O propósito da ação política pública é
transformar a realidade, agir sobre ela. Uma definição positiva que cheguei
sobre o fazer política, depois de 46 anos da dita cuja --participei de minha
primeira manifestação em 1967-- é: “organizar as pessoas para melhorar as
coisas”. O vice-versa também faz sentido. Claro, majoritariamente não é assim
que a banda toca na política brasileira. É mais para: “manipular as pessoas para obter mais coisas”.
Recentemente, no entanto, vejo cada vez mais
uma nova dimensão, essa precipuamente individualista: “ expressar as coisas
para me colocar” ou, se preferirem: “me colocar para expressar” isso
independentemente de qualquer propósito ou ilusão de transformação. É particularmente assim nas causas de
cunho identitário: raça, etnia, sexo, orientação sexual: afirmar-se: “estou
aqui”, “sou assim” torna-se mais importante do que qualquer reivindicação ou
mudança prática.
A política torna-se simplesmente uma forma de
expressar um impulso de afirmação ou de desopilar o fígado expressando raiva, ódio por
alguém. Mais que conteúdo, “atitude”, sem estratégia ou propósito
identificável, tornou-se predominante.
Toda
ação deve ser norteada pela noção que buscamos ampliar nosso campo e isolar o
de nossos adversários institucionais, sociais, ambientais ou culturais. Isso
pressupõe um discurso, uma narrativa e um gestual capaz de atrair o maior
número possível de adesões e simpatias, neutralizar e, ao menos, fazer refletir aqueles que não possam nesse
momento ser ganhos, e isolar e dividir
os irredutivelmente opostos.
Esse critério precisa sempre ser levado em conta pois a ação política não é simplesmente “se expressar” ou “se colocar” mas fazê-lo de forma a conseguir sensibilizar e trazer para o nosso lado quem ainda não o sensibilizado por nossa visão. O limite do ativismo “autoral” é a autoria de atos ou a expressão de atitudes de forma contrária ou contraproducente em relação a esses objetivos.
Esse critério precisa sempre ser levado em conta pois a ação política não é simplesmente “se expressar” ou “se colocar” mas fazê-lo de forma a conseguir sensibilizar e trazer para o nosso lado quem ainda não o sensibilizado por nossa visão. O limite do ativismo “autoral” é a autoria de atos ou a expressão de atitudes de forma contrária ou contraproducente em relação a esses objetivos.
Essas reflexões me ocorreu há duas semanas
quando vi no jornal uma manifestação contra o --ou pegando carona no-- Papa com pessoas peladas, camisinhas
colocadas em imagens de santos que logo são espatifados no meio da rua. Me
pergunto de que maneira isso pode contribuir para a redução da influência do
moralismo religioso, o casamento de pessoas do mesmo sexo, a causa de regularização da prostituição ou a
legalização do aborto, todas causas razoáveis e válidas.
Todas essas ou outras bandeiras ditas
“comportamentais”, para serem vitoriosas precisam ganhar novos corações e mentes, atrair para
posições ditas “mais avançada” pessoas que hoje não as tem e que precisariam
ser persuadidas.
Evidentemente não se ganha novos adeptos ou
neutraliza adversários que possam evoluir, no futuro, com mensagens ou comportamentos que agridam ou
assustem.
Vejo certas lideranças –inclusive parlamentares—supostamente abandeiradas
dessas causas fazer exatamente o contrário: espantar os que poderiam ser
ganhos, empurrar para o outro lado os potencialmente neutralizáveis unindo-os fortemente os irredutívelmente contra.
Assisti até uma votação simbólica disso: os
líderes dos partidos na Câmara decidiram tirar de pauta o ridículo projeto do Feliciano da “cura gay”,
pressionados pelo clima de mobilização nas ruas. A maioria, inclusive a bancada
evangélica, votou a favor da retirada. Houve quem encaminhasse contra a
retirada acusando quem votar a favor da retirada de “ hipocrisia”.
Vá lá que fosse, vá lá que a hipocrisia ali grassou e
grassa. Só que esse não era o ponto, naquele momento! Sendo a hipocrisia inegavelmente “uma
homenagem do vício à virtude” e sendo o ato de retirada o correto, eera necessário acolher generosamente a “conversão” ao repúdio a dita “cura
gay” de pelo menos uma parte daqueles que votaram na retirada pois isso tronar-los-ia mais abertos em futuras votações.
Ao rejeita-los quando, independentemente de de motivos ou tática, faziam a coisa
certa, só se cristalizou sua hostilidade para embates
futuros. Naturalmente essa é uma consideração de cunho estratégico que só importa se queremos de fato agir sobre a realidade para muda-la. Se o propósito é apenas se “expressar”, ou aparecer na mídia aí já são outros quinhentos. O melhor é polemizar mesmo quando já não há mais polêmica, pois é disso que a midia gosta.
Na ação política um dos expedientes mais
fáceis é o de trabalhar com energias negativas.
“Denúncia”, “repúdio”, “protesto”, “revolta” todos correspondem a um
sentimento interior de negatividade que evidentemente se justifica em todo um
leque de situações e serve de fator mobilizador.
Só que a partir daí se dá o
grande desafio da ação política. Aquela dominada pela negatividade nunca
conseguirá sair dessa dinâmica. Supera-la fazendo avançar objetivos concretos transformadores da realidade.
Nesse sentido a extrema direita, a
extrema-esquerda e a anti-política anarcóide são bastante parecidos, muda apenas o alvo
do ódio político, ideológico, "de classe", cultural, étnico ou racial, dependendo do caso.
Num tempo em que o mais importante é narcisicamente "se colocar", "se expor" e não agir para transformar a mudança também fica no virtual.
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