A decisão dos sucessores de Hugo Chávez
de não sepulta-lo mas mantê-lo
embalsamado em eterno decúbito dorsal, exposto a visitação, tal qual Lenin, Stalin, por uns tempos, e Mao
Tse Tung é uma concessão a uma liturgia comunista ortodoxa --a de uma religião não-religião-- mas também uma tentativa de
perenizar o chavismo para além de qualquer hipótese de
alternância ou temporalidade democrática. É proclamar eterno seu regime.
Mumificar para resistir à inevitável
decomposição que segue a morte vem dos faraós e de seu vão desejo de projetar seu imenso poder para além da vida: pirâmides, múmias, escravos, escravas e animais
domésticos sacrificados para dar conforto ao soberano no reino do
além. As contemporâneas múmias comunistas seguem a mesma inspiração primordial.
Das múmias atualmente acessíveis conheço pessoalmente apenas uma: a do camarada Mao. Fui vê-lo na praça Tienamen, em Pequim, no seu mausoléu do lado oposto ao da
Cidade Proibida.
Claramente deixou de ser objeto de
adoração: não vi dentre as centenas de
pessoas enfileiradas o menor sinal de veneração ou estima. Vi
simplesmente uma curiosidade semelhante a minha, mórbida, por parte daquelas
pessoas vindas do interior da China mas também urbanoides, de classe média,
como uma chinezinha meio punk de argola no nariz, jeans rasgado no bolso de
trás e botinhas, na fila a minha frente.
A sala da câmara ardente é meio escura e bastante mal conservada. Fede a carpete podre. Mao está deitado --tive
a impressão de que era ele mesmo, não um boneco de cera, como afirmam ser o caso da de Lenin-- uma bandeira vermelha da China
cobre parte do seu corpo. Sua expressão é de um plácido tédio. É proibido
tirar fotos.
Múmias mais recentes inspiram emoções mais intensas. Certamente a de Chávez o fará por uns tempos, antes de virar
simplesmente objeto de voyeurismo turístico-político.
Mais abrasivo foi o destino da de Evita Perón vítima de repetidos atos de necrofilia por parte de um oficial do exército argentino dos que derrubou o governo do seu marido, em 1954, e sequestrou o seu corpo embalsamado, exposto na sede da CGT, em Buenos Aires, levando-0 para um local secreto onde deu vazão aos seus bizarros impulsos. O episódio tem uma prodigiosa descrição --macabra-- no livro de Tomaz Eloy Martinez, Santa Evita.
Mais abrasivo foi o destino da de Evita Perón vítima de repetidos atos de necrofilia por parte de um oficial do exército argentino dos que derrubou o governo do seu marido, em 1954, e sequestrou o seu corpo embalsamado, exposto na sede da CGT, em Buenos Aires, levando-0 para um local secreto onde deu vazão aos seus bizarros impulsos. O episódio tem uma prodigiosa descrição --macabra-- no livro de Tomaz Eloy Martinez, Santa Evita.
Seja como for a decisão de não enterrar Chávez,
com carinho, em sua aldeia natal, como aparentemente desejava parte de sua
família, mas transforma-lo em uma múmia neo-boliviariana não
anuncia nada de bom para o processo venezuelano. Demostra no plano simbolico uma vontade de manipulação permanente do povo e de perenização de uma práxis política e de um poder numa dimensão “maior que a vida”.
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