14/06/2013

Um não-radicalismo inconsequente



 Aparentemente seria um contra senso criticar o movimento “passe livre” nos ônibus (rima com “boca livre”) por falta de radicalismo. Afinal há rebeldia para todos os gostos. Verbal e física. Palavras de ordem contra esse ou aquele governador e/ou prefeito e, por parte de algumas facções do protesto,  quebra-quebra. 

 Nada de novo. Me lembro de um espisódio desses, no Rio, nos anos 50, durante o governo JK, contra o aumento de preço dos bondes. Era bem criança e morri de medo dos bondes pegando fogo. Depois acabaram com os bondes e de lá para cá isso já se repetiu dezenas de vezes mas a mobilidade urbana só fez piorar.  

  É consequente colocar-se como reivindicação central a gratuidade? O transporte público nunca é gratuito, sempre será pago pelo usuário, pelo contribuinte ou em doses diferenciadas por ambos como hoje acontece. É simplesmente injusto que os jovens ricos de classe média deixem de pagar ou paguem menos, quando podem pagar. 

 Os trabalhadores do setor formal, em boa parte,  recebem subsídio das empresas e em relação ao setor informal é preciso criar mecanismos eventualmente vinculados a programas gênero bolsa família mas que resultem em alguma contrapartida de instrução ou formalização de atividade.

 Falta transparência às planilhas das empresas de ônibus que precisam ter tarifas (ou receber subsídios) que mantenham economicamente viável o negócio –-as experiências de estatização não deram certo--  mas que não resultem em lucros abusivos. E, naturalmente tem que acabar as notórias “caixinhas” as casas legislativas e esferas governamentais, a mais corriqueira das corrupções. Precisam, enfim, ser investigadas e severamente reprimidas.

 Para a imensa maioria da população usuária muito pior que um aumento de tantos quantos centavos é a má qualidade desses  serviços. Não só o dos ônibus, em si --que em algumas cidades vem melhorando pouco a pouco, longe ainda do satisfatório-- mas aquele nos ônibus resultante do quadro mais geral da (i) mobilidade coletiva desse modelo que privilegia o transporte individual.

 O sistema de ônibus ainda que dotado de BRTs e BRSs tem seu funcionamento comprometido pelo vertiginoso crescimento da frota automobilística  subsidiado pelo governo federal há vários anos sem contrapartida alguma. Engarrafamentos dantescos são a marca de qualquer cidade brasileira. São Paulo então...

   Se as verbas dos subsídios à indústria automobilística, das obras rodoviaristas ou de projetos tipo trem-bala,  fossem investidas no transporte de massas (metrô e trem) ou nos ônibus de alta capacidade (BRT), no subutilizadíssimo transporte hidroviário,  nas ciclovias e disponibilização massiva de bicicletas (essas sim potencialmente gratuitas pois financiadas pela publicidade) teríamos uma a melhoria substancial na mobilidade urbana nas nossas cidades. Investimentos em melhorias operacionais em sistemas de bilhete único combinando vários modais de transporte bem como uma informação em tempo real ao usuário também ajudariam um bocado.

 Por isso, será indispensável --e inevitável em algum momento futuro—  a radicalidade de se colocar limites claros ao transporte individual motorizado com a introdução de pedágios urbanos eletrônicos na forma de taxas de congestionamento. O acesso em transporte individual a áreas congestionadas precisa ser taxado levando em conta o padrão do veículo, seu consumo de combustível e a intensidade de suas emissões.

 Uma contestação de fato radical ao nosso falido sistema de mobilidade urbana socialmente injusto e ambientalmente insustentável precisaria tomar como centro esta ordem de questões. No entanto,  a condução inconsequente desse movimento por parte de grupos de extrema-esquerda de perspectiva jurássica --conquanto ar juvenil--  faz dele algo fadado a não ir além dos efeitos daqueles quebra-quebra de bondes no tempo do Jucelino e  de quantos outros  sucederam: um jogo soma zero.

  Já para aqueles rebelados sem causa, punks e outros que tais que pouco se lixam para o preço das passagens de ônibus mas querem queimar sua adrenalina quebrando o pau com a polícia, depredando bancas de jornais e vitrines capitalistas o movimento é de maior consequência: seu afã de bater e apanhar pode ser plenamente correspondido pela brutalidade e despreparo policial.

Mas também ali há apenas som e fúria, zero radicalidade.

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