A possibilidade
de manter as mudanças climáticas num limite aquém do catastrófico,
no tempo de vida das gerações de nossos filhos e netos, deteriora-se
a olhos vistos. A Conferência de Madrid apenas confirmou a tendência.
Houve aquele efêmero momento
otimista da Conferência de Paris que agora retrocedeu. O relatório do IPCC sobre às perspectivas para 1.5 graus revela que manter a temperatura no planeta
abaixo dos 2 graus, até o final do século, não resolveria questões
cruciais como o derretimento das geleiras, uma forte elevação do
nível dos oceanos, atingindo centenas de milhões de moradores de áreas
litorâneas, e diversas outras consequências graves.
Os Compromissos Nacionalmente Determinados (NDC), anunciados antes do Acordo de Paris, se todos religiosamente cumpridos, todos, apontam para uma trajetória de 3,2 graus. Em 2030, estaríamos ainda emitindo um de 12 a 15 bilhões de toneladas (Gt) de gases-estufa a mais na atmosfera para termos uma trajetória mais próxima dos 2 graus. E a atual disposição de certos países fundamentais no jogo para cumprirem suas respectivas NDCs parece, no mínimo, incerta.
Na trajetória
inercial em que nos encontramos, hoje, vamos embalados, para mais de 4,5 graus
ao final do século. Se olharmos as consequências recentes de uma aumento
de "apenas" 1,1 grau, já acontecido, desde o início da era
industrial, o quadro diante de nossos olhos fica deveras assustador:
todos esses furacões, ondas de calor, incêndios, estiagens, enchentes,
danos à infraestrutura e à agricultura cada vez mais frequentes e mais
intensos, ano a ano. Já podemos entrever, realisticamente, sem exagero
algum, o futuro não muito distante do planeta. Infernal.
A literatura mais
recente é francamente aterradora. Estou lendo --mas não à noite, para preservar
o sono-- The
Uninhabitable Earth, de David Wallace-Wells. Punk. Meu
amigo Yves Cochet, ex-ministro do meio ambiente da França, acaba de lançar um
livro ainda mais apocalíptico Devant
l’effondrement : Essai de collapsologie. Esse ainda não li.
Como se não
bastassem as notícias ruins da ciência, assistimos ao retrocesso
político internacional simultaneamente à retomada do
aumento anual das emissão globais, no agregado.
Por um momento,
parecera que elas haviam atingido seu “pico”, em 2013, já que de 2014 a 2016
houve uma ligeira queda, isso em anos em que o PIB mundial
crescia na casa dos 3%. Houve, então, aquele momento de otimismo.
Considerou-se um possível o “divórcio” entre o PIB mundial e
emissões.
Em 2017, no entanto, o maior uso de térmicas a carvão na China, por causa da estiagem, disparou alarmes. Em 2018 e, também, em 2019 houve uma retomada nítida do crescimento global do CO2 emitido pelo carvão, petróleo e desmatamento, esse, principalmente, no Brasil e na Indonésia e com os mega-incêndios na Russia (Sibéria) e na Austrália. Além disso detecta-se um aumento da emissão de metano provavelmente do vazamento na extração, transporte e refino do gás de folhelho (shale gas)
Apesar disso é
provável que as emissões diretas tendam a se estabilizar nos próximos anos embora permaneça a icógnita sinistra dos chamados feedbacks --a
liberação de metano pelo próprio derretimento das geleiras e da tundra siberiana e a redução da capacidade de absorção de carbono por florestas tropicais
e pelos oceanos. A escala precisa desses feedbacks ainda constituam incógnita centífica. Por aí poderea vir o apocalipse, sengundo as obras que mencionei e outras.
O “pico” das emissões globais, diretas, de gases-estufa e o início de sua redução, em números absolutos, ainda está por vir. Poderá, de fato, acontecer nos próximos 15 anos, antes de 2030. Cada ano em que isso não aconteça, mantendo-se o atual crescimento de perto de 1%, mais difícil ficará para compensar, mais adiante, com reduções mais drásticas.
Mas para termos 1.5 graus, afinal do século, teríamos que reduzir as emissões em 45% até aquele 2030. Na situação mundial atual isso é praticamente impossível de acontecer. No contexto atual, 2 grau também aparece como uma meta sobremaneira difícil ainda que teoricamente factível em determinadas condições que no momento não se dão.
O negacionismo
climático de Donald Trump produz retrocessos em dominó --embora a curiosamente a queima do carvão continue a cair no seu governo por razões
puramente de mercado que ele não consegue reverter embora tente subsidiá-lo.
A política não
sabe como enfrentar a mudança climática, nem global nem nacionalmente, nos menos de dez países que realmente contam em termos de emissões.
Solução alguma virá dessas reuniões anuais da UNFCCC , as Conferencias das Partes (COP) porque seu avanço, incremental, é sempre travado pelo denominador comum mais atrasado. Antes os vilões eram a Arábia Saudita e a Venezuela. Agora lideram os empata-fodas os EUA, a Austrália, o Brasil e ali, meio na encolha, o Japão.
Na COP de Glasgow, em
2020, nem com muito uísque os países que realimente têm peso: China, EUA,
Índia, Russia, Indonésia, Brasil, Japão –com exceção da Europa menos
Polônia-- vão apresentar NDCs mais
ambiciosas.
É sempre a economia,
estúpidos!
A “solução” não virá do
sistema ONU nem do voluntarismo de governos por mais que esse seja desejável. Ainda que tivessem uma vontade política que não têm. A questão chave é pura e simplesmente econômica! The fucking
economy, stupid!
Vejam: a
tecnologia para um mundo carbono neutro já existe! Em meados dos
século, o
transporte a combustível fóssil será coisa do passado. O
maravilhoso petróleo do Pré Sal, daqui a menos de 20 anos, vai ter
que competir , desesperadamente, por um mercado sempre minguante, com países com custos menores de extração onde o petróleo praticamente
aflora no deserto. Mais de 60% do petróleo atualmente em condições
de ser explorado vai virar stranded assets (recursos
"extraviados" ou interditos)
A indústria do petróleo já sabe disso mas o poder do engano e do autoengano é imenso. E a industria automotriz pensa manter mercados fósseis, residuais. O Brasil parece candidatar-se ser um deles, pelo menos nos planos da Anfavea... Os stranded assets é um problema econômico e social futuro muito sério. Terá que haver uma definição sobre o valor econômico a ser atribuído ao petróleo não extraído para evitar emissões. Um problema de precificacão positiva.
Para absorver carbono
numa escala compatível com 1.5 grau a humanidade também terá de reflorestar
uma superfície do tamanho do território dos EUA. O Brasil, com pelo menos
60 milhões de km2 de pasto degradado, tem algo a dizer a
respeito.
De onde virão dos três a
cinco trilhões de dólares, por ano, para financiar a descarbonização,
inclusive para compensar os “perdedores” vinculados à economia fóssil, cujo
poder, como vimos na França, em 2018, com os “coletes amarelos”,
ou, mais recentemente, no Equador e no Irã, há que ser levado em consideração.
Além de financiar a transição propriamente dita –solar, eólica, veículos
elétricos, mega reflorestamentos, novas tecnologias industriais e de
construção-- será
preciso compensar uma legião de perdedores.
E temos ainda a conta da adaptação. Coplicadíssima de calcular. O número que tenho ouvido são seis tri por ano...
Nenhum governo tem esses
recursos. É simplesmente ridículo, uma tentativa revoltante de fazer de idiotas
as pessoas, apostar nos tais 100 bilhões de dólares que os países desenvolvidos supostamente disponibilizariam, a partir do ano que vem, todo anos. A verdade é a seguinte: em dinheiro vivo mesmo tem uns 10 bi, apalavrados uns 60 bi, ao todo, e só idiotas ou desonestos
podem continuar afirmando que a partir de 2020 os países ricos vão
proceder a uma transferência norte-sul de liquidez dessa ordem, metade para
mitigação, metade para adaptação (aliás tipos de demandas totalmente
diferentes e administrados de formas completamente distintas).
Os governos dos países desenvolvidos simplemente não têm esses recursos e sua opinião pública, invariavelmente trabalhada por fortes grupos xenófobos e anti-emigração, limita sobremaneira sua margem de manobra. Os EUA de Trump já sairiam da jogada, a UE e o Japão, junto com as agências multilaterais, não têm a menor possibilidade de assumir esse compromisso conforme originalmente imaginado embora possam eventualmente fazê-lo na forma de garantias para um Fundo Garantidor capaz de alavancar recursos do setor financeiro privado. A tal blended finance.
Esses três a cinco trilhões anuais --os previamente anunciados cem bilhões além de tudo eram é ridiculamente escassos, peanuts-- para mitigação podem ser encontrados num sistema financeiro privado global que movimenta uns 220 tri. Essa dinheirama pouco converge para a economia produtiva "real". Há muitos trilhões de fundos de pensões, fundos soberanos e bancos de investimento, aplicados atualmente a juros muito baixos --até negativos-- que poderiam ser mobiliaados para financiar a descarbonização desde que existissem garantias oferecidas por um grupo de governos ricos e bancos centrais confiáveis. Mas isso é uma parte apenas. O essencial está numa revolução do próprio sistema de valores da economia, ou seja no reconhecimento um novo padrão ouro: o do menos-carbono.
Para fazer frente
à catástrofe climática anunciada é necessária uma revolução. Isso mesmo,
uma re-vo-lu-ção. Só que não dessas de fuzilar gente, com heróis, mártires e brutais ditadores mas uma revolução cultural-financeira, mexendo no paradigma de valor econômico. A emergência de um novo valor, conversível,
em bens, serviços e tecnologia descarbonizante. Por que não uma nova moeda, o menos-carbono? O novo
ouro!
O novo ouro???
Em 2015, o Brasil
conseguiu introduzir no preâmbulo do Acordo de Paris o Parágrafo 108, por
força de barrocas articulações de quem lhes escreve e do diplomata Everton
Lucero. É formulado no jargão diplomático que deu par ser negociado com o G-70 + China, EUA e UE que diz: "Reconhece o valor social, econômico e
ambiental das ações de mitigação voluntárias e seus
co-benefícios para a adaptação, a saúde e o desenvolvimento sustentável;"
O "x"
da questão está no reconhecimento do valor (...)econômico(...)
das ações de mitigação voluntárias, sinônimo de menos-carbono. A expressão "voluntárias" ficou propositadamente
ambígua, podem ser ações para além da NDC. Mas as NDC são, elas próprias, um compromisso voluntário por tanto, numa interpretação, poderiam ser aplicadas também a elas.
Pessoalmente, penso que seria mais apropriado e compatível com a coexistência de um mercado de carbono, elas serem remuneradas "over the cap", "acima" das NDC no esforço adicional rumo à neutralidade de carbono.
De qualquer forma ficou estabelecido que reduzir emissões ou retirar carbono da atmosfera passava a ter, desde Paris, valor econômico, intrínseco. O menos carbono vale dinheiro!
Pessoalmente, penso que seria mais apropriado e compatível com a coexistência de um mercado de carbono, elas serem remuneradas "over the cap", "acima" das NDC no esforço adicional rumo à neutralidade de carbono.
De qualquer forma ficou estabelecido que reduzir emissões ou retirar carbono da atmosfera passava a ter, desde Paris, valor econômico, intrínseco. O menos carbono vale dinheiro!
É um tipo de valor
diferente do proveniente dos “créditos de carbono” nos quais compra-se uma redução de emissões de outrem para atender à uma meta, que não se
logrou. Isso é algo que, novamente, não conseguiu ser regulamentado, em Madrid, por causa do impasse nas negociações do Artigo 6º. Em boa parte graças ao Brasil...
Pessoalmente, não
acredito tanto no MDS, sucedâneo do MDL. Num tempo em que todos os países têm suas
NDCs, --e elas são tão díspares-- se possa mobilizar recursos muito significativos. Mas pode eventualmente ser
útil under the cap. Acredito mais em mercados regionais/internacionais e voluntários mas não vou aborda-los aqui.
Quero voltar à revolução, que será a precificação positiva do carbono. Ela já tem manifestações pr´ticas, cou outros nomes: a remuneração que a Noruega dava ao Fundo Amazônia pela redução do desmatamento (seus km2 são facilmente conversíveis em toneladas de emissões de CO2 reduzidas) era pura precificação positiva com outro nome.
Quano me 5refiro ao "novo ouro" não uso uma
metáfora descabida, nem delirante, pois se trata, para a humanidade, de
um momento análogo ao que ocorreu há milênios quando aconteceu a “invenção” do ouro
como um valor dado na abstração de
troca, baseada na confiança, e aplicada a qualquer bem assim transformado em
mercadoria, numa economia até então dominada pelo escambo.
Já
discutimos diversas maneiras de potencializar essa “precificação positiva” do
menos-carbono. É o oposto simétrico daquela precificação de carbono da
qual tanto se fala, discute, estuda e, eventualmente, tenta aplicar. Essa é a precificação real, ou “negativa” do
carbono que vem obtendo um sucesso ate agora limitado.
Serve para taxar o carbono, servir de referencia para seus mercados e de "shadow price" (um preço "sombra", simulado) para as empresas se prepararem para quando essa precificação "negativa" venha a ter força de Lei, taxado assim as óbvias externalidades negativas das emissões e suas consequências deletérias de efeito local.
Ambas formas de
precificação do carbono a "real, negativa" e a "positiva" valem. Não são contraditórias, partem da uma mesma consideração: apenas uma é o "porrete" e a outra a
"cenoura". As duas são necessárias mas os luminares do
pensamento econômico climático preferem ignorar a "cenoura"
por conta e risco dos governantes e dirigentes que assessoram e a cujas agruras assistem nas ruas, depois.
A Iniciativa 108
A precificação
positiva, como vimos, foi instaurada no Parágrafo 108 da Devisão de Paris
(o preâmbulo do Acordo) por proposta do Brasil numa articulação feita por mim e
pelo Everton Lucero. O princípio está lá: o reconhecimento por 196 governos do
valor social, econômico e ambiental das ações de mitigação.
Mas sua instrumentalização não avançou.
Não conseguimos
--ainda espero-- sensibilizar governos, bancos centrais, bancos de
desenvolvimento. O Banco Central Europeu, na sua fase de quatitative
easing imprimiu liquidês a rodo para comprar todo tipo de papeis mandrakes mas,
obtusamente, não pensou em lastrear certificados de redução/sequestro de
emissões, em instituir uma moeda do clima para ações de descarbonização.
Ignorou as chances de precificacão positiva do carbono que poderiam ter
dinamizado mais a economia e gerado muito empregos.
Os
grão-economistas climáticos acharam a ideia “interessante” mas como não foram
contratados para desenvolve-la preferem ficar brincando com a ilusão do Banco
Mundial de que a precificação real do carbono para efeito de taxação, mercado
ou shadow pricing avança avassaladoramente no planeta, pelo menos, nos seus Power Points.
Isso simplesmente não partece estar acontecendo, no mundo real, pelo menos em escala capaz de fazer frente a crise climática e prevenir a catástrofe.
Isso simplesmente não partece estar acontecendo, no mundo real, pelo menos em escala capaz de fazer frente a crise climática e prevenir a catástrofe.
Poucos
no establishment parecem perceber o potencial revolucionário
disso e aqueles que percebem, por diversas razões, temem botar a cara a
tapa, Nossa Iniciativa 108, com pensadores como os professores Jean
Charles Hourcade, Micheal Aglietta, Dipak Dasgupta, Seyni Nafo e outros
decidiu, pelo momento, se fixar num mecanismos de precificação positiva, mais
imediato e menos ousado que é um Fundo Garantidor para projetos
descarbonizantes. O establishment vem reagindo melhor a isso que denomina
de blended finance.
Em 2020, dá vontade de chutar o pau da barraca. De começar a
imaginar que a precificação positiva poderá se desencadear
totalmente fora das esferas oficiais e que a descarbonização
será alavancada por uma critptomoeda lastreada no menos-carbono. Nesse caso dependerá
mais de Greta, Madonas, especialista em block chain, hackers e
de um gigantesco movimento de revolução cultural nas ruas e na internet.
Já existe um montão de
criptomoetas. A mais famosa, totalmente artificial –e daninha
ambientalmente-- o Bitcoin, continua apesar de Bancos
Centrais terem prognosticado sua morte tantas vezes. Depende de uma “mineração”
informática de block chain, complicadíssima e que acarreta
imenso gasto de energia, sobre tudo na China onde ela provem
principalmente do carvão.
A moeda do clima seria
bem mais fácil!
Uma criptomoeda
(com vocação de moeda) lastreada simplesmente no menos-cabono para o qual já
abundam mecanismos técnicos de certificação, no próprio sistema da ONU, herdados
do MDL(CDM em inglês o antigo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) é uma arma cujo potencial não pode mais ser
desprezado.
Futuramente,
poderá inclusive, servir para rever o papel geopolítico desproporcional,
absurdo do dólar. Lord Keynes tentara evita-lo,
inutilmente, em Bretton Woods, em 1944, ao propor o Bancor, uma
moeda internacional lastreado pelo ouro. A ideia
foi fulminada pelos americanos. Um moeda internacional lastreada pelo menos
carbono poderia talvez realizar seu sonho.
O mundo só
tem a perder sua impotência diante da mudança climática. Hackers, pop-stars e
formadores de opinião de todo o mundo uni-vos: viva a criptomoeda do
menos-carbono!
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