Não vou ainda abordar
a questão do partido cuja intenção de formar a imprensa atribui a Marina Silva.
Penso que é prematuro abordar o assunto antes de conversar com ela e seus
seguidores mais próximos.
O sistema político-partidário brasileiro
encontra-se numa crise terminal --o que paradoxalmente não significa que esteja
moribundo, pode ter uma sobrevida de muitos anos ainda-- sua desfucionalidade é patente do ponto de
vista de servir de alguma maneira à democracia e ao interesse público.
É certamente funcional em relação ao sistema de acesso e manutenção de espaços de poder e
repartição do bolo patrimonialista. Partidos são engenhocas cartoriais, salvos condutos
burocráticos para participar de eleições e negociar “espaços” e cargos comissionados. Para isso servem.
Depois de ter atuado com toda dedicação na
comissão da reforma partidária me convenci que daquele mato não sai cachorro. O
máximo que esse Congresso poderá produzir é algum arremedo casuístico como a
proibição de coligações proporcionais --seria correta e coerente com outro
sistema eleitoral-- e, correndo por fora
da comissão, esse odioso casuismozinho que se prepara para sangrar quaisquer
novos partidos depois que se deu uma colher de chá para o do Kassab, porque
interessava o governo. Governo, oposição e pântano parlamentar, todos grandes e
médios partidos, estão interessados em impor o princípio da gafieira: “que tá
dentro não sai, quem tá fora não entra”.
Isso não significa, necessariamente, que
qualquer novo partido irá representar uma solução. A desfuncionalidade cívica
vem do sistema eleitoral: o voto proporcional personalizado cuja instituição
mestra é a carreira política individual. Isso combinado ao sistema de
financiamento de campanhas, ao sistema de outorga fisiológica de espaços das
máquinas governamentais, à hipertrofia dos cargos comissionados de livre
provimento, à rede de centros assistenciais e à compra de votos fazem da
política brasileira o que ela é. E não adianta essa dança das cadeiras do
corrupto bola-da-vez através do qual recorrentemente aparece um Judas para ser
malhado na mídia, a música para, depois volta e a dança continua. Virou um exercício pavloviano de indiganção inconsequente.
A cultura política que tudo isso produz é tão
hegemónica e irresistível que os dois partidos inovadores dos anos 80, o PT e o
PV, acabaram fagocitados por ela –o PT para tragédia e o PV mais para
farsa. O conteúdo ideológico e programático dos partidos não despareceu completamente
mas tornou-se secundário, quase decorativo. Prioritariamente os partidos são instrumentos para
buscar “espaços” no pior sentido da palavra. Assessoriamente alguns possuem um
discurso, um conteúdo político que pode valer ou não dependendo da
circunstância. Outros nem isso. O melhor
exemplo disso é o PT com o Maluf em SP ou o PV dando o vice do ex-líder dos
tucanos, Duarte Nogueira, um dos líderes
ruralistas anti-Código Florestal. Ambos partidos votaram “bem” (no caso do PT,
metade da bancada votou consistentemente) mas, depois, na aliança eleitoral
prevaleceu o que eu parafrasearia como: “discursos, discursos mas negócios à
parte”.
Essas características da nossa política que tornam-na
quase incompreensível para muitos estudiosos estrangeiros levamo-nos a essa
curiosidade de quase três dezenas de partidos pouco diferenciados programática
e ideologicamente --e mesmo quando diferenciados, misturados-- no contexto dessas alianças pragmáticas,
algumas francamente repugnantes, mas, eventualmente indispensáveis à “governabilidade”.
Nesse contexto fico no ar a dúvida sobre a
utilidade dos atuais ou de futuros partidos. Fica também a constatação de que
os bons estão dispersos em vários partidos diferentes em suas distintas
circunstâncias. Mudanças na correlação de forças (hoje tétrica) no Congresso
dificilmente dependerão da performance de um único partido, frente ou coligação. É mais plausível se supor
que que dependerão de uma rede de
geometria variável de pessoas articuladas em partidos diferentes e instancias
variadas dentro da máquina pública, da sociedade civil e do segmento
empresarial.
É desanimador, é pessimista, mas é verdade.
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