09/07/2012

A farsa do negacionismo climático


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O The Economist traz um dossier sobre o derretimento do Ártico e das geleiras da Groenlândia. Ressalta que o aumento da temperatura do Polo Norte é o dobro da média do planeta: desde 1951, o planeta aqueceu 0.7 graus e o Ártico 1.5. O oceano Ártico vinha derretendo 8% a mais a cada dez anos e o processo parece se intensificar: em 2007 a área a permanecer gelada, no verão, ficou em 24% abaixo daquela de 2005. Os cientistas suspeitaram de circunstâncias excepcionais mas, em 2011, essa extensão isso voltou a ocorrer.   O derretimento gera mais derretimento porque enquanto o gelo reflete a luz solar a água absorve muito mais. A previsão atual é que o oceano Ártico poderá derreter completamente, no verão, até 2037. Nas geleiras da Groenlândia isso também se dá a passo acelerado. Contribuirá para o aumento do nível dos oceanos e inundação de cidades litorâneas.

 O risco maior no derretimento do Ártico, das geleiras e do permafrost,  é a liberação de grandes quantidades de metano da atmosfera que podem ter um efeito exponencial e desencadear um circulo vicioso que comprometeria mesmo as mais ambiciosas metas de redução de emissões. A grande incerteza científica climática se dá justamente em relação a esse processo  de feedbacks. Dele também faz parte o metano liberado do fundo dos oceanos, pelo aquecimento dos mesmos, sua perda de capacidade de absorção de CO2 e o efeito do aquecimento global sobre florestas tropicais como a Amazônia provocando secas que trazem enormes emissões “naturais” de CO2, como ocorreu em 2005 e 2010.

 Ou seja, a incerteza científica relativa às mudanças climáticas se dá em relação à velocidade desses efeitos exponenciais e à gravidade de suas consequências comparativamente a outros mecanismos compensadores como  o fato do derretimento do permafrost trazer também o crescimento de vegetação capaz de absorver carbono. Nenhuma instância científica séria alimenta a menor dúvida a respeito da existência do fenômeno de aquecimento global, em si e do fato dele ser causado pelo “efeito estufa” no qual o carbono e outros gases emitidos pelas atividades econômicas humanas jogam um papel central.

 Existe uma ofensiva em curso dos chamados “negacionistas climáticos” que nos EUA e na Europa são abertamente financiados pela indústria do petróleo e do carvão numa prática análoga as campanhas que a indústria do tabaco fazia no passado para colocar em dúvida a relação do cigarro com o câncer e outras doenças respiratórias. É o mesmo tipo de sofisma que confunde incertezas específicas com um questionamento geral da existência do fenômeno. O negacionismo climático está se organizando no Brasil e já se nota sua presença na mídia em meios acadêmicos de escasso prestígio científico e muita ânsia de exposição. Esta é garantida.

 Ao contrário dos cientistas sérios que cultivam grande reserva no trato com a mídia por causa da sua tendência simplificadora e da dificuldade em tratar da nuance, os negacionistas são falastrões panfletários. Trazem, como aqueles seus colegas que negavam que o vírus HIV provocasse a AIDS ou o cigarro o câncer do pulmão, “boas noticias” que sensibilizam gente que não deseja ouvir verdades inconvenientes. Beneficiam-se da perda de qualidade de boa parte jornalismo atual que tende preguiçosamente a querer apresentar “as duas opiniões” quando não se trata de “opiniões” em sim de um diagnóstico científico. Todas as publicações científicas de referencia e os 10 mil cientistas do IPCC, de um lado, e do outro alguns acadêmicos previamente desconhecidos de terceira ou quarta linha. Eles próprios expõem uma grande diversidade de visões. Para uns não há aquecimento global, a terra na verdade estaria esfriando. Para outros há aquecimento mas ele é natural e o CO2 nada tem a ver com isso. Outros ainda sustentam que há aquecimento, o CO2 joga um papel mas as nuvens agirão como regulador e portanto não devemos ter medo. Finalmente há aqueles que dizem existe o aquecimento, é provocado pelos GEE mas já é exponencial, não vale a pena cortar emissões, nada mais há a fazer a não ser adaptar. Se o estupro climático é inevitável, relaxa e aproveita.

 Fico impressionado com matérias recentes na nossa imprensa que dão a esses picaretas um status de gente séria.  A ciência climática, ao contrário do que pretendem alguns, não é recente nem precária. Em 1820 o matemático francês Joseph Fourier e, em 1860, o físico irlandês John Tyndall realizaram as primeiras investigações para entender o fenômeno do “efeito estufa”. No final daquele século o vencedor do prêmio Nobel de 1896, Svante Arrhenius, estabeleceu claramente a relação entre o dióxido de carbono (CO2) e o aquecimento global. Esse conhecimento foi desenvolvido por Charles Keeling, nos anos 50. Hoje há dezenas de milhares de cientistas em todo o mundo ligados ou não ao IPCC(O painel intergovernamental das mudanças climáticas) da ONU, que estudam os mais diferentes aspectos do processo e, no que pesem ainda muitas dúvidas,  nenhuma delas envolve os dados de base  questionados pelos negacionistas climáticos.

Um comentário:

  1. penso no mundo, mas, é claro, me preocupo mais com o Rio e as consequências diretas. As vezes penso como as pessoas continuam construindo e vendendo nas avenidas de frente para a praia e isto me tranquiliza porque se houvesse uma real possibilidade de elevação do nível a prefeitura já deveria, há tempos, estar impedindo que isto ocorra . Se há o perigo e nada é feito, só temos que concordar com a afirmação da irresponsabilidade de nosso representantes. Por exemplo, não tão próxima do mar, mas sempre afetada por suas maré e ressacas, está Vargem Grande que a cada ano sofre mais com as enchentes de verão. Não se regularizam as construções a beira de rios, permite-se as edificações até dentro d`água sobre palafitas - comunidades Beira-rio e Pombo sem asa - mas há também condomínios caros, a beira do canal do rio morto, que são construídos sem levar minimamente em consideração o futuro. Isto leva qualquer pessoa sensata a desacreditar nas consequências do aquecimento. Como poderá ser verdade se nada é feito pelas autoridades.
    Simples perguntas como: que áreas serão atingidas, quais os bairros em risco, o que pode ser feita já pelas pessoas que serão atingidas? Só existem duas possibilidades para a imobilidade dos poderes: ou descreem, ou , pior ainda, sabem e ficam quietas para não prejudicar o mercado imobiliário, atitude criminosa que num país serio levaria os responsáveis a cadeia.

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