06/12/2016

Muita calma, nessa hora

 
Não me recordo de um outro momento em que tenha presencia do tamanho estado de entropia política, no mundo em geral e, particularmente, no Brasil. Houve momentos na história em que grandes tragédias, provações, crises econômicas, guerras, deram surgimento a sentimentos de união, líderes que souberam captar o momento e apontar caminhos, devolver confiança, fazer aceitar sacrifícios temporários por um futuro melhor. Atualmente o que há é uma algaravia que anuncia aquela triste definição que Shakespeare certa feita deu da vida: “um conto narrado por um idiota, cheio de som e fúria significando nada”. Deixemos de lado o Brexit, Trump, a queda de Matteo Renzi e o porra louca Duderte, o boquirroto das Filipinas e nos concentremos no aqui agora do Brasil.

Estamos numa crise econômica terrível, a pior de nossa história. Governos de estado entram em colapso, o Rio é o caso mais sério. A bandidagem aproveita o colapso e reocupa ostensivamente as favelas restabelecendo a ditadura militar local. Recentemente uma ONG que desenvolvia um trabalho fantástico no Vidigal, comunidade até então supostamente “pacificada”, com UPP e tudo, foi obrigada a fugir do morro. Os bandidos queriam que eles assinassem carteiras de trabalho para seus ‘soldados” e a recusa levou a ameaças de morte. Em São Paulo, o PCC comanda grandes ocupações e está expandindo seus tentáculos para o interior do Rio.

 A instabilidade política/institucional agrava sobremaneira a econômica. Não temos como sair da recessão pela via kenesiana do investimento público pois o PT conseguiu com sua gastança absurda fechar essa porta por um bom tempo. A iniciativa privada teme investir o que quer que seja e há contenção  mesmo no setor agropecuário, o único relativamente ao abrigo. 

 Há um volume enorme de poupança externa a juro baixo –até negativo, em alguns casos--  disponível,  para bons projetos mas que demandam sólidas garantias contra o risco de  mudanças cambiais bruscas e outros.  Esses capitais não virão numa situação patética como a nossa. E o Banco Central, no meio desse pânico, tende a manter ou reduzir demasiado lentamente uma taxa de juros devastadora, uma quimioterapia que está matando o paciente.

 A mídia é diretamente responsável pelo entretenimento do clima de entropia. Em tempos de “redes sociais” quando qualquer energúmeno terá sua audiência, onde imperam o hoax e o discurso de ódio isso torna a sociedade um mosaico de tribos enfurecidas e desorientadas. A polarização entre petistas e anti-petistas cede lugar agora a um "vale tudo" todos contra todos, como numa daquelas brigas de saloon de filme americano dos anos 50.  A histeria tornou-se o tom dominante.  

 A midia “séria” busca o sensacional, aposta na crise cada vez maior. Não se cansa de publicar matérias sensacionalistas com um nível de apuração nulo tendendo a criminalizar qualquer tipo de contato com aquelas que até pouco eram as maiores de empresas do país. Figurar numa agenda telefônica, ter trocado mensagens por celular, anotações de pedidos de contribuição legal de campanha tudo vira pasto para um circo diário que vai criando suas turbas de linchamento, por enquanto via  internet. Como soe acontecer nessas situações, que no passado resultaram em fascismo, comunismo, rebeliões, guerras civis e banhos de sangue, há uma sofreguidão por bodes expiatórios  e por abater “a bola da vez”. 

 O ódio e a raiva tornam-se os sentimentos dominantes. Desopilar o fígado e não colocar o cérebro para funcionar passa a ser o nome do jogo. Como nas guerras, a verdade objetiva é a primeira que morre e vivemos alimentados uma enorme confusão de verdades, meias verdades, meias mentiras, mentiras completas, distorções e lendas urbanas aos quais a internet dá possibilidades inéditas.

 Algumas das maiores empresas do país tem seus principais executivos presos e a maior parte do estamento político superior, envolvido em grandes escândalos começa a acompanha-los. A clássica impunidade dos arrogantes poderosos como Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, etc acabou. A Lava Jato promoveu uma devassa meritória. Muito bem. Outros personagens vão cair. Que assim seja. No entanto, manter o país, em grave crise econômica emerso nesse frenesi permanentemente com todos os efeitos colaterais que isso provoca dá uma clara noção de o remédio vai matar o paciente.

  Há dois processos na Lava Jato. Um é a investigação, em si, em geral conduzida com seriedade e com foco nos grandes esquemas de corrupção envolvendo vultosos recursos públicos. Esse processo, globalmente positivo, tem um propósito louvável. Comete, no entanto, certos escorregões, atropela perigosamente, aqui e ali, prerrogativas constitucionais como a presunção de inocência, abusa de prisões preventivas e de penas totalmente desproporcionais para forçar delações que viraram uma faca de dois gumes.  Transformou-se  na norma o que oferece um poder inédito para apurar crimes mas traz consigo grandes riscos. Todo poder desmedido, mesmo o poder dos virtuosos, traz enormes perigos. Se a impunidade não pode mais ser tolerada a supressão de garantias individuais não pode se tornar a norma. Há um equilíbrio delicado que precisará ser preservado, caso contrário a democracia se verá em apuros.

  Esse risco no permanente pêndulo das instituições judiciais preocupa mas poderá eventualmente encontrar seu ponto de equilíbrio. Mais  grave é ódio no olho da rua ou na virtualidade das redes.  Outro dia ouvi de um motorista de taxi “a solução para o Brasil é fuzilar todos  os políticos”, “como na Indonésia” explicou. "Todos", repetiu. Expliquei lhe que na Indonésia não estão absolutamente fuzilando  políticos mas os traficantes estrangeiros, inclusive surfistas brasileiros. “Filipinas, então” retrucou, persistente.  

 Ah, “os políticos”! Conheço bem esse mundo. Atuei nele 26 anos contra a maré. Lutando por ideais e propostas num mar de fisiologismo, clientelismo, assistencialismo e  corrupção. Me afastei da política institucional, em 2014,  e estou mais que feliz com essa decisão. Minha vida melhorou muito. Por outro lado, por conhece-la sei como são ingênuas e simplistas --quando não estúpidas-- algumas das plataformas em voga “nas redes”. Tenho visto uma recentemente que é o afastamento imediato pelo STF dos cerca de 300 parlamentares indiciados. Conheço esses caras, há entre eles, sem dúvida, bandidos que precisariam ser logo julgados e não são porque a Justiça é morosa.  Há também uma boa quantidade indiciamentos abusivos por denúncias de adversários, matérias jornalísticas irresponsáveis ou perseguição de um desses procuradores gênero Demóstenes Torres que  usava a posição nos MP para se promover (e virar político). Conheço processos tremendamente injustos contra pessoas de bem que também tardam a ser inocentadas.

 É possível simplesmente expurgar os parlamentares indiciados? Na prática,  cassar mandatos populares antes do desfecho do devido processo legal? Além precisa indicar no Facebook que existe uma Constituição. Mas suponhamos por um momento que os tais 300 --que no seu tempo “lava-mais-branco” o Lula chamou de “picaretas”--  fossem todos afastados. Alguém tem ideia de quem são seus 300 suplentes? Um baixo clero de quinta, com toda probabilidade de serem ainda mais corruptos, intelectualmente nulos, fisiológicos e vindos de um estamento mais ligado às milícias, ao tráfico e por aí vai.

 A grande questão é a seguinte, nossos terríveis “políticos” acaso vieram de Marte? São alienígenas à nossa austera sociedade que simplesmente se infiltraram no Congresso Nacional, nas câmaras municipais e assembleias legislativas para roubar, roubar, roubar?  Ou esses caras estão lá porque foram eleitos --numa enorme proporção por compra direta ou indireta de votos--   porque seus eleitores se identificam com eles, investem neles por considerar que em algum momento irão lhes trazer alguma vantagem? Quando ingressei pela primeira vez na Câmara Muncipal do Rio eu acreditava piamente aqueles políticos que eu tanto desprezava “enganavam o povo”. Depois aprendi que não era bem assim. Que eram eleitos conscientemente, queridos pelas benesses que propiciavam, admirados por que roubavam, sim, mas repartiam parte do produto via centro assistencial.  Extraterrestre era eu que chegava num bairro desses bem “trabalhado” por políticos daquele estilo e me deparava com um olhar hostil do eleitor:  “mas você aí com toda essa sua conversa mole de ecologia, que não enche a barriga de ninguém, o que você vai me dar em troca do meu voto? Nem uma camiseta, heim?”

 Os “políticos” refletem o eleitorado que os elegeu e, no Brasil,  quem se elege defendendo ideias, quer discutir programas de governo, projetos é uma minoria sempre minguante.  Seres em extinção se o  sistema eleitoral brasileiro permanecer o que é com sua espinha dorsal de feroz individualismo e sua  lógica de carreira profissional, individual.

 Melhor então voltar à ditadura? Na ditadura roubava-se muito mas não se podia falar disso pois a imprensa era censurada, o judiciário submetido e mandava uma clique fardada. Quanto aos “políticos” nunca deixaram de existir. Na ditadura eram submissos, cumpriam ordens num congresso de fachada. Querem isso de novo? Improvável, até porque os militares não tem mais a menor disposição de tomar conta desse país ingovernável, nem pelas boas, nem pelas más.

 Não há atalhos nem soluções miraculosas. A economia precisa se recuperar senão vamos para uma Síria tropical. Para que a economia tenha uma chance de sair dessa tem que haver um mínimo de estabilidade política e não um sobressalto por dia. Avançou-se muito no desmonte dos grandes esquemões e um contingente considerável dos principais operadores políticos foi pego mas não vamos conseguir “limpar” totalmente a política brasileira, a curto prazo. O equilíbrio de poderes é importante mesmo que –e sobretudo quando— os poderes são problemáticos. Uma hegemonia total do Judiciário só é atraente para quem não conhece suas mazelas, seus privilégios e impunidades próprias. 

 Então é hora de respirar fundo, engolir a histeria, entender que Fora Temer é ridículo (quem seria o “político” eleito indiretamente para seu lugar???) Em 2018 haverá possibilidade de eleger um outro e não se vê no horizonte quem possa ser. Isso sim que é grave...

 Quem quer tenha alguma responsabilidade precisa contribuir para acalmar, pacificar, estabilizar, tentar segurar a queda livre da economia, promover o diálogo a des-sectarização e uma reforma política que a médio prazo ajude a produzir uma representação melhor do que a atual. No mais espera-se uma nova geração idealista mas prática, sem quimeras ideológicas de esquerda ou direita, e que provavelmente virá do exercício do poder local.

 Enquanto isso recomendo muito chá de camomila e muita passiflora. Muita calma, nessa hora.









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