitos gays, propriamente ditos, obtêm ampla satisfação pela enorme repercussão
midiática de sua ação de repúdio ao pastor Feliciano --que rapidamente eclipsou
Renan Calheiros Eduardo Henrique Alves e outros no panteão dos vilões da mídia.
Essas lideranças obtiveram uma visibilidade que
utilizam para atacar seus inimigos homófobos mas também líderes e forças
políticas consideradas por eles omissas
ou insuficientemente empenhadas na causa anti-homofóbica. Isso leva Jean Willys, por exemplo, a questionar a não participação do governador Eduardo Campos na polêmica ou a
afirmar, equivocadamente, que Marina Silva seria favorável a um referendo sobre
o casamento gay.(Ela defende o referendo para a legalização das drogas e do
aborto mas é favorável ao direito à união civil de pessoas do mesmo sexo). Voltamos à boa e velha patrulha ideológica por esse viés...
Mas o ganho político em termos de exposição de
mídia (e eventualmente eleitoral) das lideranças anti-homofíbicas fica minimizado se
comparado com o ganho político/eleitoral dos homófobos
hidrófobos. O deputado Jair Bolsonaro
cada vez mais troca seu discurso de extrema-direita nostálgico da ditadura
militar pelo furor anti-gay. Certamente percebeu que eleitoralmente isso vai lhe
trazer mais votos. E Marcos Feliciano tornou-se o cometa da causa anti-gay!
Um
parlamentar desconhecido do grande público, sem nada e o fizesse despontar
entre os 513 deputados em poucos dias tornou-se uma figura nacional. Diversas
sonoras em prime time na TV Globo e
Record, Páginas Amarelas, da Veja, artigo de Debates na Folha de São Paulo,
presença agora quase diária nos jornais, rádios e TV. Feliciano tem razões para estar feliz...
Ainda não está claramente definido se no Brasil existe consolidado um eleitorado gay. Antigamente não
existia. Lembro-me dos decepcionantes 5 mil votos de Hebert Daniel com seu
incomparável vigor intelectual e ético, em 1986. O próprio Jean Willys teve uma
votação modesta, em 2010, e parte dela devida ao status celebridade. Não existe ainda um
claro líder político orgânico da causa dos direitos dos homossexuais.
Possivelmente numa próxima eleição ele beneficiar-se-á mais desse confronto. De
qualquer jeito isso não vai chegar aos pés do maná eleitoral capitalizado pelo
outro lado. Alguém duvida que Bolsonaro e agora Feliciano, serão campeões de
voto, em 2014?
Se há dúvidas se de fato consolida-se um eleitorado gay
estruturado e politicamente coerente –refiro me a um contingente eleitoral não a "movimentos sociais"—
é inegável que há um pujante eleitorado anti-gay. Religioso, de base na direita
cultural evangélica ou católica ou até “laico”, que se fixiaria mais no padrão
Bolsonaro, o do machismo anti-gay (aquele do armário, dirão as más línguas).
A corrente guerra cultural anti-homófobos versus
homófobos beneficia mais os segundos que os primeiros em termos de exposição e
eleitorais. Sem discurso, de inteligência
e nível intelectual bastante limitado, eles descobriram no passionalismo
homofóbico --no Brasil miscigenado um
aparente substituto para o racismo passional--
promissor filão eleitoral.
Mas e a causa? A boa causa dos direitos civis
e de cidadania dos homossexuais? O avanço de suas questões concretas: direito
ao casamento civil, contra a discriminação no trabalho ou no lazer? As guerras de mídia, o conflito, tal como é
teatralizado pelos seus atores, faz avança-la? Francamente, tenho algumas dúvidas a respeito. Tanto "ruído e fúria" parece-me levar mais para uma soma zero. Pode ser bom para as
lideranças mas não necessariamente para a causa, em si.
Na minha visão a afirmação dessa causa está mais
vinculada ao avanço na sociedade brasileira de um sentimento de tolerância, pluralidade, respeito à
diferença, espírito democrático e de cidadania, em geral, do que à afirmação assertiva de um orgulho comportamental necessitando se auto-afirmar a
todo momento.
O avanço dessa causa não se dará pelo aumento do contingente de
homossexuais na sociedade brasileira --esse vai se manter estável pois a
população homossexual é geneticamente estável. O avanço vai se dar pelo aumento
do contingente de heterossexuais desprovidos de qualquer sentimento de hostilidade
ou preconceito. A conversão de heteros
em homos bem como aquele vice versa imaginado pelos pastores homófobos são igualmente
ilusórios, delirantes.
A questão não é se a sociedade cultua ou discrimina os
gays. A questão é se a sociedade aprende a tolerar e aceitar as diferenças. Quando
olhamos a questão por esse ângulo entendemos que o caso não é de educação
sexual mas o de educação cidadã e que o eixo político não é afirmar o “orgulho”
mas ampliar a aceitação do outro, do diferente.
Nesse sentido é
mais importante, por exemplo, dialogar
com os evangélicos –esse contingente imenso da população brasileira-- em torno da aceitação das diferenças, do
respeito ao outro e do fim à discriminação, do que ajudar a promover, entre eles, os mais extremados e oportunistas indiretamente auxiliando-os a se tornarem porta-vozes de um
contingente religioso que, de fato, não representam ou representam mal.
Por mais atraente a curto prazo que possa ser
a exposição gerada pelo confronto, suspeito que ele seja contraproducente no plano maior que é o da construção de
uma sociedade democrática, plural e sem discriminação que promova a
felicidade e reduza o sofrimento.
Escrevi sobre essa questao no meu blog...
ResponderExcluir"Jean Wyllys, assim como Marco Feliciano, não me representa. E você, já parou pra pensar que você pode defender um lado ou outro, sem que nenhuma dessas duas personalidades lhe represente?"
http://bit.ly/10WuiaL
Gostaria de sua opiniao.
forte abc