09/06/2011

Reforma politica


Transcrição de discurso na Assembleia Legislativa
do Rio de Janeiro na sessão especial da Comissão
de Reforma Política da Câmara de Deputados.

O SR. ALFREDO SIRKIS – Bom dia a todos. É um prazer, uma satisfação estar aqui no Rio debatendo publicamente a reforma política. Há muito tempo sou um grande crítico do nosso atual sistema eleitoral. Penso que o voto proporcional, em que se vota na pessoa, e não no partido e nas propostas, cria uma cultura política de feroz individualismo que se reflete em campanhas cada vez mais caras, na ocupação predatória da máquina pública, na criação em excesso de cargos comissionados de livre provimento e numa dificuldade muito grande, que têm hoje os governos, em todos os níveis – municipal, estadual e federal –, de ter uma governabilidade estável, uma vez que os partidos são meras legendas de agrupamento de candidatos. A negociação para a formação de governos estáveis acaba se dando praticamente com os parlamentares um a um.

Esse sistema vem propiciando campanhas cada vez mais caras e uma tendência cada vez maior ao encolhimento do voto de opinião – a cada eleição o voto de opinião fica menor –, além do favorecimento de formas diretas ou indiretas de compra de voto, como são os centros assistenciais, a compra de votos através de cabos eleitorais e até mecanismos mesmo de distribuição de dinheiro, como ocorre em alguns estados.

Lembro-me de que, há alguns anos, fui ao Mato Grosso do Sul, estado economicamente pujante e que parece o interior de São Paulo. Na mesa de bar, a conversa era quem comprava voto com mais competência para não ser enganado depois. Chegamos a um ponto em que, sinceramente, a democracia brasileira estará ameaçada caso esse sistema continue por muito tempo mais, dez, vinte anos.

Acho que vai desaparecer completamente o voto de opinião. O voto, todo ele, vai depender basicamente desses centros assistenciais, que dispõem de clientela fixa, pois proveem consultas médicas e odontológicas, distribuição de material de construção, trabalho de despachante. Quinze mil ou vinte mil desvalidos orbitam em torno daquilo e o político vai se reeleger quantas vezes forem necessárias, ainda que seja flagrado pelo Jornal Nacional cometendo um ato de pedofilia, porque as pessoas às quais ele serve querem mais que ele roube mesmo, porque quanto mais ele roubar, mais vão poder se locupletar também das migalhas desse processo.

Eu, pessoalmente, sou favorável ao voto em lista, como existe em Portugal, na Espanha e em uma série de países que usam o voto proporcional. Penso que se vota no partido, se vota nas ideias, existe a possibilidade previamente de haver eleições primárias em que todos os filiados de um determinado partido ou os convencionais – depende do estatuto do partido – elegem a ordem de entrada na lista. É claro que aqui no Brasil, no início, vai morrer gente na convenção, mas depois disso vai haver partidos estruturados, campanhas que vão custar um percentual ínfimo em relação ao que custam hoje. Isso porque, em vez de haver eleição proporcional para Vereador, por exemplo, com 1.500 candidatos, cada um correndo atrás de seu próprio financiamento de campanha, seriam apenas vinte, vinte e poucos partidos, com uma condição de fiscalização realista em cima disso.

Penso, no entanto, que é impossível, na atual situação, pela percepção disso na sociedade, na chamada opinião publicada e também por causa da correlação de forças concreta existente dentro na Câmara dos Deputados e no Senado, a possibilidade de essa proposta prosperar em seu estado puro é próxima de zero.

Existe outra proposta, chamada de Distritão, que é o voto majoritário puro. Os estados viram distritos eleitorais, vota-se simplesmente na pessoa e ela entra na hierarquia do que vier a ser o resultado eleitoral. Acho que essa proposta anula completamente a existência dos partidos. Para ter um sistema eleitoral assim, poderíamos ter todo mundo por la libre, como dizem os hispanos, porque o partido político deixa de ter qualquer significação. Sou totalmente contra a adoção disso dentro de um estado puro. Não tem chance de ser aprovada.

Parece-me que, se reforma política houver, e digo que isso é uma coisa difícil, porque já houve quatro ou cinco tentativas, ao longo dos vinte e pouco anos que nos precedem, de fazer uma reforma política – é difícil mas não é impossível –, será em torno de um sistema misto. Vejo na Comissão duas propostas, uma feita pelo próprio relator Henrique Fontana, do PT do Rio Grande do Sul, que defende uma espécie de voto proporcional misto – votar-se-ia duas vezes, metade seria eleita pela lista e metade seria eleita por um sistema muito parecido com o atual.

Existe uma proposta que venho defendendo, a do chamado voto distrital misto plurinominal. Como funciona esse tipo de voto? Cinquenta por cento são eleitos por uma lista – essa lista poderia obter exclusivamente financiamento público. O segundo componente: aqui no Rio são 46 Deputados Federais, 23 seriam eleitos por listas partidárias – haveria um primeiro voto na legenda, na sigla de um partido – e os outros 23 seriam eleitos em duas formas alternativas que coloquei ali, ao sabor do que será o nosso processo de negociação. A que me agrada mais é a ideia dos grandes distritos, é ter distritos que elejam três, quatro, cinco Deputados Federais e um número um pouco maior, porém correlato, de Deputados Estaduais num mesmo distrito.

Com esse sistema regionaliza-se um pouco mais o processo eleitoral. Por outro lado, não existe tanto aquela coisa do voto distrital esmagar completamente as minorias. Os partidos menores, minoritários, ao eleger quatro ou cinco Deputados Federais e, no caso de Deputados Estaduais, seis ou sete, teriam a oportunidade também de ter a sua representação nesse voto majoritário, desde que tivessem candidatos fortes, como acontece aqui no Estado do Rio de Janeiro.

Esse componente poderia ser financiado da seguinte maneira: em primeiro lugar, pessoas jurídicas – não falo apenas de empresas, como existe hoje; pessoas jurídicas, incluindo sindicatos, associações e organizações não governamentais, poderiam fazer doação, mas exclusivamente para os partidos e dentro de um limite máximo fixado a cada eleição pelo TSE. Esses recursos seriam exclusivamente para as eleições majoritárias – Presidente, Governador, Prefeito e para o componente majoritário das eleições para Deputados e Vereadores – e teriam que ser repartidos de forma igual entre os candidatos ou em benfeitorias coletivas para todos os candidatos, de forma absolutamente equânime. Cada candidato poderia ter a sua própria conta de campanha, mas exclusivamente com doação de pessoas físicas. Essa seria, na minha opinião, a forma de financiamento desse sistema eleitoral que estou propondo, não porque ache que seja a melhor – eu, de fato, sou partidário do voto de lista –, mas porque acho que tem alguma chance de ser aprovada. Penso que o sistema atual é o maior dos males.

Temos discutido outras coisas também. Uma discussão que tem sido muito intensa é quanto à coincidência total de eleições. Todos nós que temos alguma experiência em administração pública sabemos como é complicado ter eleições em todos os anos pares – eleição ano sim, ano não. O que acontece, na verdade, nos anos ímpares, quando supostamente se tem tranquilidade para exercer as atividades do governo sem a pressão de uma campanha eleitoral – na realidade, não é nem o ano todo, são nove meses, sendo que, nas últimas eleições presidenciais, o Presidente Lula lançou a campanha já em 2009, então, passamos todo o ano de 2009 já sob a égide da campanha presidencial –, além dos limites legais, das restrições legais? Acontece que no momento em que se acende uma campanha eleitoral, seja municipal, estadual ou nacional, imediatamente, sobretudo num sistema onde existe abundância de cargos comissionados dentro do Executivo que dependem, para continuar, da vitória dos seus padrinhos políticos, passa a haver, dentro da administração pública, a influência desse clima pré-eleitoral no dia a dia da gestão da máquina pública.

Por isso, sou da ideia – ainda que se tenha, em virtude disso, que se prorrogar mandatos de Prefeitos e Vereadores que venham a ser eleitos no ano que vem, por hipótese – de que vale a pena se fazer coincidir as eleições todas num ano só. Existem propostas no sentido de se fazer tudo no mesmo dia, o que me parece um pouco complicado para o eleitor. Eu tão somente penso, em aberto, numa proposta de nós, em dois meses, em outubro ou em novembro, termos dois meses de intensa atividade eleitoral, votando inicialmente para Presidente, Senador e Deputado Federal, 15 ou 20 dias mais tarde para Governadores e Assembleia Legislativa, 15 ou 20 dias mais tarde para Vereadores e Prefeitos e, depois, 15 ou 20 dias mais tarde, segundo turno para tudo que depender de um segundo turno. Penso que concentrar as eleições num único ano teria essa vantagem para o funcionamento da máquina pública.

Eu, pessoalmente, sou contrário à reeleição, penso que não deveria mais haver. Ela foi um produto adotado de forma bastante casuística no primeiro Governo do Presidente Fernando Henrique e acho que não produz bons efeitos. O que temos visto é que, de fato, os candidatos à reeleição entram com uma vantagem descomunal, mais de 70% deles são eleitos.

Estas são algumas ideias. Existe uma série de outros assuntos que não são tão candentes. Penso que a primeira coisa a se decidir é o sistema eleitoral porque dele depende uma série de outras coisas. Não há sistema eleitoral perfeito. Eu conheço Portugal, Espanha, Argentina, que têm um voto de lista; eu conheço muito bem França, Inglaterra, Estados Unidos, que têm o distrital puro, sendo que no caso da França é em duas voltas; conheço países escandinavos, que têm sistemas até mais sofisticados. Todo mundo reclama do seu sistema eleitoral, ninguém está 100% satisfeito em relação ao seu sistema eleitoral.

Em relação às propostas que temos aqui, todas elas certamente terão vários defeitos. Mas eu, de fato, acho, para finalizar, que temos que ter no Brasil uma política, em primeiro lugar, que seja menos individualista e mais programática, para que as propostas, as ideias de solução sejam realmente importantes no processo eleitoral. Em segundo lugar, que tenhamos uma máquina pública que seja muito mais profissionalizada e muito menos dependente das marés políticas, um serviço que de fato prescinda da quantidade absurda de cargos comissionados de livre provimento que existem no Executivo nos dias de hoje. Acho que isso é um grave dano para a democracia. Que se reduza drasticamente – o ideal seria que se eliminasse, mas que, pelo menos neste primeiro momento, se reduza drasticamente – o peso do poder econômico nas eleições.

Há esse elenco de propostas que eu estou apresentando sem resolver o problema, porque, na medida em que vai haver voto majoritário, continuará a haver centros assistenciais, continuará a haver esse fenômeno que eu mencionei, mas que pelo menos o circunscreve. Uma verdade que aprendi nesses longos anos fazendo política é que governar é trocar problemas maiores por problemas menores. Penso que se nós conseguirmos adotar um desses dois sistemas que estão sendo discutidos na Comissão estaremos trocando um problema maior por um problema menor.

Muito obrigado. (Palmas)

Nenhum comentário:

Postar um comentário