A agressão
a faca contra Jair Bolsonaro é condenável sob qualquer ponto de vista.
Aparentemente, o agressor é um maluquete, ex-filiado o PSOL, mas com um discurso onde
surgem ingredientes típicos de extrema direita como o ódio à Maçonaria. É um fachoesquerdófilo sinal dos tempos, gênero Lee Harvey Oswald.
Os extremos se emulam. Um país
democrático depende da existência tanto de uma esquerda democrática quanto de
uma direita civilizada. Uma esquerda autoritária e uma um direita selvagem
conduzem em última análise à destruição de um país. Será o nosso destino?
Na situação em que estamos discursos
radicais fomentam mais violência com risco de circulo vicioso. Mas essa não
foi tanto uma situação clássica de violência ideológica organizada –incomum no
Brasil-- mas o reflexo de uma doença do inconsciente
coletivo, da psique social brasileira, depois de três anos de crise econômica
aguda, da exacerbação emocional, no limite da histeria, da justa luta contra a
corrupção por parte de determinados agentes –o MP em busca de poder, a grande mídia em busca de
audiência e de influência política-- e da
pulverização e tribalização da nossa sociedade. Se dá num contexto de reverberação crescente
do discurso identitário, intolerante e autoritário, tanto à direita como à esquerda.
Dias antes do lamentável atentado, Bolsonaro teatralizou com um tripé de fotógrafo o ato de metralhar petistas
no Acre, um estado onde diversos sindicalistas seringueiros –inclusive Chico Mendes—foram
assassinados e onde o sinistro deputado Hildebrando picava os cadáveres de suas vítimas
com motosserra. Bolsonaro já havia dito, antes, que faltou matar 30 mais mil pessoas na ditadura e que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deveria der fuzilado.
“Brincadeiras”
dizem seus seguidores, fingindo ignorar que certo tipo de discurso provoca morticínios
como tantas vezes vimos pelo mundo afora com discursos ideológicos ou religiosos fanáticos que incitam a violência. Não se bule com esses demônios.
Sempre me intrigou a distancia entre esse discurso tão assustador e o Jair que conheci na proximidade parlamentar. Já comentei aqui que nos seis anos que convivi com o ele, na Câmara Municipal do Rio e, depois, na de Câmara Deputados, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, mantínhamos um
relacionamento cordato, quase amistoso. Eu identificava no seu discurso, provocador, um quê de pirraça, uma coisa meio enfant terrible. O ex-capitão, sindicalista
dos militares e policiais, cultivava a estratégia Trump antes do Trump: criar polêmicas
extremadas para chamar a atenção. Cultivava uma parceria objetiva com os histéricos do outro
lado, que também sabiam retirar seu dividendo eleitoreiro, e a mídia que adora essas coisas.
Minha maneira de discutir com ele era outra. Quando polemizávamos eu costumava a recorrer
ao humor. Uma vez, na Comissão, ele me acusou de ignorar "o maior problema ecológico
da humanidade”. “Qual seria esse problema, Jair?” “O crescimento
descontrolado da população”, assentiu. “Se você pensa assim, deveria ser um
grande adepto do casamento gay”, respondi. Gargalhada geral na Comissão. Jair
riu também.
Algumas vezes me interroguei se aquele Jair
que eu conhecia e mantinha relações cordiais comigo, como, anteriormente, com o Gabeira --dois ex-guerrilheiros dos
tempos da ditatura, agora pacíficos e convertidos ao centro esquerda-- seria
capaz de nos pendurar no pau de arara num eventual advento de um novo regime
autoritário por ele comandado. Francamente é uma pergunta para mim sem resposta
e não quero pagar para ver.
De qualquer modo, minha principal preocupação com ele nessa
campanha é seu flagrante despreparo para algo tão difícil quanto o exercício
da Presidência e o inevitável caos social econômico e de convivência cidadã de um governo por ele presidido.
Minha grande preocupação com o Brasil é menos uma nova ditadura que repita o
regime de 64-85 do que a "síndrome dos estados falidos" com a generalização de ditaduras militares locais, da bandidagem e das ditas milícias, disseminadas
por comunidades e bairros numa reedição dos senhores de guerra feudais numa era pós-moderna.
Isso pode se dar tanto pela esquerda --por um chavismo madurismo patropi-- quanto
pela direita, numa “fugimorização” que dá errado depois de uma tentativa, fracassada, de implantar um regime forte centralizado, hoje muito mais difícil
de repetir. No que pese a nostalgia de alguns. Não é de todo impossível, Duterte, Erdogan, Putin e Sisi estão aí para atestar mas certamente muito mais difícil que nos idos de 64.
O atentado tresloucado irá favorecer o Bolsonaro? A lógica
política convencional diria que sim. A vitimização traz simpatia, aí está o próprio Lula para confirmar. Uma outra linha de raciocínio levantaria duas questões que
deixam pairar dúvidas no ar: será que a caracterização de Bolsonaro como, ao mesmo tempo, fomentador e vítima
de violência não soará o alarme na cabeça da maioria eleitoral brasileira que sempre
foi moderada? Não aumentará seu receio de que uma eventual
presidência sua exploda a violência no país?
Talvez o efeito mais imediato do atentado seria o de quebrar aquele elã emocional da campanha do PT. Retardar o processo de transferência de votos de Lula para “Andrade”, quero dizer Haddad, ao priva-los do monopólio da vitimização.
Essa vitimização, costumeiro fetiche da esquerda, não necessariamente funciona da mesma a maneira pelo lado da direita. Ali o chefe tem que ser forte, inatingível, invulnerável, um super herói. A imagem dele numa situação de fragilidade, se contorcendo de dor, o reduz a uma dimensão
humana, quebra um pouco aquele elã do chefe guerreiro que vai resolver no tiro e na porrada, que, até agora, havia sido um grande chamariz para o
eleitorado “indignista” formado o longo de três anos de crise econômica e histeria midiática.
Nesse contexto, Ciro Gomes pode obter alguma vantagem
já que, nesse momento, apresenta uma dinâmica mais ascendente que Marina e Alquimin,
os dois outros candidatos com quem compartilha da minha indecisão. Qual dos três, afinal, vai se afirmar como alternativa viável a um assustador segundo turno entre Bolsonaro
e “Andrade”?
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