"Economicamente
o potencial de Cuba é simplesmente extraordinário se, de alguma maneira, conseguir formatar-se para receber
investimentos sobretudo dos cubanos radicados nos EUA. Nem tanto de grandes
empresas quanto de uma multidão de pequenos e médios investidores potenciais dentre
aqueles cubanos que fizeram fortuna nos Estados Unidos, seus filhos e netos. Para tanto vai ser
necessária a reconciliação. Hoje ela está ficando menos difícil, na medida em
que na diáspora vão envelhecendo e minguando os líderes linha dura –que frequentemente apoiaram o terrorismo— e vão emergindo, sobretudo no meio
empresarial, outros mais pragmáticos e abertos ao diálogo. Mas é sobretudo do
lado do regime que serão necessários gestos práticos de apaziguamento, acolhida
e conciliação. Esse é um processo já em curso de maneira incipiente e discreta.
Se circunstâncias políticas o permitirem,
existe uma abundante disponibilidade de investimento em condições inacreditavelmente
favoráveis: proximidade geográfica, mão de obra abundante a custo reduzido, uma população bem instruída, segurança, belezas naturais fantásticas e uma capital,
Havana, que é um paraíso cenográfico em
potencial.
O grande obstáculo é esse clinch
de cinco décadas entre dois pugilistas cansados, essa relação passional cubano-norte-americana,
qual dupla barraqueira divorciada, que ama se detestar com todas as fibras do
coração no que pese o passado promiscuamente próximo do qual não há como fugir.
Em Havana, junto à cidade velha,
avistamos essa réplica quase perfeita do Capitólio de Washington que está sendo orgulhosamente restaurada.
Pelos cantos baldios da cidade há jovens jogando baseball. Praticamente todo
mundo é fluente em inglês e capaz de passar horas falando mal (ou
bem) dos yanquis e de suas coisas.
Nesse sentido gestos simbólicos,
“subjetivos”, como o aperto de mão de Obama com Raul Castro
têm um efeito potencial maior do que parecem. Não chego a entender muito bem
porque Obama, já no seu segundo mandato, sem tanta ameaça dos republicanos
cubano-americanos da Flórida, não anula as sanções econômicas que dependam de
ato presidencial –outras condicionadas a decisões do Congresso, são mais difíceis— e não liberta os cinco agentes
cubanos presos na Flórida como “espiões”. Poderia anistia-los e, até, incluir no pacote, à guisa de compensação, o espião israelense Jonathan Pollard o que até
ajudaria os esforços de John Kerry para levar o governo de Netanyahu a ceder alguma
coisa aos palestinos.
Exigir “concessões politicas” prévias de Raul Castro não parece ser o caminho mais inteligente de
para conseguir uma maior democratização na relação do partido/estado com a
sociedade cubana. É mais plausível imaginar que ela resultará de uma situação onde
o empreendedorismo floresça, onde a economia melhore e deixe de ser exclusivamente
dominada pelo poder político com o surgimento de polos plurais de interesses
dentro do sistema. A diversidade econômica tende a estimular a política embora
não de uma forma automática ou linear.
Um dos mais evidentes dilemas do regime, a curto
prazo, é o que fazer com a internet. Até agora a resposta tem sido dificultar
ao máximo o acesso. Mesmo para os turistas estrangeiros nos hotéis praticamente
vedados aos cubanos é uma dificuldade absurda. Imagine-se então para o cidadão
cubano comum! Alguns como a blogueira opositora Yoani Sanches dão seu jeitinho
cubano mas a sociedade como um todo ainda é pre-internet e isso conquanto de
alguma forma proteja o regime representa um fator de atraso gigantesco para o
país como um todo. O chineses lidam com
esse assunto de forma contraditória: permitem a instalação da base tecnológica
e do acesso e instituem um esquema de censura e bloqueio de certos conteúdos
mediante um controle gigantesco “a grande muralha” mas, ao mesmo tempo, toleram
e até tentam tirar partido do weibo o
twitter chinês, bastante crítico e contestador dentro de certos limites. Essa
questão será uma das mais cruciais a ser observada no futuro imediato, em Cuba.
No caso da telefonia celular a
tecnologia já foi absorvida e implementada e funciona razoavelmente bem,
inclusive o roaming.
O gradualismo com que as tímidas reformas
econômicas vêm se dando apresenta certas vantagens pouco evidentes aos adeptos
de “terapias de choque” do estilo russo e leste europeu. O dilema de fundo cubano
não é mais “se” economia de mercado mas “que” economia de mercado. A grande
discussão em Cuba provavelmente girará em torno da sustentabilidade social e ambiental
dessa nova economia por vir. Simplificando metaforicamente: a opção futura será
entre virar uma mega Costa Rica ou um hiper Panamá.
Costa
Rica fez sua revolução, em 1948, liderada
por Don Pepe Figueres. Derrubou a oligarquia e a burguesia “compradora”, nacionalizou
os bancos mas instituiu um regime democrático exemplar –embora cercado por
ditaduras de todos os lados-- e soube administrar melhor sua relação com os
EUA. No que pese ter encampado a famosa United Fruit, La Frutera, nunca se aproximou da URSS e preservou boas relações
com os democratas norte-americanos. Pepe Figueres aboliu o exército --o seu, o
revolucionário!-- separou os poderes da república garantindo um
judiciário independente e priorizou obsessivamente a educação. A Costa Rica é
hoje de longe o país mais próspero de melhor IDH da região com uma população
majoritariamente de classe média. Cuba poderia ser mais. Tem uma natureza quase tão exuberante, já possui uma indústria
turística considerável que poderia ganhar muito em escala e em qualidade. Sua
população é bastante instruída com nichos de excelência. Como atratividade urbana não há comparação possível
entre San José --uma cidade razoavelmente sem graça-- e Havana, simplesmente magnífica.
Sua história política e econômica está
fisicamente plasmada na sua arquitetura. Havana parou de crescer no início dos
anos 60 quando se deu o rompimento da revolução com os EUA e a
partida da burguesia local e, depois, da maior parte da classe média. Havana
era uma cidade cosmopolita que havia recebido na primeira metade do século XX
muito mais investimento que qualquer outra da região. Possuía uma arquitetura
de qualidade, por sobre o tradicional urbanismo hispano e um patrimônio considerável herdado da era
colonial. Hoje Havana é uma bela cidade
dos anos 50 completamente deteriorada. Os edifícios estatizados deixaram de ser
conservados e aparentemente não há nem uma elementar organização condominial
para mantê-los. Esse desapego surpreendentemente se estende ao espaço público: muito lixo atirado na rua o que é
constrangedor haja vista a onipresente organização territorial do regime,
nos bairros, através
dos CDR (comitês de defesa da
revolução) que para além de bisbilhotar a vida das pessoas poderiam bem
mobiliza-las contra fazer das ruas lixeira. Dentre o casario dos antigos bairros nobres e
de classe media --que lembram de certa forma os jardins paulistanos-- uma boa parte das casas está ainda abandonada.
Noutras se alojam instituições públicas diversas que pouco as conservam. Há muitos pequenos prédios art deco gênero Miami Beach também muito deteriorados.
Havana
possui, é certo, um amplo e consistente
programa público de restauro, reconstrução e retrofiting em curso, sobretudo na velha Havana e ao longo do
Malecón mas dada a amplitude da degradação a escala do projeto conquanto
considerável ainda representa uma proporção relativamente pequena das belas edificações
decaídas. E fica no ar a pergunta: com funcionará, depois, a conservação dos prédios e casas
restaurados? No entanto,
se imaginarmos esse trabalho com um aporte massivo de investimento numa
escala futura muito maior podemos vislumbrar uma cidade inteira esplendidamente
restaurada, única no mundo, uma imensa Cartagena.
Demandará grande tirocínio na estruturação de
uma nova economia urbana fazer com que abundantes capitais fluam para o
restauro e a revitalização e não simplesmente para uma “renovação urbana” de
tipo especulativo com quarteirões inteiros demolidos para dar lugar ao lixo
arquitetônico envidraçado que vi dias mais tarde, ao deixar Cuba, na cidade do
Panamá. Uma inquestionável, embora involuntária, realização do comunismo cubano foi a de ter
evitado os horrendos ciclos arquitetônicos dos anos 60, 70 e 80. Foi uma vitória da revolução por assim dizer, malgré elle. Alguns prédios e equipamentos públicos, não
menos horripilantes, foram erguidos aqui e ali na era soviética. Mas felizmente foram poucos.
Nesse aspecto a penúria de capital foi
providencial!
Isso não significa que o futuro tenha que ser
exclusivamente de uma cidade histórica/cenográfica restaurada. Numa cidade sadia cabem sem dúvida os
perímetros com prédios altos num zoneamento bem pensado, com usos múltiplos e sentido urbanístico. Havana necessita
de gigantescos investimentos em
infraestrutura de água, esgotos, rede elétrica, iluminação pública, comunicação
a cabo e pavimentação e nisso o Brasil poderá ajudar. Seria providencial e
vital que essa urbe bastante plana, bem arborizada, de muitas largas avenidas se dotasse de uma
abrangente malha cicloviária, antes da explosão automobilística que se
prenuncia. Aí novamente o dilema é o da sustentabilidade ou não do modelo urbano por
vir. Pela importância que o automóvel hoje possui no imaginário e na vida
prática dos cubanos o risco de uma explosão automotiva que inviabilize previamente
uma mobilidade pública, coletiva e individual eficiente é muito grande. O risco é a cidade ficar infernalmente
engarrafada antes de conseguir se dotar de uma estrutura de VLT, BRT e malha
cicloviária, integradas, com o automóvel sob controle.
Na cidade do Panamá pude presenciar exatamente
o caos que um boom automotivo pode
provocar sobre uma cidade de porte médio
sem a capacidade --nem necessidade!-- de
receber toda essa massa absurda de veículos. Os engarrafamentos de um trânsito “hobesbiano”
são inacreditáveis mesmo para os mais acostumados sofredores cariocas ou
paulistas. Uma via expressa absurda para o aeroporto está sendo construída sobre pilotis no meio
da baia do Panamá provocando assoreamento e recuo de centenas de metros no
espelho d’água. Havana, no futuro, correrá o risco extremo de um estupro
automobilístico idêntico, se não se precaver. Amigos cubanos me explicaram que
houve um momento de auge da bicicleta –eram chinesas, importadas--
mais recentemente sepultado pelo boom
automobilístico que apenas se inicia alimentado pelo petróleo venezuelano e
pela liberalização na compra e venda de carros. A bicicleta –cujo uso é
desconfortável por causa da má pavimentação--
passou a ser vista como out da
mesma forma que ocorreu nas cidades chinesas onde, no entanto, seu uso ainda é
muito significativo juntamente com as motos elétricas.
O desafio da
sustentabilidade social numa futura transição é ainda mais evidente: o
inevitável “enxugamento” do setor público associado ao fim do peso
não-conversível e da libreta contem
elementos potencialmente explosivos conquanto sejam medidas econômicas
absolutamente necessárias. A questão toda será a de que forma uma economia de
mercado, com investimentos sobretudo em pequenos negócios, conseguirá compensar
esse processo. Embora o espírito
empreendedor, o superavit de instrução, alguns nichos de alta tecnologia e a
disponibilidade potencial de investimento sejam elementos com os Cuba poderá
eventualmente contar, é inevitável que o processo seja pontuado por
dificuldades e tensões. E aí que a experiência dos “choques” russo e leste
europeus indica que é preferível dispor de um poder de estado regulador forte e
adotar um ritmo gradualista. Será possivelmente a forma de evitar o tal hiper
Panamá: um capitalismo agressivo, sem
limites ou critérios, especulativo e predador.
Qual o sistema político que poderá melhor gerir
essa transição? Essa é a pergunta talvez mais difícil de responder. Aquelas
ocorridas desde os anos 90 na Europa oriental, Ásia e mundo árabe, não mais nos
autorizam ao simplismo de pretender que bastaria estabelecer uma democracia
pluralista --que praticamente nunca existiu em Cuba-- autorizar
partidos, convocar eleições livres e
convidar investidores. É claro que a situação atual de cerceamento das
liberdades, monopólio sobre a imprensa escrita
e as demais mídias, falta de acesso à
internet e controle social truculento via policia política e CDRs, é insustentável e,
como já mencionei, a opção chinesa de
abrir no econômico mantendo o político
arrochado não parece ser factível a médio prazo, em Cuba.
O cenário mais realista parece ainda ser o de
uma transição gradual e progressiva, no político e no econômico com contrapesos
e garantias das conquistas sociais e, muito particularmente, do alto grau de segurança e baixíssima criminalidade violenta que Cuba
apresenta, contrastando com o massacre urbano que grassa em praticamente toda
América Central e Caribe, com exceção da Costa Rica. É o
caso de se torcer por uma transição econômica social e ambientalmente sustentável
que também termine promovendo uma abertura política segura até o
estabelecimento de uma sociedade livre, plural e democrática a menos
conflituosa e revanchista possível. Cenários, piores também pode ser imaginados
envolvendo confrontos graves. Esperemos
que saibam evita-los. Muito vai depender das duas instituições hoje dominantes:
o exército, cujo papel inclusive econômico é cada vez maior, e o partido.
Do outro lado, terá influência a postura
política do segmento do exílio disposto a um diálogo e, naturalmente, do
governo norte-americano com sua inegável capacidade de boicote ou,
inversamente, de ajudar a potencializar uma abertura, sempre que levante as sanções e desista de
ditar a priori suas regras. Daqui a dez anos Cuba provavelmente será
bastante diferente do que é hoje, resta saber por quais caminhos. Aplica-se a Cuba aquele ensinamento de
Marx –não de Karl mas do Groucho-- segundo
a qual “é muito difícil fazer previsões sobretudo quando se referem ao futuro”.
A verdade é que vai mudar mas ninguém sabe direito como e quando. Mas quem
viver, verá."
E agora: mais que trégua? |
A embaixada norte-americana (oficina de interese) já existe há tempos. Faltava o embaixador. |
Restauros no Malecón |
Um de muitos que olha o mar |
A transição nas cores... |
Boa tarde, estive na COP20 em Lima e irei para a COP21 em Paris este ano.
ResponderExcluirAcompanho suas postagens e como representei a juventude brasileira na COP20, necessito tirar algumas dúvidas!
Teria algum e-mail para entrarmos em contato?