03/04/2013

Homofobia e política


 A luta pelos direitos civis e contra a discriminação aos homossexuais vem avançando no mundo apesar de alguns retrocessos pontuais. A situação ainda é grave em alguns países islâmicos, africanos e eslavos onde existe uma legislação abertamente discriminatória ou mesmo persecutória ou onde pululam fortes movimentos de massa agressivamente anti-gays. 

 Há países que avançaram na legislação mas onde ainda há fortes bolsões culturais e discriminação e intolerância. Recentemente vimos mobilizações anti-gays em Jerusalém, Moscou e Varsóvia. O ex-presidente polonês, o antigo líder operário Lech Walesa chocou a parte moderna da opinião pública local pretendendo que "os deputados gays do parlamento polonês deveriam ocupar só as últimas fileiras” do mesmo.

 Ao mesmo tempo há avanços notáveis: nas eleições de 2004 nos EUA o marqueteiro republicano Karl Rove usara a carta anti-casamento gay como tática de mobilização eleitoral para a reeleição de George W Bush contra John Kerry. Foi uma estratégia atípica: Rove desprezou a disputa de votos ao centro e privilegiou a mobilização da base republicana sensível as bandeiras do chamado nos EUA: “conservadorismo social”. Funcionou. 

 Oito anos depois, na sua campanha de reeleição Obama usou a mesma bandeira, numa estratégia análoga de mobilização de sua base, mas em sentido contrário. Desprezando conselhos de moderação decidiu apoiar abertamente o casamento de pessoas do mesmo sexo, ainda que não estivesse muito claro, nas pesquisas se isso o iria beneficia-lo nos estados indecisos. Acabou dando certo e evidenciando uma significativa mudança de espírito na opinião norte-americana por força dos jovens eleitores.

 No Brasil a polêmica é acirrada. Não tanto em virtude de um iminente avanço legal do casamento gay frente o qual se ergue uma forte barreira conservadora, mas em função, por um lado, de ações de governo na área da educação e, por outro, de confrontos político-culturais aos quais a mídia atribui grande espaço. 

 É a polêmica do suposto "kit-gay" na educação. E, mais recentemente, a eleição do pastor deputado Marcos Feliciano para a presidência da comissão de direitos humanos da Câmara. Olhando objetivamente para  essa “guerra” cultural notamos que seus protagonistas em ambos bandos têm razões para cantar vitória e contabilizar ganhos políticos. 

 As lideranças parlamentares e os movimentos que lideram uma luta cuja ênfase, hoje, é mais  a anti-homofobia do que o avanço dos direitos gays, propriamente ditos, obtêm ampla satisfação pela enorme repercussão midiática de sua ação de repúdio ao pastor Feliciano --que rapidamente eclipsou Renan Calheiros Eduardo Henrique Alves e outros no panteão dos vilões da mídia.

 Essas lideranças obtiveram uma visibilidade que utilizam para atacar seus inimigos homófobos mas também líderes e forças políticas  consideradas por eles omissas ou insuficientemente empenhadas na causa anti-homofóbica. Isso leva Jean Willys, por exemplo,  a questionar a não participação do governador Eduardo Campos na polêmica ou a afirmar, equivocadamente, que Marina Silva seria favorável a um referendo sobre o casamento gay.(Ela defende o referendo para a legalização das drogas e do aborto mas é favorável ao direito à união civil de pessoas do mesmo sexo). Voltamos à boa e velha patrulha ideológica por esse viés...

 Mas o ganho político em termos de exposição de mídia (e eventualmente eleitoral) das lideranças anti-homofíbicas  fica minimizado se comparado com o ganho político/eleitoral dos homófobos hidrófobos.  O deputado Jair Bolsonaro cada vez mais troca seu discurso de extrema-direita nostálgico da ditadura militar pelo furor anti-gay. Certamente percebeu que eleitoralmente isso vai lhe trazer mais votos. E Marcos Feliciano tornou-se o cometa da causa anti-gay!

 Um parlamentar desconhecido do grande público, sem nada e o fizesse despontar entre os 513 deputados em poucos dias tornou-se uma figura nacional. Diversas sonoras em prime time na TV Globo e Record, Páginas Amarelas, da Veja, artigo de Debates na Folha de São Paulo, presença agora quase diária nos jornais, rádios e TV. Feliciano tem razões para estar feliz...

  Ainda não está claramente definido se no Brasil existe consolidado um eleitorado gay. Antigamente não existia. Lembro-me dos decepcionantes 5 mil votos de Hebert Daniel com seu incomparável vigor intelectual e ético, em 1986. O próprio Jean Willys teve uma votação modesta, em 2010,  e parte dela devida ao status celebridade. Não existe ainda um claro líder político orgânico da causa dos direitos dos homossexuais. Possivelmente numa próxima eleição ele beneficiar-se-á mais desse confronto. De qualquer jeito isso não vai chegar aos pés do maná eleitoral capitalizado pelo outro lado. Alguém duvida que Bolsonaro e agora Feliciano, serão campeões de voto, em 2014?

 Se há dúvidas se de fato consolida-se um eleitorado gay estruturado e politicamente coerente –refiro me a um contingente eleitoral não a "movimentos sociais"— é inegável que há um pujante eleitorado anti-gay. Religioso, de base na direita cultural evangélica ou católica ou até “laico”, que se fixiaria mais no padrão Bolsonaro, o do machismo anti-gay (aquele do armário, dirão as más línguas). 

 A corrente guerra cultural anti-homófobos versus homófobos beneficia mais os segundos que os primeiros em termos de exposição e eleitorais. Sem discurso, de inteligência  e nível intelectual bastante limitado, eles descobriram no passionalismo homofóbico  --no Brasil miscigenado um aparente substituto para o racismo passional--   promissor filão eleitoral.

 Mas e a causa? A boa causa dos direitos civis e de cidadania dos homossexuais? O avanço de suas questões concretas: direito ao casamento civil, contra a discriminação no trabalho ou no lazer?  As guerras de mídia, o conflito, tal como é teatralizado pelos seus atores, faz avança-la? Francamente, tenho  algumas dúvidas a respeito. Tanto "ruído e fúria" parece-me levar mais para uma soma zero. Pode ser bom para as lideranças mas não necessariamente para a causa, em si. 

 Na minha visão a afirmação dessa causa está mais vinculada ao avanço na sociedade brasileira de um sentimento de tolerância, pluralidade, respeito à diferença,  espírito democrático e de cidadania, em geral, do que à afirmação assertiva de um orgulho comportamental necessitando se auto-afirmar a todo momento. 

 O avanço dessa causa não se dará pelo aumento do contingente de homossexuais na sociedade brasileira --esse vai se manter estável pois a população homossexual é geneticamente estável. O avanço vai se dar pelo aumento do contingente de heterossexuais desprovidos de qualquer sentimento de hostilidade ou preconceito.  A conversão de heteros em homos bem como aquele vice versa imaginado pelos pastores homófobos são igualmente ilusórios,  delirantes. 

 A questão não é se a sociedade cultua ou discrimina os gays. A questão é se a sociedade aprende a tolerar e aceitar as diferenças. Quando olhamos a questão por esse ângulo entendemos que o caso não é de educação sexual mas o de educação cidadã e que o eixo político não é afirmar o “orgulho” mas ampliar  a aceitação do outro, do diferente. 

 Nesse sentido é mais importante, por exemplo,  dialogar com os evangélicos –esse contingente imenso da população brasileira--  em torno da aceitação das diferenças, do respeito ao outro e do fim à discriminação, do que ajudar a promover, entre eles,  os mais extremados e oportunistas indiretamente auxiliando-os a se tornarem porta-vozes de um contingente religioso que, de fato,  não representam ou representam mal.

 Por mais atraente a curto prazo que possa ser a exposição gerada pelo confronto, suspeito que ele seja contraproducente no plano maior que é o da construção de uma sociedade democrática, plural e sem discriminação que promova a felicidade e reduza o sofrimento.

Um comentário:

  1. Escrevi sobre essa questao no meu blog...
    "Jean Wyllys, assim como Marco Feliciano, não me representa. E você, já parou pra pensar que você pode defender um lado ou outro, sem que nenhuma dessas duas personalidades lhe represente?"

    http://bit.ly/10WuiaL

    Gostaria de sua opiniao.
    forte abc

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