Uma das coisas mais deprimentes da atualidade internacional é ver o presidente Barack Obama totalmente refém do primeiro-ministro Bibi Netanyahu e seu gabinete de direita e extrema-direita. Com a persistência da má economia e do desemprego a campanha para a reeleição de Obama vai ser duríssima mesmo contra candidatos republicanos que, numa situação normal, derrotaria com o pé nas costas com o mórmon Mit Romney ou o ultra direitista governador do Texas Rick Pery. Como o lobby judaico de direita, a AIPAC, cabalando apoios entre republicanos e democratas --e levando o congresso norte-americano a extremos que nem o próprio Netanyahu propugna, nesse momento, como a suspensão da ajuda à Autoridade Palestina que só fortaleceria o Hamas-- Obama terminou anulado e humilhado nas suas tentativas de promover uma solução negociada. Sabe perfeitamente que Netanyahu não tem a menor intenção de negociar seriamente um estado palestino. No máximo concederia alguns bantustões, em vota de cidades palestinas. Obama, cedendo a Netanyahu, comprometeu-se a vetar a entrada da Palestina na ONU. Passou a aceitar a falácia da direita israelense do “unilaterialismo” palestino.
“Unilateralismo” ó o que Israel faz todos os dias na Cisjordânia e Jerusalém ao ampliar oficialmente ou tolerar a constante expansão dos assentamentos e dos “postos avançados” dos fanáticos religiosos. Israel foi internacionalmente reconhecido da mesma maneira que hoje acusa de “unilateral” na Assembléia Geral da ONU, presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha, em 1947. Foi ao mesmo tempo criado um estado palestino em 44% do território entre o mar e o rio Jordão. Os árabes lançaram-se numa guerra de liquidação contra o estado recém formado e anexaram o território previsto para a Palestina. Israel venceu sua única guerra de fato pela existência, mas, ao mesmo tempo, provocou a tragédia dos refugiados palestinos, em parte estimulada sua fuga pela propaganda árabe, em parte expulsos à força pelas suas tropas. A posição atual de Obama é como à época ter dito aos israelenses: “não podem ir à ONU, é unilateral, vocês tem que negociar é com o Império Britânico.
Hoje os palestinos, no governo em Ramalah, já aceitam 22% do território entre o mar e o Jordão e claramente estariam dispostos de abrir mão do “direito ao regresso” para Israel dos refugiados contentando-se com um reconhecimento simbólico, indenizações e um número bastante limitado de regressos. Isso ficou claro nas revelações sobre as negociações secretas entre o ex-primeiro ministro Ehud Olmert e Mahmud Abbas que estavam a pouca distância de um acordo quando Olmert caiu por causa de um escândalo de corrupção. As compreensíveis exigências de segurança de Israel também estariam contempladas inclusive pela presença de tropas da OTAN na Cisjordânia em reforço às da Autoridade Palestina que atualmente conseguiram reduzir a quase zero os atentados de grupos fundamentalistas na Cisjordânia, atualmente.
A rigor todos já sabem, desde o Protocolo de Genebra negociado pelo meu amigo Yossi Beilin com o líder da OLP, Ahmed Rabbo, por onde passa uma solução para além da fórmula para os refugiados mencionada acima: Fronteiras baseadas naquelas de 1967 com trocas de terras equivalentes que permitiriam, inclusive, manter mais de dois terços dos colonos nas regiões próximas a antiga Linha Verde. Os palestinos receberiam terras hoje israelenses na proporção de um para um. Passariam a controle palestino os bairros árabes de Jerusalém e haveria uma solução religiosa ecumênica para os lugares santos, considerados sob “soberania de Deus” e uma gestão das autoridades religiosas judaica, islâmica e cristã sobre os respectivos santuários. Netanyahu não aceita ceder os bairros árabes de Jerusalém e, pressionado pelos colonos, estaria disposto a ceder aos palestinos apenas alguns enclaves sem contigüidade territorial bem aquém dos 22% da palestina histórica algo que nenhuma força política palestina jamais aceitará. Na verdade Bibi não quer ceder nada e prefere empurrar com a barriga a situação apostando no poderio militar de Israel e na sua capacidade de chantagem sobre a Casa Branca. Para complicar um pouco mais, Bibi, ao contrário dos seus predecessores, coloca como exigência que os palestinos reconheçam a Israel a condição de “estado judeu” algo que além de descriminar a minoria árabe israelense desagrada também uma grande parte dos judeus laicos que não desejam um estado confessional. Tendo a OLP já reconhecido Israel como estado legítimo, dede os acordos de Oslo, qual o sentido dessa exigência suplementar de cunho étnico-confessional senão criar mais um obstáculo?
A situação na faixa de Gaza e o poderio político militar do Hamas são também complicadores. Há muito tempo a direita israelense e o Hamas são como dois aliados de fato. A política de um serve como uma luva para o outro e vice versa. É sabido, no entanto, que o Hamas aceitaria uma trégua de longo prazo, uma “hudna” caso houvesse um acordo baseado nas fronteiras de 67 incluindo Jerusalém e aprovado num referendo pelos palestinos. É uma posição inicial que pode evoluir, o Hamas não é monolítico e como toda organização extremista mas com base popular tende a moderar-se pelo exercício de responsabilidades de gestão sobre uma população educada e cosmopolita como a de Gaza. Politicamente, neste momento, o Hamas perde terreno para o Fatah de Abbas e para a boa administração do primeiro-ministro Fayad. A iniciativa na ONU fortalece Abbas no cenário palestino e enfraquece o Hamas mas Netanyahu está disposto a voar em seu socorro, assim como o Hamas e o Hezbollah o fizeram pela direita israelense quando tratou-se de frustrar as tentativas de paz de Ehud Olmert e Tzipi Livni.
Nesse contexto, é correta a posição do governo brasileiro de aprovar na ONU o reconhecimento do estado palestino o que reforçará o poder de negociação de Mahmud Abbas a espera de tempos melhores. Para tanto terá que haver mudanças políticas em Israel. Isso pode ocorrer se o poderoso movimento social emergente se convencer que os males socioeconômicos em Israel estão relacionados às enormes despesas militares e dos gastos com a construção, manutenção e defesa dos assentamentos. As manifestações nas ruas nas cidades israelenses, conquanto ostensivamente desvinculadas do tema da paz, podem eventualmente reequilibrar um pouco da balança eleitora que hoje pende muito para a direita e extrema-direita.
Israel perdeu seus únicos aliados na região: Irã e Turquia, bem como seu parceiro tácito na era Mubarak: o Egito. Isola-se cada vez mais por ter recusado a iniciativa árabe proposta pela Arábia Saudita. Por outro lado ao não definir suas fronteiras condena-se ao dilema de ser ou bem um estado judeu, não democrático, de appartheid , ou bem um estado democrático onde os judeus logo passarão a ser, demograficamente, minoria. Podemos estar assistindo aos estertores da tentativa de se criar dois estados lado a lado. Com a expansão dos assentamentos e o aumento da população israelense na Cisjordânia, em breve não haverá mais o que negociar territorialmente e a luta passará a ser contra o appartheid e por “um homem, um voto “ nesse Grande Israel entre o mar e o Jordão. Há quem já prefira esse caminho que comporta para Israel perigos existenciais bem maiores a médio e longo prazo.
O maior erro de Netanyahu é sua evidente estratégia de empurrar com a barriga e ganhar tempo pensando que este joga a favor de Israel. É só analisar os últimos 30 anos para perceber que é exatamente o contrário. A primavera árabe que certos analistas israelenses já classificam de “inverno islâmico” aponta nesse sentido. Se Israel estivesse disposto a negociar seriamente a paz com os palestinos contribuiria muito para que o resultado não fosse esse. Mas prefere a self fulfiling profecy a profecia que engendra sua própria realização.
Com toda lógica depois do impasse alimentado por Netanyahu poderá vir uma nova guerra. Será uma guerra diferente, não contra exércitos regulares árabes que Israel venceria com relativa facilidade mas, nos moldes da segunda guerra do Líbano, que Israel não logrou vencer e deixou a mostra, pela primeira vez, sua vulnerabilidade. A próxima será uma guerra de foguetes. Milhares cairão sobre seu território ainda que sua aviação consiga eliminar a maioria das rampas de lançamento e seus novos sistemas defesa consigam abater uma grande parte em vôo. Anda que caiam algumas dezenas todos o dias Israel estará em grande dificuldade. Politicamente suas represálias arrasadoras vão contribuir para seu isolamento ainda maior. Para impedir o lançamento dos foguetes Israel terá que invadir e conquistar territórios em profundidade cada vez maior cuja ocupação tornar-se-á muito onerosa e inviável visto seu contingente numericamente limitado e uma sociedade que atribui tanto valor a cada vida de soldado individualmente como vemos no caso Gilad Shalit. Aos seus inimigos bastara recuar nos seus vastos territórios densamente povoados e continuar disparando foguetes. Uma guerra assim, ainda que sem o risco de “atirar os judeus ao mar” ao se prorrogar começará a devastar a economia de Israel e gerar um forte aumento da emigração.
Um ataque aéreo bem sucedido ao Irã poderá no máximo atrasar em alguns anos sua obtenção de armamento nuclear. A tendência à proliferação na região tenderá a se intensificar, sobretudo se Israel não colocar em discussão seu próprio armamento. É impossível prever com exatidão o futuro mas tendencialmente é mais que evidente que Netanyahu & Lieberman representam desgraça para Israel a médio e longo prazo. No imediato Bibi continuará a manter Obama como refém, até 2012. Se este apesar de tudo este conseguir se reeleger caber a esperança de que num segundo mandato poderá dispor de massa crítica política para atacar os dois grandes problemas diante dos quais hoje permanece impotente: o clima e o oriente - médio. Mas uma eventual vitória republicana não irá necessariamente levar a direita israelense ao paraíso. Historicamente, os presidentes que mais duramente pressionaram Israel foram republicanos: Dwight Eisenhower, em 1956, e George Bush, pai, no início dos anos 90. Por trás do fervoroso apoio republicano está o chamado “sionismo evangélico” que tem preocupantes motivações místicas: acreditam que Israel é o instrumento de realização do Armagedon quando dois terços da população judia irão morrer e o terço restante irá se converter ao cristianismo no advento da volta do Senhor. Deus proteja Israel de seus amigos republicanos...
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