A polêmica do dia da campanha para prefeito é
o Carnaval. O Marcelo Freixo na sua entrevista do RJ-TV defendeu o
financiamento público das escolas de samba com uma “contrapartida cultural” e,
pelo que foi entendido, uma seleção pela qualidade do enredo. A quem caberia
julgar essa qualidade? Uma comissão, vinculada a um órgão público da
prefeitura, provavelmente a secretaria de cultura. Essa comissão analisaria se
o enredo da escola é “culturalmente correto”
e liberaria ou não seu financiamento.
Aspásia Camargo e Otávio Leite já manifestaram
sua hostilidade à ideia relacionando-a ao “dirigismo” estatista da velha
esquerda. Uma burocracia passaria a ter poder sobre os enredos das escolas de
samba para verificar se eles podem ser considerados “contrapartida cultural” ou
se são apenas lixo capitalista como o da Ilha de Caras. Alguns mais paranóicos
já podem imaginar comissários do culturalmente correto avaliando se determinado
enredo serve aos movimentos sociais, se promove valores progressistas ou está
comprometido com a luta dos trabalhadores. Visto a tradição da esquerda petista,
do qual o PSOL é uma formação pré-delubiana, a hegemonia do partido teria que estar
assegurada numa comissão desse tipo.
Naturalmente essa linha de crítica tem a ver
com a dinâmica competitiva de campanha, possivelmente haverá aí algum exagero.
De qualquer maneira cabe a discussão. A primeira pergunta a se fazer é se, de
fato, mudanças no Carnaval constituem
uma prioridade. Há crise no Carnaval que precise ser enfrentada com urgência como na saúde, no saneamento ou na mobilidade urbana?
Penso que não. O Carnaval carioca, pese a problemas que possa eventualmente
ter, vai bem obrigado! Não é um evento que necessite que o poder público
intervenha. Claro, há um investimento no carnaval feito via Liesa, onde, já
sabemos, os bicheiros exercem um papel importante. De alguns anos para cá
começaram a perder o monopólio do financiamento das escolas com empresas e até
governos estaduais investindo nelas em troca de enredos que lhes sejam
aprazíveis. Curiosamente esse arranjo representou um retrocesso temático porque
os bicheiros nunca impuseram, ao contrário dos novos patrocinadores, conteúdos
às escolas. Assim, até concordo que alguns são um lixo capitalista, que, no
entanto, não vejo porque tenha que ser
substituído por lixo socialista fruto de um controle em nome do política e
culturalmente correto. Gilberto Gil,
ministro, me disse uma vez: “arte ruim também é cultura”. Enredo cafona, idiota,
glorificador do dono do patrocínio, também é Carnaval e simplesmente não vale a
pena intervir, não é inteligente a prefeitura se meter nessa esfera. Sua interferência geraria mais problemas que
soluções.
Penso que até poderia haver uma linha de estímulo
público para manifestações carnavalescas menos aquinhoadas, em bairros, e com
uma seleção de projetos vinculada a um tipo de julgamento que não tenha a ver
necessariamente com o “enredo”. Mas submeter as grandes escolas de samba a um
financiamento público que passe pela avaliação do seu enredo, por uma comissão,
me faz lembrar o desabafo inesquecível de um membro de uma delas, na época a da
EMBRAFILME: “O que é um camelo? Um camelo é um cavalo desenhado por uma
comissão”. Não me parece que devamos mexer no Carnaval, muito menos numa linha
“Sambobras”.
Por outro lado sou favorável à legalização do
jogo do bicho e dos jogos em geral(os
bicheiros, naturalmente, são contra). Penso que não faz sentido promover
inquisições no âmbito carnavalesco porque há escolas financiadas por bicheiros.
A repressão aos bicheiros deve existir e ser severa quando eles cometem crimes
para além da contravenção: devem ser perseguidos e presos por seus eventuais
homicídios, formação de quadrilha, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, evasão
fiscal, etc... mas o jogo em si, deve ser legalizado. Criminalizar
comportamentos é enxugar gelo e desviar escassas energias policiais expondo-as
à corrupção institucionalizada.
No mais, penso que qualquer “dirigismo” em
relação ao Carnaval é fadado ao fracasso. O Carnaval é um processo espontâneo
por natureza. Ele simplesmente acontece em toda sua riqueza e diversidade e
sempre será uma maravilhosa cacofonia de coisas sublimes e torpes, lindas e
grotescas, pitorescas e patéticas, sublimes e escatológicas. Jamais será
politicamente correto.
Relance
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