04/11/2011

BASIC: Bollywood sem happy end...

A reunião do BASIC em Pequim não conseguiu chegar a uma fórmula para viabilizar junto ao europeus seu objetivo de garantir a segunda fase de compromissos do Protocolo de Kyoto. Graças a India...

Alfredo Sirkis

Perplexidade...

Resumo da novela na reunião do BASIC em Pequim: a nova ministra do meio-ambiente e das florestas da Índia Jayanthi Natarajan frustrou os planos do Brasil e da África do Sul para um resultado que lançasse uma ponte de entendimento -- uma pinguela que fosse -- com a União Européia com vistas à um entendimento para o segundo período de vigência dos compromissos do Protocolo de Kyoto, considerado por todos quatro países presentes seu objetivo primordial para a Conferência de Durban a se iniciar no dia 28 deste mês.

A coisa já está mal parada com o anúncio do Japão e o aviso-prévio da Rússia de que não ficam no marco de Kyoto após o final de 2012. Teme-se que outros países como Austrália, Nova Zelândia e Canadá também o façam. Os países da União Européia gostariam de permanecer mas colocam condições que explicitaram num documento enviado ao BASIC ao qual tive acesso. Nele afirmam que a situação desde 1997, quando o Protocolo de Kyoto foi assinado, mudaram muito e que atualmente eles são responsáveis por apenas 16% DAS emissões de GEE do planeta e não podem continuar sendo os únicos com metas legalmente vinculantes (legally bounding) para corta-las. Querem que as “grandes economias” (leia-se EUA e China) e os países emissores significativos, em geral, pelo menos sinalizem que as assumirão no futuro. Hoje os países de fora do Anexo I de Kyoto, entre os quais o Brasil e a China, apresentam objetivos voluntários enunciados e “anotados” pela ONU na Conferência de Copenhagen, em 2009.

Nossos negociadores, uma equipe muito competente de diplomatas dirigida pelo embaixador André Corrêa do Lago que na conferência foi encabeçada pelo secretário geral do MMA Francisco Gaetani, procuravam o “jeitinho brasileiro” para responder favoravelmente à União Européia. Um aceno do tipo que o BASIC, ao começar pela China, toparia metas obrigatórias, a partir de 2020, caso os EUA também o façam. A China nas nossas sondagens informais com o chefão do partido Xie Zhenhhua, o negociador-chefe Su Wei e sua diretora de Clima, Lia Gao, com a qual me reuní, nunca explicitamente toparam isso. Mas a delegação, comandada por Xie Zhenhua, formalmente vice-presidente da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, insistentemente referia-se a disponibilidade chinesa para fazer “concessões” para preservar Kyoto embora nunca as tenha explicitado porque a ministra do meio ambiente da Índia, a novata Jayanthi Natarajan, assumiu de forma incisiva seu papel de “Madam No”, vilã de um dramalhão de Bollywood. Vestida com um sarong verde e com cara de poucos amigos --não participou do almoço com os outros ministros-- ela não admitia que o BASIC se afastasse um milímetro sequer do entendimento das “obrigações comuns porém diferenciadas” da forma que eram entendidas na década de 90: só os países desenvolvidos deveriam reduzir suas emissões, os em desenvolvimento deveriam primeiro se desenvolver para depois reduzir.

Mas o que fazia sentido nos anos 90 mudou muito nos dias de hoje. A China ultrapassou os EUA em emissões e o mundo em desenvolvimento caminha para ser responsável por 70% das emissões dentro de poucos anos. As obrigações comuns porém diferenciadas devem evoluir para o entendimento que todos devem cortar suas emissões --o que determina o futuro do clima são as futuras emissões em absoluto, não as históricas ou o cálculo per capita, por mais pertinentes que sejam-- mas, aí é que está o ponto: a conta de uma economia de baixo carbono é deve ser paga na proporção da responsabilidade do acúmulo de GEE na atmosfera, desde o início da era industrial, segundo o princípio “poluidor pagador”. Por essa linha de raciocínio, que venho propugnando insistentemente, os países desenvolvidos teriam que se responsabilizar por 70% do financiamento a longo prazo para a transição rumo à economia mundial de baixo carbono. As economias emergentes não podem aspirar a repetir a trajetória do seu desenvolvimento poluente para só depois --lá para o final do século-- assumir compromissos legalmente vinculantes de corte de GEE. Porque até lá estaremos literalmente fritos pelo aquecimento global. Mas essa tese que a própria China começa discretamente abandonar foi reafirmada em todo seu dogmatismo pela senhora Jayanthi Natarajan.

A África do Sul, país anfitrião da COP 17, a se iniciar em menos de um mês, estava representado por duas ministras importantes, a de relações exteriores, Maite Mashabane, que vai presidir a Confrência de Durban, e a do meio ambiente e águas Bomo Edna Molewa. Mashabane foi ainda mais explicita que os brasileiros em relação a conveniência de um gesto positivo em direção a Europa. Ela já se move --e com muito charme-- pensando no seu papel de presidente da Conferência de Durban. A tensão entre ela e a senhora Natarajan era visível e ficou registrada nas fotos que tirei no encerramento da reunião. Muito significativa foi a ausência das duas ministras sul-africanas na conferência de imprensa final. Enquanto a China, Brasil e Índia sentaram à mesa com seus representantes de nível ministerial a África do Sul numa sinalização clara de “não me comprometam com esse negócio aí” mandou apenas seu negociador chefe, o branco Alfred Wills.

O documento do BASIC é primor de “diplomatês” que repete formulas consagradas e vagas com um apecto preocupante que abordarei adiante. Ressalta claramente a prioridade do BASIC em obter a prorrogação de Kyoto para um segundo período de compromissos dos países do Anexo I mas deixa de formular qualquer sinalização de que é preciso “combinar com os russos” --originalmente na historia envolvendo o técnico Feola e Mané Garrincha, eram os tchecos-- como se diz. Queremos obrigar os países europeus do Anexo I que ainda não roeram a corda a permanecer mas não lançamos nem uma pinguelazinha para o entendimento com eles por obra e graça da senhora Natarajan e seu governo.

É claro que a dinâmica de Durban poderá levar ao BASIC e mais especificamente a China, que é quem mais conta, a dar esse passo que o Brasil e a Africa do Sul procuravam obter no BASIC. Mas sob os holofotes do mundo e na presença de 193 países vai ser mais complicado. Foge-se daquela boa e velha recomendação tancredista: a boa reunião é aquela onde já foi tudo previamente acertado. Não será o caso. O grande personagem oculto mas subjacente a isso é o segundo maior país emissor e o maior em responsabilidade história: os EUA. Nada se pode esperar dos americanos até novembro de 2012. Se Barack Obama, for reeleito terá nova oportunidade para entregar o que prometeu em Copenhagen e não fez por veto do Senado. Se ganharem os republicanos, bau-bau... eles não acreditam em mudanças climáticas.

Um dos pontos mais preocupantes do documento do BASIC é uma passagem em que há referência ambígua à necessidade de se aguardar a quinta reavaliação científica que o IPCC vai divulgar, em 2015, inclusive para se reexaminar a pertinência do limite dos 2 graus, como máximo tolerável para o aquecimento médio do planeta nesse século. Claro, o IPCC está constantemente refinando seus estudos e apresentando novas conclusões (que quase sempre apontam para uma situação mais grave do que aquela anteriormente apresentada). Mas os dados atuais já são mais do que suficientes para sabermos que todos e, sobretudo, a China e os EUA, que respondem por 40% das atuais emissões de GEE, precisam cortar suas emissões e a melhor maneira para isso são compromissos legalmente vinculantes. Quanto mais cedo, melhor.

No entanto, esse não era clima da reunião do BASIC. Nestes processos diplomáticos não se percebe o menor sentido de urgência. Tudo gravita em torno de siglas, textos e formulações previamente consagradas que acabam criando um universo paralelo alheio às secas, ondas de calor, furacões, enchentes, elevação dos mares, crises agrícolas, desertificação, fome, ondas de refugiados climáticos escancaradas nos últimos anos e com seu agravamento garantido no futuro. Restando apenas saber se o processo tornar-se-á exponencial e catastrófico. Nessas reuniões a “verdade inconveniente” do aquecimento global do planeta é pasteurizada em diplomatiquês. Ao condicionar eventuais novos compromissos para a “revisão científica de 2015” o documento abre brechas para os negacionistas e céticos, a começar pelos republicanos em plena campanha, nos EUA.

Nesse sentido a posição intransigente da Índia pode ser vista sob nova luz. Se Kyoto vai para o espaço, desaparece a pressão e o desgaste sobre os EUA, ninguém mais terá compromissos “legalmente vinculantes” e os americanos, parias climáticos, desde que se recusaram a ratificar Kioto, no governo Bush, ficam a cavaleiro. Nesse sentido não passou despercebida uma curiosa pergunta feita, na conferência de imprensa, por um jornalista chinês, da oficialíssima agência Chin Hoa, à senhora Natarajan a quem até então ninguém perguntara nada: como a Índia via seu papel no BASIC à luz de suas relações privilegiadas com os EUA. Ela se saiu politicamente dizendo que seu país tinha também relações privilegiadas com a China –o que não é bem assim...-- e olhou o repórter de cara feia.

Seja como for o radicalismo vilã de Bollywood nos levaria, numa outra época, a eventualmente tacha-la de “agente do imperialismo”. Atualmente é apenas a representante de um governo sem noção. Seu subserviente chefe negociador Jayant Mauskar, no almoço ne véspera, já me deixara alarmado ao garantir que não havia claras evidências científicas que as geleiras do Himalaia estivessem de fato derretendo. Na sua visão –que contraria estudos retificados e ratificados do IPCC-- “uma parte está derretendo, mas uma parte está aumentando, assim que não há uma conclusão científica clara”. É onde os vilões climáticos de Hollywood e Bollywood se encontram e Rick Perry, governador do Texas, se apaixona por Jayanthi Natarajan. Sem final feliz.

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Foto eloquente: No final Mashabane visivelmente aborrecida com Natarajan(de verde)
O poderoso Xie Zhenhua e a ministra da India. Rola um clima frio...















Xie Zenhua mais animado
A conferência de imprensa sem as ministras sul-africanas















A mesa de negociação...
Com Maite Mashabane, a futura presidente da Conferência de Durban

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