“Venha nos poluir” foi o título de um anúncio
vinculado nos principais jornais dos EUA e da Europa pela ditadura nos anos 70.
Na época, o desmatamento era subsidiado por crédito barato do Banco do Brasil e generosos incentivos fiscais. As
primeiras campanhas contra a poluição do ar, no então chamado “primeiro mundo”, deram ensejo a essa tentativa de atrair investimento por parte de um país de
grandes oportunidades que se jactava de não dar a mínima bola para a então nascente questão
ambiental.
Na década
seguinte, já na redemocratização, a ênfase desse pensamento passou a ser um
discurso paranoico sobre a eventual “perda de soberania” sobre a Amazônia,
supostamente cobiçada "pelo mundo". Passaram a se utilizar os escritos, escalafobéticos, do futurólogo Herman Khan e histórias fantásticas de conspirações
internacionais para “tirar a Amazônia do Brasil”, algo totalmente fantasioso
baseado em alguma declaração vaga de que ela era um “patrimônio da humanidade”.
Na verdade, nunca houve nenhuma evidência concreta dos EUA ou qualquer outro país
ambicionarem nem muito menos conspirarem praticamente algo tão infactível quanto ocupar nossa Amazônia.
Parte da esquerda adotou essa fantasia para reforçar seu discurso “anti-imperialista”.
Missionários, ONGs, cientistas, multinacionais de biotecnologia passaram a ser
acusados dessa intenção que teria que ser contraposta pela “colonização”
da selva. Cortado por estradas, ocupada por garimpeiros e pecuaristas, o “inferno
verde” precisaria ser retalhado e povoado por Serras Peladas para ser salvo da
cobiça estrangeira.
Com o
passar do tempo esses mitos foram se desfazendo e ficaram circunscritos junto
com outras teorias de conspiração a círculos de pessoas excêntricas que ninguém
levava sério.
Agora, essa e outras teorias de conspiração ressurgem no bojo do fenômeno Bolsonaro.
Ontem, o vi dizer no Jornal da Globo que iria "sair do Acordo de Paris" porque era nada mais que uma conspiração para assumir o controle internacional de algo que chamou de três
A (Amazônia, Andes e uma terceira que não me lembro mais). Foi anunciado junto com um
ataque à demarcação de terras indígenas com um olhar louco, injetado.
Na véspera, ele passara incólume por sua entrevista ao JN. Ao contrário da
noite anterior com Ciro Gomes –agressivamente inquirido, saindo se
razoavelmente bem do fogo cerrado-- o
tratamento dispensado a Bolsonaro foi light
e inepto. A dupla Bonner-Renata pareceu intimidada, cheia de dedos, como
que temerosa do eventual futuro chefe com sua implícita pretenção de restaurar o bom e velho status do grande império mediático: o de servir o poder e não bombardeá-lo.
Na
verdade, estavam entrevistando a criatura política de dois anos do seu próprio editorialismo histérico durante os quais o
JN se comportou como um agente político desmantelador, sem proposta alternativa
já que embora se comporte como partido político não o é. Em política não existe vácuo, quem veio a ocupar o campo devastado por ela não foi outro senão Bolsonaro.
Ao atiçar emocionalmente toda noite a revolta, inviabilizar o frágil governo de transição fruto daquele crasso
erro estratégico de cálculo que foi o impeachment, o império vestiu a carapuça que a paranoia
de esquerda lhe estendia e –inadvertidamente quiças-- criou o caldo de cultura dessa revolta cega, destrutiva
e raivosa que encontra seu mito no ex-capitão, sindicalista militar quer virou uma espécie de Lula das direitas.
Sem a eloquência das palavras mas com "atitude" acabou instrumentalizando esse inconsciente
coletivo, previamente fabricado pelo abandono da sobriedade jornalística, pela
histeria panfletária, irresponsável, por parte de veículo tão poderoso. Estou seguro que os
aprendizes de feiticeiro não imaginavam as consequências inesperadas daquilo
com o que buliam ao fazer da justa revolta contra a corrupção uma pauta obsessiva, uma metralhadora giratória, generalizante, antipolítica, tipo atira-primeiro-pergunta-depois, ocupando parte do leão do noticiário durante dois longos anos para dezenas e dezenas de milhões de telespectadores, toda santa noite.
Aqui num
restaurante da Chapada Diamantina, onde passo alguns dias de férias, ouço um comensal comentar enfaticamente: “Voto no Bolsonaro porque
não acredito mais em nenhum desses candidatos aí que promete melhorar as coisas, quero um que f...
isso tudo de vez”. Essa ânsia por algo irracional que "f... tudo de vez" e que, de
algum modo imponderável, resulte em algo que não se sabe o que vai ser é o típico sentimento que,
com grande probabilidade, traz embutido futuras tragédias.
Pelas suas promessas de campanha tenho entendido que haverá um massivo armamento da
população que terá como consequência uma onda de justiceirismo, homicídios por
conflitos interpessoais banais, suicídios facilitados, brigas de trânsito,
guerras de torcida e –fora da tradição brasileira—conflitos ideológicos. Haverá
quebra por parte do Brasil de seus compromissos internacionais --em tempo: para
sair do Acordo de Paris ele terá que passar pelo Congresso-- e um grau de
devastação da Amazônia nunca d’antes visto com eventuais matanças de índios de
lambuja. Voltará aquela ideia dos anos 80 de que precisamos devastar a Amazônia
para salva-la. Venham, de novo, nos poluir...
Iludem-se os economicamente liberais que imaginam
um presidente “forte” capaz, ainda que de forma brucutu, promover as “reformas”. Aquilo que temos visto dos novos autoritários dessa leva planetária: Duterte, Kaczinski, Urban,
Erdogan, etc. são políticas econômicas estatistas e assistencialistas parecidas
com as da esquerda.
Dificilmente o ultraliberalismo Paulo Guedes propugna irá emplacar duradouramente. Para estabilizar seu eventual governo o recuso do ex-capitão será o assistencialismo e o capitalismo de apaniguados, ou seja uma política parecida com a da Dilma associada a um autoritarismo ultra repressivo e persecutório e ao extremo conservadorismo de inspiração religiosa nos costumes.
Dificilmente o ultraliberalismo Paulo Guedes propugna irá emplacar duradouramente. Para estabilizar seu eventual governo o recuso do ex-capitão será o assistencialismo e o capitalismo de apaniguados, ou seja uma política parecida com a da Dilma associada a um autoritarismo ultra repressivo e persecutório e ao extremo conservadorismo de inspiração religiosa nos costumes.
Essa hipótese eleitoral, que há meses considero plausível, tornar-se-á provável caso o segundo turno venha
a ser Bolsonaro x Haddad, com uma grande massa de não-voto e um voto sanção,
raivoso e irrefletido, contra o PT. A pulverização de votos no espectro
esquerda, centro, esquerda, centro direita parece nos prometer isso.
O ovo da serpente está na chocadeira.
O ovo da serpente está na chocadeira.
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