O presidencialismo de coalizão do qual padecemos demanda ao
chefe de estado assumir diretamente a tarefa de constituir maioria parlamentar para
governar e não ser inviabilizado. Em quatro presidentes eleitos tivemos dois
impeachments (e um ex-presidente preso) por circunstâncias direta ou
indiretamente relacionadas à governabilidade e seus percalços.
Num dos meus surtos “sincericidas” certa vez disse a
Marina que faltavam-lhe os defeitos necessários para ser presidente, no atual
regime. Não a imaginava regateando com deputados, um a um, cultivando seu
fisiologismo, seguidamente, em circunstâncias cada vez mais difíceis. Ou resiliente à ferocidade da mídia, na era
das redes sociais, do fake news e do tribalismo exacerbado, sob
fogo cruzado da direta como da esquerda. Fernando Henrique Cardoso --nosso único
presidente não impichado ou preso-- uma
tarde, no Alvorada, numa conversa comigo, Gilberto Gil e Fernando Gabeira,
comentou: “é muito difícil passar por isso aqui sem perder a humanidade,
continuar sendo gente”.
Temos
uma institucionalidade primitiva: o
chefe de estado se expõe no dia a dia, na primeira linha de trincheira. Crises
agudas não encontram um desenlace institucional, normal. A única forma de fazer
cair um governo inepto ou simplesmente desgastado é, como no caso Dilma, forçar
a barra de um impeachment formalmente questionável.
“Governar com os melhores”,
direis? Os melhores são minúscula minoria nos partidos e no Congresso. O próximo,
eleito pelo mesmo sistema eleitoral, o sistema proporcional personalizado –
nosso voto jabuticaba-- tende a ser mais da mesma coisa. Poderá variar a
composição dos cerca de 20% eleitos pelo voto urbano de classe média, que
tenderá mais à direita e à extrema esquerda. Mas a imensidão do voto
clientelista, assistencialista, crente, curralista, direta ou indiretamente
comprado, dos restantes 80%, seguira a produzir o mesmo tipo de representação.
As circunstâncias pós-Lava Jato e o atual sistema de
financiamento de campanha favorecem o chamado baixo clero. Podem mudar os
personagens mas o tipo de composição, pulverizada, continuará a ser similar.
Durante quatro anos, com seus mandatos garantidos, eles poderão arrancar
benesses do executivo dando-lhe sempre uma sustentação precária, chantagista.
Já com a espada de Dêmocles da dissolução e das eleições antecipadas a coisa
muda de figura.
Posso até imaginar Marina, bem sucedida, num regime parlamentarista, como chefe de estado
e garante das instituições. Convocando como primeiro ministro um líder político
com alguma identidade programática para formar maioria parlamentar. O governo poderá
cair, naturalmente, por um voto de desconfiança. Se o Congresso não for capaz
de produzir uma maioria estável para governar a contento, o (a) presidente pode
dissolve-lo e convocar eleições.
A maioria parlamentar assim obriga-se a
colocar -perdoem a vulgaridade- o seu na
reta a dar estabilidade ao governo. O (a) presidente sanciona as Leis e pode
veta-las. Comanda as Forças Armadas, garante a Constituição, é símbolo da República,
da brasilidade aos olhos do mundo, mas não governa no dia a dia.
Por duas
vezes na nossa história o parlamentarismo foi derrotado em plebiscito. As esquerdas
sonhavam com um presidencialismo “forte”, caminho de reformas. A maioria
eleitoral temeu que ele resultasse em “mais poder para os políticos”.
A
preocupação procede. É fácil ficar assustado olhando para essas figuras e
imaginando –equivocadamente—que o parlamentarismo lhes ofereceria total
poder. É certo que traz novos riscos e desafios mas teria que aportar seus antídotos:
a dissolução do Congresso para eleições antecipadas, a adoção do voto distrital
misto para melhorar a sua composição e enxugar o quadro partidário, o fortalecimento do serviço público, concursado,
limitando os cargos comissionados.
Se
temos, pelo mundo afora, democracias
parlamentaristas bem sucedidas isso se dá menos pela virtude inata de seus
políticos (não são tão diferentes dos nossos) do que pelo sistema de pesos e
contrapesos e pela agilidade institucional que ele proporciona. Um judiciário e
um MP ativos, junto com um serviço público bem assentado sem o peso avassalador
do provimento clientelista, dariam a um parlamentarismo, associado ao voto
distrital misto, uma estabilidade sujeita a uma instabilidade regrada,
previsível, que só teria a ganhar com a separação das figuras de chefe de
estado e chefe de governo.
A grande dificuldade, evidentemente, será combinar
essa PEC “com os russos”, no Congresso.
Nisso a Lava Jato pode ajudar... Me referi a Marina, mas essa mudança é de interesse
dos outros candidatos também. Todos deveriam se comprometer, com uma PEC instituindo
o regime parlamentarista semi-presidencial com voto distrital misto.
Sem isso a
opção de voto tende ao “útil”. Aquele de
undécima hora para evitar o pior que seria uma polarização Bolsonaro x PT no segundo turno. No momento, há indícios de que poderia ser o Ciro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário