Estarei sendo injusto com Panos Kammenos, o
líder dos Gregos Independentes, partido com 13 deputados --uma “racha” da Nova
Democracia, o maior partido da direita— se fosse escrever que é o Bolsonaro grego?
Como não consta que ele tenha feito apologia da tortura ou da ditadura do coronel Georgios Papadopulos a comparação pode de fato ser exagerada. Mas Kammenos não é pouca direita: vem criticando os budistas, judeus e muçulmanos que segundo ele “não pagam impostos” e quer uma linha dura anti-imigrantes. É fortemente contra o casamento gay e até faz campanha contra a cremação. Gosta de Putin.
Na graduação esquerda-direita feita pela imprensa
européia os Gregos Independentes ficam à direita da Nova Democracia e à
“esquerda” --se é que se pode dizer assim— apenas da Aurora Dourada, o partido neo-nazi que chegou em terceiro
lugar com 6,7% e elegeu 17 deputados apesar de sua direção estar quase toda ela no xilindró.
Alex Tsipras, com 36% dos votos
ficou com 49% das cadeiras, por causa dessa variante grega do
“diferencial de Hondt” que oferece um bônus de 50 cadeiras ao partido mais
votado. Com 149 deputados Syrza ficou a apenas duas da maioria absoluta.
Poderia ter se aliado com o Partido Comunista ortodoxo à sua esquerda ou com o
novo partido de centro To Potami, isso sem falar do desmilinguido PASOK, grande
vítima política da crise, o antigo grande partido socialista de Andreas
Papandreou,. Preferiu a aliança com a direita populista “soberanista” e anti-imigração de Kammenos que é particularmente
estridente em relação à União Europeia.
O que isso sinaliza? Em primeiro lugar que Tsipras
é antes de nada um pragmático e prefere conviver no governo com uma pequena formação de
direita a ter bafo no cangote à sua esquerda. Tampouco quer conviver com uma opção de “centro radical” como o
midiático To Potami. Sinaliza que sua prioridade é o embate econômico com
Bruxelas e Berlim e que temas do tipo integração dos imigrantes, questões comportamentais
e batalhas culturais como casamento gay decididamente não serão sua prioridade
para a indignação da extrema-esquerda “ideológica” ou libertária do seu
partido.
Há algum tempo discordo da visão que apresenta
Tsipras e Syrza como “extrema-esquerda” ou “esquerda radical”. Essa
caracterização se prende a discurso e discurso é apenas um dos elementos da
caracterização política. Mais importante é entender como uma determinada força
irá de fato se inserir no jogo político real de poder. Na verdade Tsipras é o “califa
no lugar do califa” do socialismo democrático
e Syrza um novo partido socialista tendendo a uma social-democrata renovada no lugar do finado PASOK que
também já teve um discurso radical nos seus primórdios oposicionistas.
Andreas Papandereou, nos anos 70, era mercado comum europeu, anti-imperialista e queria romper com a OTAN Ao chegar no poder já se sabe. Foi se
ajustando com a social democracia européia e com a gestão reformista do capitalismo.
A alternativa a ela, o socialismo soviético, era simplesmente horrorosa e logo morreu de morte morrida. A social democracia com welfare state tornou-se o melhor que socialistas poderiam almejar.
No entanto, partir dos anos 80 e, sobretudo, dos 90 a
globalização neoliberal colocou o walfare
state em crescentes apuros que explodiram de vez com a grande recessão a
partir de 2008. A Grécia virou o elo mais frágil de corrente do Euro e pagou o
preço mais alto. O que socialmente aconteceu na Grécia foi inimaginável: queda
de 25% do PIB, reduções de salários de 30% a 40%. Cortes de luz e despejos
massivos de famílias. Isso depois de uma década de bonança artificial por conta
do Fundo de Coesão (!) europeu e de um crédito fácil e abundante (lembra algo?)
e, ah sim, das Olimpíadas de 2004!
Internamente, no plano político, o preço mais
alto foi pago pelo PASOK já então liderado pelo filho de Andreas, Yorgos
Papandreou. Embora os governos da Nova Democracia pareçam ter tido ainda mais culpa
na farra irresponsável que exacerbou a crise grega –falseamento de estatísticas
de déficits, roubalheira generalizada, ausência de arrecadação fiscal e clientelismo
onipresente-- quem pagou o pato maior, por
uma questão de timing e expectativas frustradas, foi o PASOK. A Nova Democracia do maquiavélico Antonis Samaras vem se safando nem tão mal assim. Eventualmente poderá ser um
bom negocio para eles, a médio prazo, a vitória de Tsipras se ele não conseguir
administrar a quadratura do círculo e sair do labirinto onde o aguarda o
Minotauro da dívida 330 bilhões de euros
que herdou e em relação ao qual a deusa
Hera Merkel não parece disposta a transigir.
A aposta de Tsipras é que a Grécia seja o
estopim para uma revolta análoga na Europa do Sul e mais longe. A Espanha
parece a próxima da fila com o Podemos aparecendo na frente das pesquisas. No
sistema proporcional espanhol também existe o Diferencial de Hondt (embora não
na mesma proporção) mas o PSOE não aparece no estado de debacle do PASOK.
Onde de fato Tsipras poderia ser bem sucedido não é tanto na emergência de uma esquerda radical européia mas em
alianças que poderá vir estabelecer com a esquerda socialista com um amplo
leque de forças, para além dos socialistas, que acham que a austeridade do
monetarismo tacanho Bruxelas-Berlim não
é o caminho.
Esse conjunto de forças dentro do sistema
europeu mas cada vez mais críticas estaria mais para políticas de Obama, nos
EUA. O processo já começou com o quatitative
easing do Banco Central europeu. Esse
estado de espírito começa a possuir partes da própria “troika”: mesmo no FMI
presidido por Christine Lagarde, desconfia-se cada dia mais da receita Merkel e
reconhece-se que o arrocho na economia grega foi burro e excessivo.
Mas é preciso encontrar uma alternativa
rápido pois atrás vem gente: a extrema-direita que espreita.
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