28/09/2018

No One Planet de Macron, ano II




Com Macron ao fundo...
O One Planet , idealizado pelo presidente Emanuel Macron,  realizou seu segundo encontro anual em Nova York  à margem da reunião da Assembleia Geral da ONU. Ao promovê-lo Macron optou por reduzir o impacto de mídia do evento que ficou sendo mais um da Semana do Clima repleta de reuniões, debates e performances as mais variadas. O One Planet chamou bem menos atenção que o primeiro, em Paris, ano passado. Ainda assim,  suscitou um debate significativo entre personagens muito influentes, num formato bem diferente mas complementar ao das conferências de clima da ONU, da UNFCCC. O One Planet traz uma mistureba de “grandes  decisores” dos governos, corporações privadas, personalidades de grande influência e cientistas.

 Lá estavam Jacinda Arden, a carismática primeira-ministra da Nova Zelandia –que compareceu à Assembleia Geral da ONU com seu bebê de três meses— a da Noruega, Erna Solberg, o da Espanha, Pedro Sanchez, o presidente da Finlândia, Dauli Niinisto, o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, a diretora geral do FMI, Christine Lagarde e o presidente do Banco Central do Reino Unido, Mark Carney.  Lá estavam também a presidente das Ilhas Marshal, Hilda Heine e o presidente do Togo Fauré Ganassingbé, os governos locais representados pela prefeita de Surabaya, Indonésia, Tri Rishmaharini. A União Europeia e a ONU lá estavam representada por seus vices, Maros Sevcovic e Amina Mohammed.   

  A China mandou o vice ministro de relações exteriores, o muito articulado Zhang Jun. Nem India nem  nenhum país da  América Latina tinham representações governamentais de peso. Tivemos um palestrante brasileiro: Leontino Balbo, do agrobusiness “sustentável”. O único outro brasileiro convidado era eu. 

 As participações mais significativas foram de algumas figuras da iniciativa privada global em posições de poder capazes de alavancar transformações independentemente dos acordos diplomáticos atinentes ao Clima. Alguns, como Michael Bloomberg, Bill Gates  e Arianna Huffington já eram arroz de festa, vocalizadores e mecenas climáticos das altas esferas mas sem maiores novidades.

 Outros, no entanto, surpreenderam: Larry Fink, por exemplo. É o CEO da Blackrock, a maior gestora de fundos do planeta, que movimento dezenas e dezenas de  trilhões de dólares em investimentos financeiros de fundos de pensão e bancos. Seu discurso continha um pedido às instituições do tipo FMI, Banco Mundial e governos que lhe fornecessem algoritmos capazes de incorporar a noção de risco climático aos investimentos,  certamente uma notícia não muito alvissareira para a turma dos combustíveis fósseis que também ali estava representada pela sua ala mais “moderna” na figura do diretor de gestão do fundo de investimento público da Arábia Saudita, Yasir Othman Al-Rumayyan.   

  Yasir provocou um silêncio glacial e caretas da mediadora de seu painel, a Christine Lagarde, quando tentou, malabaristicamente,  conciliar um “novo ciclo de petróleo” com uma “notável expansão das “energias eólica, solar e capacidade de baterias”. De qualquer modo,  a presença da Arábia Saudita na discussão foi  positiva do ponto de vista evolutivo, sua atitude vem mudando gradualmente depois daquele surto de negacionismo climático na Conferência de Copenhagen, em 2009. Como observou um participante: “melhor tê-los na tenda, mijando para fora, que fora da tenda mijando para dentro”.  

 Decididamente nesse primeiro exercício estava o Executivo Chefe da Unilever, Paul Polman,  que fez uma intervenção emotiva sobre a necessidade das empresas, todas, inventariarem e divulgarem suas emissões. Na mesma linha,  Ruth Porat,  vice-presidente e diretora financeira da Google/Alphabet  apresentou ferramentas de inteligência artificial a serviço de centros urbanos e indústrias para orientar e monitorar sua descarbonizacão e suas estratégias de adaptação às mudanças climáticas.

  O Banco Mundial anunciou um aumento do financiamento para pesquisa e fomento do armazenamento de energia.  A NantEnergy,  do bilionário californiano Patrick Soon-Shiong, anunciou  um novo tipo de bateria, operando a zinco e ar com custos muito menores do que o lítio, atualmente utilizado. O equipamento está sendo testado em aldeias isoladas da África, combinado cm energia solar e eólica. Seguindo o notável sucesso do solar fotovoltaico chegou a hora de baixar drasticamente o custo das baterias.

  No entanto, o recado dos cientistas foi um banho de água fria, ou, se preferirmos, um eletrochoque. Ficou por conta do professor Johan Rockstrom,  do Podstam Institute for Climate Impact Research. Focou nos feedbacks,  ou seja nas consequências em circulo vicioso das mudanças climáticas. Os temidos mecanismos realimentadores,  exponenciais do aquecimento global. Traçou um quadro francamente apavorante da queda da capacidade de absorção de carbono por parte de oceanos e florestas, os grandes “sumidouros” naturais de carbono,  e identificou em 2 graus o limite para evitar que esse processo venha a se tornar  irreversível. “Estamos perdendo a corrida”, frisou com seu forte sotaque alemão que dá mais dramaticidade ao mau agouro.

 Emanuel Macron fez sua “amarração” final com um discurso num tom diferente do que ouvimos em geral dos chefes de estado nessa era pós-Obama. Sem muito margem a cautelas ele seguiu na linha alarmante de Rockstrom, fez uma defesa emotiva do Acordo de Paris embora reconhecendo que estava muito aquém do necessário, criticou o chamado “green wash” a gesticulação verde “pra inglês ver” e anunciou que o One Planet iria focar no tripé: Clima, Oceanos e Biodiversidade.

 Dentre os líderes mundiais atuais , Macron é o que mais expressa um sentido de urgência e de alerta. Vem sendo muito criticado pela direita, esquerda e grande parte dos ambientalistas franceses. A renuncia de seu ministro do meio-ambiente,  Nicolas Hulot,  foi motivo de desgaste. O pretexto imediato foi a prorrogação de prazos para licenças de caça e a presença de lobistas dos caçadores nas reuniões do palácio presidencial. Hulot demitiu-se de improviso  num programa de rádio...

  A esquerda e a mídia francesas estão possuídas da mesma síndrome que levaram  a turma “bem pensante”  nos EUA a atacar com tanta ferocidade  a Hillary Clinton. Deu no que deu. Macron é hoje uma peça fundamental na resistência ao avanço do fascismo/populismo, na Europa, junto com a enfraquecida Angela Merkel. Quem os critica tanto deveria considerar as alternativas...

 Hulot é um poço de vaidade e não suportava artigos de ambientalistas, no Le Monde,  criticando-o por estar com Macron. Havia também esse questionamento recorrente do governo francês  ter desistido de reduzir para 50% a geração nucelar,  até 2025. Mas o ritmo de redução da dependência da França em relação ao nuclear não podia ter virado o cavalo de batalha mor dos ecologistas franceses. Na Alemanha, um início de saída precipitado ocasionou uma maior queima do carvão, aumento das emissões e levou ao provável descumprimento das metas para 2020. E´ melhor prorrogar o uso das  usinas já existentes –desde que seguras, é claro--  do que aumentar a queima de carvão ou gás até que a combinação entre geração limpa e armazenamento possa estar de pé. A saída precipitada do nuclear em prole de um maior uso de fósseis é uma insensatez do  “politicamente correto” pela qual o planeta paga caro.

O ótimo é inimigo do bom e, nos tempos que correm, o razoável já fica de bom tamanho.

 
Macron: um tom de alarme e ambição
Rockstrom: o risco dos feedbacks
Ruth Porat, a dama da Google: inteligencia artificiel pelo Clima
Pedro Sanches, primeiro ministro da Espanha
Lary Fink(na tela) no painel presidido pro Lagarde, de perfil Yassir Al Rumayyan

  

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