02/11/2011

O BASIC em Pequim: avançando no labrinito

A reunião do grupo Brasil, Africa do Sul, India e China busca uma ponte difícil com a União Européia para salvar o Protocolo de Kyoto propiciando uma segunda fase de compromissos.

Alfredo Sirkis

Na reunião em Beijing

Estou participando como observador parlamentar da reunião do BASIC, grupo informal do Brasil,Africa do Sul, India e China para o Clima. O objetivo da reunião é prepara-lo para a conferencia COP 17, em Durban, na África do Sul que se inicia no dia 28 de novembro. As circunstâncias são dramáticas porque essa será a oportunidade final antes de expirar, no final do ano próximo, o primeiro período de compromissos do Protocolo de Kyoto, assinado em 1997.

A diplomacia brasileira, aqui conduzida pelo experiente embaixador André Correia do Lago, tem como prioridade absoluta “preservar Kioto” , isto é: assegurar que haja o segundo período de compromisso e que a Europa e o Japão continuem presos ao seu Anexo I, o dos países com metas de redução de gases efeito estufa (GEE) legalmente obrigatórias. O Japão, a Rússia e a Austrália já avisaram que estão fora e a União Européia, num documento dirigido aos países do BASIC coloca claramente que só aceitará um segundo período de compromissos se for claramente definido um cronograma para que todas as “grandes economias” adotem também metas obrigatórias. Ela argumenta que atualmente, ao contrário do que sucedia em 1997, o aporte da Europa às emissões globais de GEE é muito secundário --cerca de 16%-- e não há mais sentido continuar solitariamente com essas obrigações quando os outros maiores emissores: China, EUA, Brasil, Índia, etc... anunciam apenas a objetivos voluntários sem vinculo legal.

Embora a China, o maior emissor e que juntamente com os EUA responde por 40%, nesse momento não o admita abertamente, dá a impressão de eventualmente poder aceitar esse tipo de compromisso, a partir de 2020, mas num contexto que no momento não se verifica: o de um compromisso imediato dos EUA na linha que havia assumido em Copenhagen, em 2009, e que no ano seguinte foi torpedeado pelo Senado e também de algum maior envolvimento dos países desenvolvidos no Fundo Verde do Clima.

Secretário executivo do MMA, Francisco Gaetani e embaixador André Corrêa do Lago
Os EUA poderiam impor pela via de uma regulamentação da EPA(Environmental Protection Agency) aqueles cortes de 17% com o ano base 2005 que Obama prometeu em Copenhagen mas não conseguiu entregar. Depende no entanto do Congresso para aprovar os mecanismos econômicos de mercado do cap and trade pelos quais ele contava viabilizar uma parte dessa redução. Dificilmente o farão antes de uma eventual re-eleição dele, em novembro de 2012. Se os republicanos vencerem o impasse será total. Até lá, no entanto, os EUA pouco se moverão e, nesse contexto, é altamente improvável que a China se comprometa com cortes obrigatórios nem mesmo para o pós-2020. A Índia nem isso. Defende que se aguarde os novos estudos do IPCC previstos para 2014 para aí ver o que se faz e se aferra a noção de que cortes absolutos e legalmente vinculantes das emissões devem se relacionados com o histórico de emissões e não com a situação atual. Algo discursivo e inócuo para lidar com o problema já que a preservação do clima depende da redução de emissões agregadas futuras. As passadas não são reversíveis. Esse critério deveria valer para o aporte ao Fundo Verde do Clima de acordo com o princípio poluidor-pagador. Já a Europa, em crise, dificilmente poderá renovar seus compromissos do Protocolo de Kyoto sem uma sinalização dos EUA e da China. Chegamos à quadratura do círculo que a diplomacia brasileira tenta arredondar.

Tudo isso torna-se tragicamente ridículo quando confrontado com o que os cientistas do IPCC vem colocando. Se todos os objetivos obrigatórios e voluntários anunciados em Copenhagen e reiterados em Cancun (inclusive os dos EUA) fossem religiosamente executados ainda assim estaremos a grande distância do mínimo necessário para manter a concentração de GEE na atmosfera abaixo dos 450 ppm que o IPCC afirma ser o limite para tentar manter o aumento da temperatura média do planeta em menos de dois graus. Na questão financiamento, transferência de tecnologia e apoio a adaptação dos mais vulneráveis, que depende mais dos países desenvolvidos, também estamos a uma distância abissal.

A diplomacia nesses encontros produz um universo virtual que acaba desconectado do fenômeno real do aquecimento global e das ameaças concretas que pairam sobre o planeta e sobre cada país especificamente. Nessa “bolha” diplomática o avanço ou não mede-se pela capacidade de se encontrar um wording --pode-se traduzir por palavreado-- consensual com suficiente dose de ambigüidade para ser aceito por gregos e troianos, cada um com sua interpretação subjacente. Nesse sentido é provável que essa reunião do BASIC avance numa fórmula que, eventualmente, possa atender os europeus condicionada a um compromisso dos EUA que nesse momento parece altamente improvável. Ou seja podemos “avançar” só que será dentro de um labirinto...

Delegação sul-africana
A pergunta muitas vezes me fazem é se não seria melhor deixar o Protocolo Kyoto ir para o espaço e deixar a crise escancarada frente a opinião pública mundial e apostar, a médio prazo, em sua mobilização contra os governos. Tenho duas razões para ainda concordar com nossa diplomacia e torcer para que se consiga de alguma forma o segundo período de compromissos do Protocolo de Kyoto: é o único documento que consagra o princípio de compromisso de redução legalmente vinculantes (legaly binding) e sua manutenção da lastro ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e a toda ainda incipiente mas promissora economia da redução de carbono um fator fundamental para fazer da redução de carbono uma espécie de commodity verde.


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