Assisti
semana passada as entrevistas da na Globo News dos candidatos Marina, Ciro e
Alquimin e Bolsonaro. Minhas impressões:
Marina: começou titubeante mas foi gradualmente se
impondo. Foi, curiosamente, a mais maltratada. Certamente é aquela, como
pessoa, a mais estimada pelos
jornalistas presentes. Por isso foi tratada com mais dureza. A grande mídia quer
parecer isenta. Portanto, nenhuma colher de chá. Ela com aqueles problemas de
sempre: voz esganiçada, aparência frágil, fala por vezes empolada. Me
identifico programaticamente bastante embora ela precise fazer uma atualização
de alguns posicionamentos. Discordamos em relação a política de drogas e
aborto. É da vida, não deixaria de votar nela por causa disso. É como pensa a
maioria do povo brasileiro. Me incomoda seu lavajatismo.
Menos. Passou do ponto.
No mais, fosse o Brasil parlamentarista ela já
teria meu voto garantido, desde agora.
Naturalmente apoio a aliança do PV com ela e
considero o Eduardo Jorge ótimo vice. Mas, gente, que ironia da história... Como defendi com
unhas e dentes essa união e como fui, depois, sucessivamente rifado por ambos.
Com diferenças, claro. Em relação a Marina são de âmbito mais político. Gosto dela
como pessoa, além de admirar sua tragetória de superação. Já a turma da cúpula do partido que fundei... bom deixa pra lá. O
fato é que agora estão juntos, esses que diziam horrores uns dos outros. É da
política, direis...
Sem aquele absurdo racha, de 2011, a história do Brasil teria sido outra.
Ciro: Com ele os entrevistadores foram bem
mais light. Creio que se saiu bem.
Controlou seu crazy horse não bateu
boca. Abusou daquela autoreferência como “velho professor de direito
constitucional “ (não gostei do velho, já que sou mais que ele e não me sinto
tanto assim). No mais, Ciro foi simpático bem ajustado à mídia televisiva e
passou –isso é importante—um ar “presidenciável” coisa que a Marina tem mais dificuldade.
Programaticamente,
discordo de um monte de propostas que apresentou mas não chega a ser um
impeditivo de voto se tiver esse que ser “útil”
para livrar o Brasil de uma aventura tresloucada e perigosa.
Depois
daquilo, ele escolheu a Katia Abreu de vice. Ela não gosta dos ambientalistas (Ciro também não muito) mas foi relatora da ratificação do Acordo de
Paris, no Senado. É dialogável. Precisamos de ruralistas com os quais dê para se conversar. Ele poderia ter escolhido um vice mais do nosso feitio mas isso não
chega a ser impeditivo de voto, se for o caso.
Mais sério foi aquele negocio da Venezuela. Fiquei
horrorizado com a colocação do Ciro, no Roda Viva, definindo a oposição, massacrada, como fascista. Meu Deus... Na Globo News retificou: não apoia
Maduro, só critica o Brasil tomar partido da oposição quando, por interesse
nacional, deveria estar mediando o
conflito. OK, melhor, mas não foi isso que fizemos no governo da Dilma? Adiantou? Temos um dever de solidariedade para com os
oprimidos. O povo da Venezuela o é. Muito.
Por outro lado, Ciro parece o melhor equipado para o mano a mano com
Bolsonaro.
Alquimin: Desculpe, Geraldo, mas só assisti o
primeiro bloco. Estava na casa do Gil, em São Conrado, longe de casa e tinha
dormido pouco na noite anterior. Não é por nada mas tava chato pra cacête. Fiquei cansado. Não vi o resto mas imagino
como foi.
Posso até
votar útil no Geraldo, se for o caso. Dá para viver com um conservador democrata com
alguma interlocução com os ambientalistas e de boa vontade para conhecer mais
sobre questões climáticas.
Contra ele estaremos razoavelmente bem.
Contra ele estaremos razoavelmente bem.
A vice, Sen. Ana Amélia, é ruralista. Virou moda, pelos vistos... Conheço. O Aldo Rebelo seria muito pior, acreditem.
O enorme
tempo de TV dele vai ser uma alavanca para o voto útil? Ou será o Dr Ulysses de
1989? Um ponderado,
professoral e moderado picolé de chuchu é viável nesses tempos patéticos?
Saberemos logo...
Bolsonaro. Creio que se saiu bem. Venho dizendo
que existe risco real dele ganhar essa eleição. Sua estratégia passa por reconstituir, sociologicamente, o eleitorado do Collor, na eleição de 89. O Collor era o viril tribuno
do “aquilo roxo”, lembram? Posudão, caçador de marajás e com uma
experiência de governo, ainda que fosse nas Alagoas. Bolsonaro só conhece bem as
questões corporativas/salariais dos militares, policiais e bombeiros, sua real sustentação
política esses anos todos. É o sindicalista deles.
Percebeu
também, desde cedo, que provocando a esquerda com as mais
escalafobéticas afirmações fascistóides ia ganhar espaço de mídia e um monte de
inimizades úteis. Criou essa parceria tácita com um certo tipo de esquerda. Aquela depositária do
sentido da história, guardiã do passado, sentenciosa, taxativa, dona da correção política da "linha justa" como se dizia antigamente. Ele aprendeu a manipula-la
pela provocação.
Foi um Trump antes do Trump. Não vou dizer que aqueles com os quais ele contracena caíram
na sua esparrela. Eleitoreiramente falando,
se deram bem também. A mídia simplesmente a-d-o-r-a um escândalo
blablablístico, uma baixaria, como ele
produzia com seus vários sparings em torno de temas como a ditadura, a tortura, os
gays, as cotas raciais, os quilombos etc...
Ele pegou o velho anticomunismo dos
anos da guerra fria à la Almirante Pena Boto e faturou em cima dos
nostálgicos do regime militar cujas brasas aquele tipo de esquerda incessantemente sopra ao pregar a revisão da anistia. Aproveitou as mil maravilhas a abordagem inepta deles da questão
gay. Eles nunca entenderam a elementar diferença entre discurso de movimento
e ação de governo. No movimento você diz o que quer, no governo você tem
que entender que a República é de todos, inclusive dos mais atrasados. Não é só
dos “politicamente corretos” e a questão gay precisa ser colocada como uma de direitos individuais a opção sexual não de educação sexual nas escolas ou criminalização do discurso preconceituoso, religioso ou não. Aquilo das escolas chocou até gente que não é homofóbica ou preconceituosa mas simplesmente não pensa tão ousado quanto a aguerrida vanguarda descolada da sociedade real.
Ele deitou e rolou. Mas foi-bom-pra-eles-também: a cada dez votos
que o Bolsonaro e o pastor Feliciano faturavam com seu público reacionário eles ganhavam um pela exposição na mídia da aureola de heroísmo que isso lhes propiciava. Instalou-se um tipo de polêmica tola, reducionista e “identitária” que não
contribuiu em nada para tornar nossa sociedade mais tolerante ou democrata e reduzir o preconceito. A sociedade ficou pior que há dez ou vinte anos.
No
programa da Globo News apareceu um Bolsonaro
sociável como se numa roda de bar ou num reality show. Pouca ou nenhuma informação sobre
a grande maioria dos temas que um Presidente da República precisa dominar, de
cor e salteado, na posição de quem vai exercer uma
autoridade suprema para mediar dissensões mil, problemas complexos, multifacetados.
Ele
controlou bem sua agressividade mais reativa que inata, produziu momentos de estranha mas genuína simpatia , com pitadas de ingenuidade no afã de parecer ao público desavisado “gente como você, não como como esses intelectualóides pretenciosos que
nos consideram burros e ignorantes”. Um desempenho trumpista. Alias, a diferença
dele com o Trump lhe é vantajosa: veste as sandálias da humildade. “Talvez eu não
seja bem preparado para ser presidente, mas vejam a Dilma. Ela era preparada?” O
Trump, por sua vez, é mais
narcísico e sabe-tudo.
Convivi
com o Jair dois anos como vereador e quatro como deputado federal na mesma
comissão de relações exteriores e defesa nacional. Nunca cultivei com ele
aquele tipo de relação de hostilidade histérica, oportunista. Ocasionalmente, polemizávamos
mas, de uma forma geral, mantendo uma certa cordialidade, apesar de eu ter sido
guerrilheiro, nos anos 70, e ele, mais tarde, um admirador dos que na época nos combatiam recorrendo a
torturas.
Para mim aquela guerra dos anos de chumbo acabou com a anistia, de cuja revisão, por
sinal, discordo abertamente. Discuti com
ele algumas vezes a época para repor a
realidade dos fatos, mal informado que ele estava sobre diversos episódios. Mas aquilo não era como para outros, a
continuação daquela velha guerra. Simplesmente, uma troca entre dois parlamentares
com posições discordantes sobre um momento da história do Brasil que um deles,
eu, tinha vivido e o outro, ele, não.
Naturalmente, criticava suas fobias
comportamentais. Mas sem aquela raiva dos com que ele contracenava. Lembro-me de uma vez
na Comissão em que ele me acusou de ignorar “o maior problema ecológico da
humanidade”. “Qual é, Jair?” Ele sentenciou: “a superpopulação do planeta”.
“Mas Jair, você acaba de me dar um grande argumento em prol do casamento gay”!
Gargalhada geral na Comissão. Riu também.
Me lembro bem de alguns outros deputados dos quais eu tinha, de fato, raiva e nojo. Eles me odiavam. O Jair não
fazia parte desse rol. Eu observava seu
jeito quando disparava uma daquelas suas diatribes direitonas. Disparava aquilo
e depois ficava olhando, travesso, para
ver o efeito da sua provocação nos colegas e, sobretudo, nos da esquerda “combativa”. Tinha um quê
de infantil.
Nada
disso desfaz meu sentimento de que atualmente ele é um perigo grave para a
democracia e tornou-se catalizador de algo francamente assustador que pode
acontecer com a sociedade brasileira.
Bom, o fato é que nem os entrevistadores
agressivos do Roda Viva, nem os plácidos da Globo News conseguiram nocautear. Conseguiram
evidentemente, por a nu a assustadora extensão de seu despreparo e portanto
mostrar o quanto seria perigoso e irresponsável tê-lo na Presidência da República
e o quão desagregadoras e danosas podem ser suas ideias para a sociedade. A
questão é saber o quanto de eleitores atribui importância a isso nesses tempos
tresloucados. O fato é que ele passou pelas duas entrevistas com a nata do telejornalismo, flutuando, sem maiores danos
ao casco. Nevega ao sabor de correntes do
inconsciente coletivo que de fato ninguém domina ou entende.
Jair Bolsonaro
não é o problema, é o sintoma do
problema. Pode estar sendo sincero quando nega a pecha de fascista. Mais apropriadamente ser colocado nas fileiras do qualunquismo italiano ou do no Know Nothing Party americano, do século XIX. Não deixa de ser, no entanto, o catalizador de um fascismo difuso, pós-moderno, de um monstro que se criou na nossa sociedade
por conta da crise econômica, da corrupção, da raiva que muitas pessoas
passaram a ter da esquerda (leia-se PT), do desencanto com tudo, e desse vento mundial que sopra com Duterte, nas Filipinas; Putin, na Rússia; Erdogan, no
Truquia; Sisi, no Egito, Urban, na
Hungria; Kaczinski, na Polônia; Savini
(em vias de), na Itália e, naturalmente, Trump nos EUA.
Acrescentaria à lista
uma leva mais antiga, dos ditos “bolivarianos” onde atualmente se destacam
Maduro e Ortega, supostamente de esquerda, na verdade fascistóides, iguais aos outros. Sim, há um nauseabundo vento dos anos
30. Como numa global República de Weimar
a democracia representativa, por alguns chamada liberal, faz água pelos quatro
costados e ninguém sabe direito como fazer para conserta-la.
Voltando
ao programa da Globo News: o formato foi errado, demasiados entrevistadores, dois ou três
produziriam uma dinâmica telejornalística melhor. Tentaram não repetir o erro
daqueles do Roda Viva, podem ter caído
no outro extremo.
E, ao final, aquele vexame...
E, ao final, aquele vexame...
A Globo
acabou se atirando na armadilha de quem simplesmente não admite a menor
crítica mesmo quando critica Deus e todo mundo. Gente, qual o problema do Dr Roberto
Marinho ter apoiado o dito golpe (para outros revolução) de 64??? A classe media brasileira em peso apoiou. E
daí? Quatro anos depois, sua juventude
saía as ruas contra o que na verdade não fora tanto o golpe mas uma crise de estado
brutal causada por um governo inepto --não, amigo Darcy, Jango
caiu por seus defeitos não pelas suas qualidades-- que
praticamente despencou de maduro.
O golpe, ou melhor, os golpes, vieram num crescendo ao longo nos seguintes quatro anos: sucessivas quarteladas da chamada "linha dura" forçando um regime cada vez mais opressivo que tornou-se uma
ditadura completa com o AI 5, no final
de 68.
Teotônio
Vilena e Ulysses Guimarães, depois símbolos da resistência democrática, também saudaram a
queda de Jango em 64. Claro, o grande
conglomerado de mídia só se desmarcou da ditadura já bem no final, depois fez
autocrítica em um editorial, tudo bem. Deviam ter deixado a alusão ao editorial do Dr
Roberto passar e pronto. Mas não aguentam ser
criticados, têm sempre que exercer seu poder, avassalador, quando alguém, à esquerda
ou a direita, de cima ou de baixo, lhes faz alguma restrição.
O resultado, dessa vez foi, tragicômico. O teleprompter visivelmente falhou e submeteram uma jornalista de
primeira linha, respeitada, como a Miriam Leitão à bizarra situação de ficar
repetindo, com um penoso delay, o que ditavam pelo
“ponto” ao pé do ouvido.
Alvaro Dias, Meireles, Manuela, Boulos
e outros. Nenhum desses está no páreo. Estão para “marcar posição” num momento
da nossa história onde isso não seria bem uma prioridade. Mas é da democracia...
Lula: preso por uma decisão judicial, muito discutível, mas grande responsável político por tudo que aconteceu desde que escolheu Dilma
para sucedê-lo, controla o timing do inevitável lançamento do candidato do PT.
Decidiu rifar o Ciro pela mesma razão que Brizola tentou, sem conseguir, rifa-lo
a ele, Lula. Pô, o cara quer ser califa no lugar do califa e o califa da esquerda aqui sou eu, só eu e ponto final. Na
plataforma de lançamento, sob intensa névoa, o foguete que ninguém sabe até onde sobe (ou desce):
Fernando Haddad. Um bom sujeito na hora errada, no lugar errado. Poderia ser o agente
de renovação do PT que superasse seu defeito maior: o hegemonismo.
Se Lula, de
fato, tiver a capacidade de transferência de votos que imagina ter --tenho dúvidas-- Haddad pode virar pivô
involuntário de uma tragédia. Dizem: temporada de azar urubu de cima caga no de
baixo. Seria o segundo turno dos sonhos do Jair.
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