20/05/2015

Aperte os cintos, a frase sumiu...

  

Recentemente observei a alguns amigos que a questão climática no âmbito internacional era uma das raras áreas na qual a presidente Dilma ainda teria poder para agir já que na macroeconomia e na política deixou de ter relevância. Dilma não possui o pragmatismo descarado  de Lula,  ela tem suas convicções em matéria econômica e despreza a política.  Se vê não como “política” mas como militante de uma causa. Isso,  que sob um certo ângulo poderia se positivo,  quando associado ao dogmatismo e à arrogância no trato com os demais mortais deixa de sê-lo.

 De qualquer forma eu fiz a observação sob uma ótica otimista, como é do meu –tantas vezes ingênuo-- feitio. Imaginei a Dilma agarrando a  oportunidade de fazer história: colocando o Brasil na liderança de um processo no qual tem uma grande vantagem competitiva. O Brasil é, de fato, objetivamente e  inequivocamente, o país que mais reduziu suas emissões de gases efeito estufa, desde 1990.  Nosso “pico” foi em 1995: 2,6 gigatoneladas (bilhões de toneladas de CO2 equivalente)  ou Gt e  tivemos um repique em 2004, em 2,4 Gt. Como nosso desmatamento baixou de  27 mil km2 em 2004 para menos de cinco mil, atualmente estamos emitindo algo próximo de 1.3 Gt.

 Até final de setembro,  teremos que determinar nosso INDC,  nossa meta de referencia de redução de emissões para a Conferência de Paris. A primeira questão, antes de discutirmos o quanto é determinar a natureza dessa meta. Há nas instâncias governamentais que tratam do assunto com alguma consistência técnica, na sociedade civil,  nos meios acadêmicos um consenso inicial, elementar: a meta brasileira não pode mais cair na desonestidade intelectual do chamado “desvio da curva business as usual BAU” ou seja chutar para cima um nível de emissões, em 2030,  e depois chutar um percentual de redução em cima desse número imaginário frequentemente associado a projeções de crescimento do PIB simplesmente escalafobéticas como foram as de 6% a 4%, em Copenhagen, em 2009.  Atualmente vista a urgência cada vez maior com que o problema é encarado, em todo o mundo, simplesmente pega mal fazê-lo, virou um ‘mico’ mexicano.   

  As áreas do governo afeitas ao tema vem discutindo-o internamente e com lideranças e especialistas da sociedade civil. Prudentes que são, concordaram em avançar apenas esse pequeno passo na declaração conjunta Brasil – China quando da visita do primeiro ministro Li Kequiang. Lá estava uma pequena frase que para a maioria das pessoas soa sem muito sentido mas para os entendidos subentende que o Brasil fixaria sua meta “no agregado”, ou seja em limites absolutos de emissão, em gigatoneladas de carbono equivalente.  Era simplesmente " Brazil has announced its intention to establish an upper limit to its emissions by 2030." 

 (O Brasil anunciou sua intenção de estabelecer um limite máximo para suas emissões em 2030) Os mesmos setores do governo queriam avançar num ambicioso pacote de energia solar com os chineses. Uma declaração em 15 pontos, em separado,  com vários passos concretos. Um negócio ambicioso. O problema que ninguém conseguia conversar com a presidenta sobre esses temas fazia muito tempo. Ou seja não combinaram o jogo com os russos...

 Voltemos a minha assertiva inicial. As mudanças climáticas são uma das poucas áreas importantes que em que Dilma ainda tem o poder de fazer a diferença. Imaginei isso para o bem. Vislumbrei-a “ocupando o espaço”  e colocando o Brasil na liderança do processo: fixando um objetivo de longo prazo, a neutralização das emissões em 2050 e fixando nossa meta para 2030 algo abaixo das nossas emissões de 1990. Há um estudo que o governo tem em mãos colocando um cenário (atrasado) de 1.6 Gt e dois mais avançados de 1,2 e ligeiramente abaixo de 1 Gt. Na Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Congresso Nacional, que presidi ano passado e cujo relator era um senador ruralista,  nos entendemos em torno de uma redução de 15% em relação a 1990, mais ou menos 1,2 Gt. Pessoalmente defendo o 30% em 2030, que na prática daria perto de 1Gt. O que não é concebível é chegarmos em 2030 com emissões superiores as atuais(1,3Gt)  ou superiores às de 1990 (1,6 Gt).

 O que não percebi, inicialmente, é que aquela minha avaliação sobre a presidenta poderia estar certa em relação ao poder que ela ainda tem nessa área mas minhas expectativas podiam estar totalmente equivocadas. Ou seja,  ela poderia, sim, ainda utilizar esse poder que ainda lhe resta nesse campo mas  não para colocar o Brasil na vanguarda do processo climático mas dar vasão às suas idiossincrasias.  É que Dilma é idiossincraticamente hostil às energias limpas e,  por tabela,  sensível ao discursos mais retrógrados em relação ao clima que podem ser encontrados no MME do Lobão –mudou o ministro, para melhor, mas a turma do Lobão continua por lá--  ou em outras áreas reacionárias do sistema fóssil-energético. Mas, a rigor, ela nem precisa deles. Tem suas próprias convicções, não é?

 Resumo da ópera: a presidente mandou eliminar a tal frase e enterrar a grande iniciativa solar com os chineses. Digamos que  que o fez com a ênfase que lhe é peculiar... Em relação à  frase aconteceu um acidente: chegou a circular uma versão do documento com ela. Enquanto sua interpretação ainda era discutida ela simplesmente sumiu nos sites oficiais. Já o solar-que-virou-suco, por pressão dos chineses, voltou à vida não mais num documento parrudo, à parte,  mas no corpo da declaração conjunta, de forma anódina mas mal que bem consagrando um investimento significativo que parece que vai acabar saindo numa fábrica montadora de painéis solares.


 O processo em relação a COP 21 em Paris está apenas se iniciando e o INDC, a não ser que decidam um improviso “nas coxas” deve sair lá para setembro. Ou seja há ainda um certo tempo para mobilizar a sociedade e também para tentar convencer a presidente da república. Pelos vistos uma missão para Papa Francisco. Aguarda-se um milagre...

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