06/12/2011

As poderosas do Clima.


Iniciou-se o segmento ministerial da COP 17 e a tensão subiu porque entramos na fase decisiva. Na sessão plenária brilharam as duas mulheres poderosas da Conferência: a presidente Maite Mashabane e a secretária geral da Convenção do Clima, da ONU, Cristina Figueres. Se acordo houver muito se deverá persistente ação das duas nos bastidores e em público. Por incrível que pareça muito numa Conferência desse tipo depende do fator humano. Inabilidades, conflitos interpessoais, simpatias ou antipatias mútuas, tudo isso joga um papel muito mais importante do que se imagina.

A comissária do clima da UE, a dinamarquesa Connie Hedegaad, por exemplo, é um exemplo vivo de inabilidade política e falta de inteligência emocional. Ela contribuiu bastante para o colapso da Conferência de Copenhagen, em 2009. Aqui ameaça repetir a dose. Hoje ela resistia a fazer uma reunião “trilateral” armada pela jeitosa diplomacia brasileira entre o grupo BASIC, a UE e os EUA. Um acordo nesse fórum liquidaria a fatura. Ela esteve naquela reunião do Parlamento Europeu em Bruxelas da qual participei em novembro. Estávamos em mesas diferentes e mandei-lhe um e-mail sugerindo um encontro, já que eu vinha de Pequim de uma reunião do BASIC onde a grande discussão se dera em torno de um entendimento com a UE para a segunda fase de vigência de Kyoto. A secretária dela me respondeu que ela estava muito ocupada e deu o telefone de um assessor para eu ligar porque eventualmente ela poderia conceder-me um corridor meeting (um encontro no corredor) mas que mesmo assim não era certo porque ela é uma pessoa muito ocupada... Agradeci e dispensei. Lembrei me de um diplomata brasileiro que depois de Copenhagen descreveu-a como “Connie a bárbara”.

Ela participou da mesa na parte da tarde –minha intervenção foi pela manhã-- e fiquei assistindo suas caras e bocas a medida em que concordava ou discordava de algum dos oradores. Era um misto de infantilidade com arrogância. Tinha um bom discurso –concordo com boa parte do que formulou-- mas visíveis complicações emocionais. Paro por aqui para não psicologizar em demasia nem entrar num terreno machista.

Que contraste com Cristiana Figueres, na mesma mesa! Esta com um vasto pedigree político, filha e irmã de presidentes da Costa Rica, charmosa e firme nas colocações, simpática e acessível. Batemos um ótimo papo sobre seu país e a figura política de seu pai, Pepe Figueres, a quem admiro como um dos grande líderes pouco conhecidos da América Latina.

Aqui em Durban ela divide o palco com uma outra figura não menos carismática, a ministra de relações exteriores da África do Sul, Maitê Mashabane, uma líder importante do ANC de Mandela e Zuma. As duas vão ter muito trabalho, para além das formulações políticas expressas em textos em diplomatiquês, para impedir descarrilhamentos provocados por fios desencapados como Connie ou a assustadora chefe da delegação hindu, Madame Natarajan, que “melou” a reunião do BASIC em Pequim.

Se ouvimos a todas as partes concluímos que afinal um acordo é possível se houver habilidade e calma. O negociador chefe dos EUA Todd Stern deu uma conferência de imprensa soporífera onde disse ter conversado longamente como o chinês Xie Zenhua e concluído que a China não aceitaria acenar com o compromisso de um acordo legalmente vinculante para depois de 2020. Todd deu seqüência ao jogo de empurra-empurra sino-americano no qual cada um diz que vai se o outro for o outro é que não vai... O que ele não explicou é como os EUA continuam a dizer que tem uma meta “anotada” em Copenhagen e Cancún (redução de 17% até 2020 sobre o ano base 2005) se o Senado enterrou o projeto de Lei (o Climate Bill) que iria viabiliza-la, em 2010.

A conferência de imprensa do BASIC foi logo a seguir com presença de imprensa e frisson muito maior do que o provocado pelo norte-americano. Sinal dos tempos! Madame Natarajan rodou a baiana, acusou os países do Anexo I, de não terem cumprido as metas de Kyoto – uma generalização injusta-- e manteve a posição “pau na mesa” que assumira em Pequim, na reunião do BASIC, embora, no final, nas entrelinhas tenha sinalizado que eventualmente poderia ceder alguma coisa. Xie Zenhua, apesar do que pretendeu Stern, sinalizou algo parecido e de forma um pouco mais clara do que a indiana. O Brasil e a África do Sul foram explícitos colocando-se claramente a favor de um futuro acordo "legalmente vinculante" desde que com adesão de todos --leia-se EUA-- e que seja aceitável no conteúdo dos seus vários aspectos (mitigação, financiamento, verificacão, etc...).

Resumo da ópera: há mesmo campo para o tal “Kyotinho” sem o Japão, Rússia e Canadá (a Austrália e Nova Zelândia talvez voltem) que, por razões que já expus, é melhor do que nada. Claro, ficaremos ainda a uma distância abissal daquele mínimo que a ciência sinaliza com necessário para impedir a concentração de GEE na atmosfera ultrapassar os 450 ppm e o aquecimento ficar abaixo da média de 2 graus. Mas a bola vai continuar em jogo. Para tanto, no entanto, é preciso que as duas poderosas se imponham às duas mal jeitosas.

E vamos aguardar o próximo capítulo da novela...

Fotos: acima Cristiana Figueres, Maite Mashabane com o autor. Embaixo: Madame Natarajan, Connie Hedegaad. Mashabane e Figueres juntas.

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