23/10/2018

Apoio (hiper) crítico ao Haddad


Decidi votar em Fernando Haddad para presidente. Foi um dilema muito difícil entre isso e votar nulo que  considero perfeitamente legítimo, nas circunstâncias. De forma alguma critico quem o fará. Até chegar a essa decisão de voto analisei a questão por diferentes  ângulos.

 Em primeiro lugar acredito que trata-se de um pleito já decidido, no primeiro turno. É praticamente impossível Haddad reverter o quadro em que uma parcela muito grande de eleitorado brasileiro votará em Bolsonaro por uma motivação primordialmente anti-PT.

 Para mim o segundo turno ficou liquidado quando assisti a conferência de imprensa do PT na noite do primeiro. Estavam eufóricos, pareciam que tinham vencido. Em vez de sobriamente se dirigir ao povo brasileiro, sozinho, olho no olho na intimidade televisiva, Haddad se meteu no meio de um comício de bolso, vermelho, ao lado de Gleisy (Maduro) Hofman e de toda uma comemorativa malta petista e pecedobista.   

 Foi um ritual lulista transbordando da felicidade de quem atingira seu objetivo: chegar na frente do Ciro –que teria alguma chance derrotar Bolsonaro no segundo turno--   manter-se como primeira força da futura oposição, apostar no “quanto pior melhor” e para buscar uma futura hegemonia na oposição, tal qual no passado. No fundo pareciam conformados com Bolsonaro. Essa turma não quer ganhar, pensei. Para eles já tá bom.  Cogitei votar nulo.

 Considerando a parada decidida, como considero, por que haveria de votar no candidato do PT? Para fortalece-los como principal força de oposição com aspirações a hegemonia? Atenuar o tamanho da porrada que merecem receber para começar a pensar numa autocrítica e num aggiornamento?

 Desde o primeiro turno já vinha construindo mentalmente meus dois cenários do segundo turno a evitar. Ambos era assustadores e me levaram a votar útil em Ciro Gomes e não em Marina com a qual teria mais afinidade programática.

 No cenário Bolsonaro, ao contrário do que dizem certos amigos, vejo, sim,  risco para a democracia. Não é a mais provável mas considero nada desprezível a hipótese Duterte/Erdogan:  a partir de uma vitória eleitoral vai se minando a democracia de dentro das próprias instituições combinado com pressões e mobilizações de fora por  grupos extremistas, milícias e outros meios. Aliás, na América Latina, o melhor exemplo disso é a própria Venezuela.

 Hugo Chaves operou  e Nicolas Maduro preside um regime fascista que usa uma coreografia de esquerda nas cores e referências ideológicas mas é essencialmente mussoliniano até a medula óssea. 

 Bolsonaro não é um líder carismático como Chaves ou Erdogan nem um fino estrategista como Putin ou Orban. A solidez das instituições democráticas brasileiras é maior do que a desses países ditos  de “democracia não-liberal” onde a alternância é cerceada e o autoritarismo assume o controle da mídia, do judiciário e do legislativo mas o “autogolpe” é uma possibilidade aventada, explicita ou implicitamente,  por vários correligionários de Bolsonaro, inclusive o vice e o filho. Minha expectativa em relação ao seu governo é de caos, confusão, retrocesso socio ambiental, lutas internas ferozes e um tipo de sinalização e narrativa que estimule a coação e a violência contra grupos políticos e sociais antipatizados.\

 De qualquer modo,  do dia da posse em diante a ampulheta da História vira de novo, a areia começa a escorrer para o final do ciclo, seja ele longo ou curto.

 No cenário Haddad criar-se-ia de imediato uma situação à la America Latina anos 60/70. Um governo de uma esquerda dividida, totalmente isolado,  assentado num segmento mais pobre confinado ao nordeste, com uma feroz hostilidade da classe média urbana e rural e o empresariado, em geral  nas regiões mais ricas e produtivas do país.  Uma resistência feroz no Judiciário e MP e uma grande propensão de vivandeiras acorrerem aos portões dos quarteis, mobilizações de massa de desobediência civil, lockouts de caminhoneiros, intensa instabilidade e deterioração da economia com um risco evidente de um golpe tipo clássico.

  Corremos um certo risco de ruptura da ordem constitucional com  risco subseqüente de guerra civil. Os golpistas ou autogolpistas devem refletir que o Brasil da atualidade não e o dos anos 60. A quantidade de armamento de guerra ilegalmente disseminado nas comunidades mais pobres é gigantesco. A isso querem agregar o armamento massivo da classe média. Qualquer quebra da ordem democrática tende, no entanto, a produzir efeitos bem diferentes de 64. No final da linha tenderia a resultar não em um regime autoritário, estável,  com uma ordem imposta a ferro e fogo,  como foi a ditadura, mas a síndrome dos estados falidos, as mil e uma ditaduras militares locais.

 Era duro decidir o voto pelo viés desses cenários de contingência, ambos ruins ao extremo. O voto seria nulo.

 Optei,  no entanto,  um por uma terceira abordagem, mais pessoal,  de decisão de voto, sempre partindo do meu pressuposto anterior de que a parada já foi liquidada no primeiro turno.

 Decidi então não votar nulo por duas razões básicas: a mídia vem, sistematicamente,  privilegiando a divulgação em votos válidos. Dessa forma os votos nulos e brancos acabam menos visíveis, quase escondidos. Numa situação assim a mensagem do voto nulo –uma negação tanto de Bolsonaro quanto do PT--  fica pouco visível e a vantagem do vencedor mais expressiva. Não podemos dar a Bolsonaro a possibilidade de uma vitória uma enorme margem porque isso vai estimular um sentimento de onipotência e  uma ainda maior audácia e agressividade de seu heteróclito e imaturo conglomerado de seguidores.

 A segunda razão é que, no final das contas,  trata-se da escolha entre duas pessoas, dois homens para um cargo de considerável poder e autonomia que é a Presidência da República. Jair Bolsonaro nunca entrou nas minhas cogitações. Conheço-o bastante bem, formos colegas dois anos na Câmara de Vereadores do Rio e quatro na Câmara de Deputados, na mesma Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Nossa relação pessoal não era ruim, mantínhamos uma certa cordialidade apesar de algumas polêmicas. No entanto, vejo-o totalmente despreparado e comprometido por muitos anos de um discurso muito intolerante, tosco, simplório, deliberadamente chocante e de notavel desprezo pelos valores democráticos. Nas questões ambiental e  climática sua postura pode ser resumir àquela velha e mal humorada máxima: “Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe”. Uma pessoa assim pode ser moderada pela faixa presidencial? A responsabilidade e o exercício concreto da função presidencial pode mudar essa pessoa?

Em tese, pode. Mas, no caso concreto,  tenho sérias dúvidas que isso venha a acontecer. Não apostaria nisso.

 Haddad, considero melhor que o PT. Ousaria dizer até que,  fora do seu contexto político partidário, do seu servilismo lulista, de seu enquadramento pela burocracia petista,  teria sido um candidato bastante razoável no qual poderia ter  votado até mesmo no primeiro turno (em vez do Ciro no qual votei). O problema é que não era possível desatrela-lo do que ele mesmo assumira como leitmotiv : Haddad é Lula, Lula é Haddad”. 

 Nas circunstâncias do segundo turno,  sob um ângulo mais pessoal votarei nele simplesmente porque tem mais compromisso com a democracia, não exprime discriminação, se preocupa com a questão ambiental e climática e, dentro do PT, representa –quando permitem—uma sensibilidade mais dialogante e menos arrogante. Não vai sair do Acordo de Paris, acabar com o Ministério do Meio Ambiente, agregar milhares de armas às que já circulam, estimular uma cultura de intolerância e raiva nem propala prender e exilar adversários políticos ou ideológicos.


  Sem esquecer em nenhum momento, todas as críticas que tenho ao desastre que o PT promoveu, sobretudo a partir de 2011,  seus erros crassos, seu hegemonismo, sua arrogância, seu inaceitável apoio a governos fascistas vermelhos como de Maduro e Ortega, suas visões econômicas atrasadas e sua promoção canhestra de políticas de identidade que destroem a esquerda, decidi,  não votar nulo mas votar Haddad 13, no próximo domingo simplesmente porque é o melhor candidato e  melhor ser humano. 

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