08/10/2018

O novo ciclo


O primeiro turno das eleições abriu um novo ciclo histórico. Embora se diga que o segundo turno  “é uma nova eleição”  não é fácil imaginar que tipo de erro que Bolsonaro teria que cometer ou que façanha Haddad praticar para que ele não conseguisse atrair os menos de 4% que necessita para chegar lá no segundo turno. Ele, nitidamente,  tem o que em inglês se chama  “the momentum”: surfa uma onda internacional e nacional e vive aquele tipo de situação em que até os erros são contabilizados a favor. 

 Pode se dizer o mesmo da eleição para governador no Rio. Embora sua distância seja maior, terá que conquistar mais 10%, Witzel, até ontem um ilustre desconhecido, apresenta para Eduardo Paes uma dificuldade muito maior do que Romário ou Índio (esse mesmo com apoio do Bolsonaro) representariam num segundo turno. Paes tem um talento político e uma tirocínio eleitoral que nunca pode ser subestimado mas está diante do maior desafio da sua vida. Precisará reverter uma tendência de queda, superar muitos golpes abaixo da linha da cintura e reverter uma tendência de queda face a um adversário que representa "novidade" e terminou o primeiro turno em tendência ascendente.

 Para Paes teria sido melhor que Bolsonaro tivesse ganho no primeiro turno porque isso regionalizaria a disputa numa situação onde sua experiência como ex-prefeito, bem avaliado,  do Rio contaria mais. No atual quadro ainda que não se posicione nacionalmente –uma questão quase de sobrevivência--  será visto pela onda bolsonarista como "do outro lado" e também terá dificuldade de mobilizar boa parte do voto de esquerda que se concentrou mais no PSOL.

 Na conferência de imprensa de Haddad os petistas e pecedobistas pareciam eufóricos. Começou num tom típico de comícios de esquerda com toda aquela coreografia e sonografia que já, epidermicamente,  provoca rejeição. Naquelas circunstâncias a celebração partidária era totalmente avessa ao que deveria fazer em termos de comunicação um candidato à presidência em dificuldade. 

 Nada menos “presidencial” que aquela coreografia partidária de autocelebração quando, claramente,  a pulsão dominante do pleito foi o anti-petismo.  Bolsonaro, no que pese sua limitada eloquência,  usou melhor a oportunidade: colocou-se no olho no olho para o eleitor com seu eventual tzar econômico, Paulo Guedes –para cativar mais o “mercado”-  e se colocou em comunicação direta, objetiva,  conquanto tivesse repetido algumas de suas barbaridades que, no momento pelo menos,  são assimiladas ou aceitas sem problema pelos seus seguidores.

 Haddad deu a impressão que que, no fundo, dava de barato a derrota no segundo turno mas celebrava alegremente o fato do PT ter permanecido hegemônico, na esquerda e poder assim “liderar” a futura oposição,  comandar “os democratas”. A maioria moderada do país fica assim na terrível posição de ter de escolher entre votar, a contragosto, nos maiores responsáveis pela situação atual ou nulo o que de alguma maneira ajuda Bolsonaro.

 A impressão que davam os petistas era de que o importante era “marcar posição” e garantir hegemonia (a grande raiz de todas suas desgraças). Me lembrou das camisetas dos militantes do PT e do PSOL, nas ruas,  com seus dois adesivos:  “Ele não” de um lado e “Fora Temer” do outro.  Uma dupla inócua. Em relação a "ele não" o adesivo  consequente teria sido “Ciro”. Já em relação a Temer, o vice que escolheram, cultivaram e depois amaram odiar, qual o sentido de perder tempo com ele? Achavam mesmo que é bom argumento contra Bolsonaro alinhava-lo nos "50 tons de Temer"? Achavam que isso lhe faria perder um único voto? O Brasil mereceria uma esquerda menos patética.


 Toda questão agora é saber qual a duração do novo ciclo que se abre. Será curto ou longo? Qual seu nível de autoritarismo e dano para a democracia? Qual sua intensidade persecutória? Qual seu grau de compromisso com algumas das propostas mais absurdas veiculadas no calor da campanha? Qual o grau de prejuízo que irá causar às liberdades, à tolerância cidadã e ao meio ambiente? Para onde conduzirão os inevitáveis conflitos internos de uma nebulosa política criada num impulso de revolta com atores políticos inexperientes, ambiciosos e possuídos por um intenso sentimento de revanche e onipotência?

 Paradoxalmente, na última pesquisa Datafolha a democracia aparece com um recorde de avaliação positiva entre os brasileiros. Isso de certa forma contradiz outras pesquisas recentes, seria preciso ver exatamente como a pergunta foi formulada e a pesquisa aplicada. De qualquer forma, isso revela que uma maioria da população se sente protagonista e acha que pode pesar no seu próprio destino com uma escolha,  desta feita pela direita. 

 Isso é positivo desde que se preserve essa mesma possibilidade de alternância, mais adiante,  e não enverede por um chavismo de direita o que será uma forte tentação num mundo onde pontificam os Duterte, Orban, Erdogan e por aí vai. Sobreviverá a celebrada democracia brasileira?


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