No jargão político norte-americano a expressão natural refere-se àqueles cujo poder de comunicação e carisma parece vir do berço. São sedutores e mobilizadores natos. The Natural é o título de um livro do jornalista Joe Klein sobre os primeiros anos de Bill Clinton na presidência. Ontem, na convenção democrática de Charlotte, lá estava ele: The Natural!
Clinton é um conversador. Seu discurso explicativo ao detalhe, descritivo mas, ao mesmo tempo, fortemente emocional e emocionante foi uma apoteose histórica: o instante em que os EUA finalmente reconheceram-no como um grande presidente. Sua popularidade hoje é de 66%, os republicanos que o odiaram e perseguiram implacavelmente --numa campanha pior do que a que fazem com Obama, porque altamente personalizada e devassando sua intimidade-- evitam critica-lo. Os jornalistas da CNN e outros coleguinhas que vi em anos passados criticando-o de todas maneiras, ontem, desdobravam-se em elogios. Falta à mídia norte-americana, inclusive a mais “liberal, uma autocrítica em relação a como o tratou ao longo de seus oito anos. “Pegar” Clinton era uma obsessão da imprensa. Numerosos episódios pautados quase invariavelmente por lobbies financiados por magnatas republicanos, foram para as manchetes e suscitaram exaustivas reportagens “investigativas” que nunca deram em nada. Clinton só ficou rico, de fato, depois de deixar a Casa Branca.
Durante anos a fio o "caso Whitewater" uma transação imobiliária no Arkansas no qual ele e Hillary perderam dinheiro foi objeto de uma investigação obsessiva do procurador especial –e ídolo da direita republicana-- Ken Starr. Da transação imobiliária Starr passou para as transas mais prosaicas de Bill com a estagiária Monica Lewinski e que terminou com seu impeachment na Câmara, que não passou no Senado, numa humilhação terrível que durou meses a fio. Lembro-me deles, os talking heads da TV, todos sentenciosos, dissecando os detalhes das agruras de Bill. Durante dois anos só se falou “daquilo”... Hoje eles se recordam nostálgicos de como foram os “anos dourados” de Bill Clinton...e ninguém se refere ao caso Monica. Depois dos oito anos Bush, 11 de setembro, duas guerras e da grande recessão os folguedos eróticos do presidente foram reduzidos a sua expressão histórica nula. Ficou sua imagem como a de um presidente que conduziu bem o país, em tempos complicados, apesar de uma feroz oposição republicana que tentou destruí-lo. Ficou a nostalgia por um período de prosperidade de paz --no que pese suas ações militares pontuais e em bem sucedidas na Bósnia, Kosovo e Haiti.
Na convenção de Charlotte Clinton foi mais uma vez The Natural. Um discurso simples como um bate papo numa mesa de bar, desmontando minuciosamente as propostas de Romney e Ryan, explicando esmiuçadamente a dificuldade de Obama de recuperar o país no prazo e nas circunstâncias que encontrou e, sobretudo, um discurso focado nos indecisos e no “aquecimento” da base democrata para conseguir mobilizar seus eleitores na hora H. A influência da convenção republicana, em Tampa, sobre as intenções de votos nos estados indecisos foi pequena, segundo as pesquisas: uma sacudidazinha de não mais de 1% a favor de Mitt Romney. Tudo leva a crer que o efeito da convenção democrata em Charlotte seja mais robusto. Se, de fato, os democratas conseguirem que a emoção gerada ali reverbere a vitória pode se dar menos apertada do que em geral se prevê e as eleições de 2010, ganhas pelos republicanos, entrarão para a história como um ponto fora da curva. Na verdade Obama não precisa apenas ganhar. Para ter governabilidade os democratas precisam manter o Senado e recuperar a Câmara. Isso dentro do sistema distrital norte-americano, com os distritos desenhados sob medida pelos governos estaduais, será ainda mais difícil. Por isso Obama precisa gerar um tsunami político emotivo. Fácil não será. Mas está trabalhando nisso.
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